Minsait: «As empresas terão que ser muito mais disruptivas»
As empresas terão que ser muito mais disruptivas e terão que se reinventar totalmente, algumas em alguns mercados se não o fizerem rapidamente desaparecerão, outras têm algum tempo mas o caminho tem que se iniciar já. Em entrevista à Executive Digest, Sérgio Pinto Diretor de Oferta e Operações da Minsait em Portugal (Indra Group), explica os principais desafios e oportunidades da transformação digital para as empresas.
Como definiria a transformação digital no contexto actual, especialmente em relação à IA e à Robotização?
Há cerca de 25 anos observámos a última grande revolução tecnológica, com o aparecimento e expansão da Internet. Novos negócios foram criados, indústrias inteiras foram “viradas do avesso” (retalho de consumo ou financeiras só para mencionar as principais) e, num estágio de maturação posterior, a própria sociedade mudou radicalmente, com os smartphones, a conectividade constante, a informação sempre presente e generalizada, a facilidade em criar narrativas (verdadeiras, menos objectivas e falsas), a consolidação e a globalização do mundo em várias vertentes, como as sociais, comerciais, warfare e política.
Estamos agora perante a próxima grande e profunda revolução tecnológica, com a Inteligência Artificial (IA) e a Robotização por software. No imediato, podemos pensar em automóveis sem condutor, drones (para entregas, vigilância, conflitos armados e não armados…), e podemos também pensar no impacto em funções cuja execução está sustentada na repetição de processos, procedimentos e algoritmos (advocacia, suporte administrativo e até partes do processo de diagnóstico de saúde entre, muitas outras).
E para o futuro. O que podemos antever?
É difícil prever o que ainda vai acontecer, pois as ferramentas que estão a ser criadas e melhoradas enquanto falamos, só dependem da imaginação dos seus criadores (e sabemos, com o devido tempo, que esta é praticamente infinita). Muitas funções hoje executadas por humanos desaparecerão, outras novas serão criadas. Muitos negócios e respectivos modelos serão “cortados pela raiz” e reinventados. Se o aparecimento da internet já o demonstrou, teremos uma segunda vaga na democratização do acesso a negócios e oportunidades comerciais. Uma boa ideia, um par de ferramentas tecnológicas disruptivas facilmente disponíveis “et voilá”: “inventei um novo negócio que chegará a milhares de milhões de pessoas”.
Obviamente que também assistiremos a falsas partidas e muitas experiências sem sucesso. Basta pensarmos nos chat bots (assistentes de conversação) que muitas empresas de serviços massificados utilizam para substituir os humanos no atendimento ao cliente. Curiosamente anunciados com pompa e circunstância como sendo uma melhoria considerável na qualidade do atendimento ao cliente, prometem soluções a todos os problemas a qualquer hora e de forma muito rápida. A verdade é que muitos desses “chatbots” ainda hoje deixam muito (muito) a desejar, e assistimos, enquanto clientes, a um degradar exponencial da nossa experiência, sempre que necessitamos de algum apoio. O certo é que uma grande parte dos problemas dos clientes ainda só se consegue resolver com o contacto directo com um assistente humano, que consiga racionalizar o problema e resolvê-lo. O problema é que, hoje em dia, conseguir chegar à “fala” com um agente humano é quase o santo graal para um cliente em apuros. Existe, portanto, um longo caminho a percorrer.
Quais são os principais impactos da IA e da Robotização nas empresas hoje e como é que isso afecta a forma como elas operam?
Podemos tentar dividir, neste contexto, as empresas em três grupos. As empresas que consideram que é só uma moda, e que está tudo bem com os seus negócios, ignorando o que está a acontecer; as empresas que vêm na IA e na Robotização uma forma de optimizar processos internos e reduzir custos (melhorando, ou não, os resultados de cada processo); e, por fim, as empresas que vêm nesta revolução a oportunidade de romper com os paradigmas dos mercados onde operam (temos de incluir neste grupo as novas organizações criadas de raiz para abordar um mercado de forma nativa, suportada em novas soluções tecnológicas).
Na minha opinião, as primeiras desaparecerão mais tarde ou mais cedo (ou vão transformar-se em negócios de nicho), a forma como fazem chegar os seus produtos e/ou serviços ao mercado ficará obsoleta e deixará de funcionar. Seja porque os processos de produção ou gestão ficarão caros demais para serem competitivos, seja porque (mais provável) alguém aparecerá com uma forma totalmente nova de satisfazer a necessidade desse mercado.
Também nos iremos deparar com uma mudança radical em alguns mercados. A democratização no acesso a novas ferramentas, novas formas de aceder e consolidar conhecimento e acesso a agentes generativos de conteúdos com capacidades infinitas, causará uma disrupção no tipo de serviços e produtos procurados no mercado (principalmente no sector terciário).
No que diz respeito ao segundo grupo de empresas, provavelmente, mais adiante, acontecerá o mesmo do que às anteriores. Claro que esta consequência dependerá muito do mercado onde estão inseridas e de como o mesmo evoluirá mas, com mais ou menos velocidade, todas acabarão por ter forte concorrência com formas e ferramentas mais efetivas.
Será, claramente, o terceiro grupo de empresas a vingar, pois tirarão proveito das novas tecnologias para fazerem chegar produtos e serviços inovadores (ou de forma inovadora, se pensarmos em produtos e serviços que não vão sofrer grandes alterações, nos sectores mais primários), estarão mais preparadas, serão mais eficientes, e terão condições para se adaptarem a um mundo e mercados cada vez mais complexos e cada vez mais rápidos a mudar.
O futuro trará, por isso, um mercado mais unificado no que diz respeito ao espírito inovador das empresas?
Obviamente que o que faço aqui é um exercício de generalização, e estou certo de que teremos empresas saudáveis nos dois primeiros grupos, mas tal será principalmente por actuarem em mercados mais conservadores, regulados ou controlados, em certa medida, pelas próprias.
Este é um desafio que as empresas enfrentam hoje: entender que o mundo da tecnologia está a mudar, que não basta apenas utilizá-lo nas suas formas mais óbvias ou básicas, sob pena de ficarem para trás no processo, sempre necessário, de inovação e resposta a mercados voláteis e em transformação. Perante a chegada de várias novas soluções tecnológicas de forma massiva, exponencial e rápida, já não é uma questão de sobrevivência para uma empresa ter de inovar. Tem que o fazer de forma rápida e ainda mais ambiciosa.
Que estratégias podem as empresas adotar para se diferenciarem num cenário onde a tecnologia é, por vezes, similar entre os concorrentes? De que forma ajudam os vossos clientes?
Hoje em dia, o principal risco para as empresas é exactamente esse, adoptarmos as novas tecnologias para processos internos de “eficiência”, e facilmente ficar-se inebriado com os muitos e bons resultados possíveis. Só isto não chega (não que seja errado, há que fazer esse caminho) porque acabarão por ficar todas iguais, a oferecerem os mesmos produtos e serviços, da mesma forma e com o mesmo preço, levando à transformação de vários produtos e serviços em commodities, cujo único diferenciador será o preço (pensemos na electricidade, nas telecomunicações ou até nas grandes cadeias de restauração e retalho). Temos que pensar mais adiante. Enquanto profissional de uma empresa devo tentar entender como vai mudar o meu mercado, e como posso transformar os meus produtos e serviços para gerar maior valor e diferenciação.
Imaginemos que sou uma empresa de distribuição de encomendas, tenho uma frota de centenas de viaturas e motoristas. Vou necessitar destes motoristas num futuro próximo? vou precisar de viaturas? (faço-o com drones?), não chegará ter os processos mais eficientes de compra e manutenção de viaturas, optimização de rotas e os melhores condutores do mundo, mais tarde ou mais cedo vou ficar fora do negócio (ou viro empresa de nicho para entregas de largo formato).
É este o principal desafio do trabalho que fazem junto dos clientes?
Sim, sem dúvida. Numa primeira fase, devemos encontrar formas de criar eficiência nos seus actuais processos, no entanto e mais importante, devemos conhecer bem como os nossos clientes abordam o seu negócio e como o mercado em que estão inseridos poderá mudar no futuro próximo, ajudando também na ligação dos clientes com os nossos parceiros que trabalham em soluções novas para esses mercados.
Não podemos ficar satisfeitos quando “fazemos o mesmo de forma muito mais rápida, com mais qualidade e menos custo”, mas sim perguntando sempre: “como podemos dar produtos e serviços diferentes ou ajustados e como ajudamos a criar um novo paradigma no mercado onde nos movemos?”.
Como é que a personalização da experiência do cliente pode ser uma vantagem competitiva num ambiente digital cada vez mais homogéneo?
Bom, remetendo-me à questão dos chatbots, esta é uma questão difícil. Se pensarmos na IA genérica (pesquisa, conversação e geração de conteúdos) e acessível a todos, um dos grandes riscos é exactamente o contrário, cada vez mais pessoas têm a mesma (boa ou má) informação, cada vez mais pessoas/ empresas conseguem produzir os mesmos conteúdos, cada vez menos veremos novas ideias, novas formas de pensar e de abordar as questões que nos inquietem.
O risco com as empresas é o mesmo, a automação a todo o custo que leva a um distanciamento entre a empresa e o seu cliente, e a retenção de clientes passa a depender unicamente do valor (quanto mais pequeno melhor) a cobrar pelo produto/serviço.
Quem conseguir utilizar estas novas ferramentas para individualizar a sua interacção com os seus clientes, utilizar o conhecimento que têm para oferecer exatamente o que necessitam, procurando e fazendo com que as suas comunicações com os clientes sejam em algum momento humanas ou pelo menos emocionais (não no sentido de termos uma máquina a “fingir” emoções, mas sim capaz de criar essas emoções no receptor), terá uma vantagem enorme. Este é o grande desafio dos departamentos de marketing, desde sempre, e que agora acarreta uma complexidade ainda maior.
De que forma a inovação contínua é crucial para que as empresas mantenham à sua face a rápida evolução tecnológica?
Nos próximos anos, a velocidade com que veremos novas abordagens aos actuais mercados, e a própria criação de novos mercados será estonteante. Copiar o que já se vai fazendo de bom, ou constantemente aumentar a nossa eficiência de produção, deixará de ser suficiente a médio prazo. Algumas ofertas e serviços já vão sendo conhecidos por antecipação e/ou premonição, e têm vindo a ser testados, como por exemplo o frigorifico que encomenda automaticamente as necessidades de um lar. De que forma é que esta inovação (quando funcionar de forma massificada) vai alterar o mercado de retalho de consumo? Veremos modelos de leasing/subscrição alargado de equipamentos domésticos, como forma de retenção de clientes? A própria agricultura, que poderá vir a ter robots e drones a observarem constantemente as culturas, a protegerem-nas e a colherem os seus frutos no momento certo (e enviados diretamente ao cliente)? As possibilidades são verdadeiramente infinitas.
As empresas terão que ser muito mais disruptivas e terão que se reinventar totalmente, algumas em alguns mercados se não o fizerem rapidamente desaparecerão, outras têm algum tempo, mas o caminho tem que se iniciar já. Mesmo mercados hiper-regulados, como o Financeiro, Saúde ou Justiça, (que se foram transformando de forma mais lenta desde o inicio da internet) serão alterados profundamente.
Na sua opinião, que tendências irão moldar o futuro da transformação digital nos próximos anos?
Além do que já referi anteriormente, não consigo prever onde e quando vamos ver as primeiras grandes alterações. Mas é claro que o passo de aumentarmos a eficiência, a velocidade e a qualidade está já a ser observado em muitas indústrias e mercados. No entanto, não assistimos ainda a um novo produto ou serviço que esteja a definir ou a moldar um mercado. Estará para chegar em breve. A diferença entre esta revolução tecnológica e as anteriores é a diversidade de possibilidades e tecnologias que permitem uma miríade de combinações, com diferentes potenciais e aplicações, e que não deixarão nenhum mercado por impactar. A globalização e personalização dos serviços e produtos (será possível uma empresa saber exactamente o que “desejo” ou “necessito” e canalizar os mecanismos para me vender algo, minutos após eu próprio sentir essa necessidade – e em muitos casos antes de eu sentir essa necessidade), os modelos de subscrição sem limites de consumo alargados a quase tudo o que adquirimos, os carros autónomos, a mão de obra robotizada, os diagnósticos médicos e legais, o céu é o limite.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Transformação Digital”, publicado na edição de Novembro (n.º 224) da Executive Digest.