KPMG: “Não aproveitar agora é hipotecar o futuro das próximas gerações”
As empresas portuguesas têm nos fundos comunitários uma oportunidade de ouro para preparar o futuro, mas será fundamental que estas tenham uma estratégia para o futuro e uma boa dose de ambição. Vítor Ribeirinho, vice-presidente da KPMG, falou com a Executive Digest sobre os desafios, as regras e as oportunidades que se apresentam às empresas neste momento que pode ser de viragem para a economia portuguesa.
Que serviços disponibiliza a vossa consultora para apoiar as empresas portuguesas no acesso aos fundos comunitários?
A KPMG, através de uma equipa de especialistas dedicados exclusivamente a esta matéria, tem uma longa tradição de apoio às empresas portuguesas nos últimos 25 anos, desde a elaboração de candidaturas em processos simplificados à promoção e dinamização de consórcios multiempresa. Em função da natureza e especificidade dos projetos, temos também parcerias estabelecidas que nos permitem ter o envolvimento e a colaboração de outras organizações da área científica e académica, tanto públicas como privadas.
Quais as soluções oferecidas pela vossa consultora aos clientes?
Tipicamente alavancamos no conhecimento especializado, multidisciplinar e geográfico da KPMG e o que temos sobre cada um dos sectores de atividade, na promoção de soluções inovadoras, pensadas para o mercado europeu ou global e, nos anos mais recentes, claramente marcadas pelos princípios de desenvolvimento sustentável que são preconizados pela agenda da União Europeia (UE).
Temos, adicionalmente, um papel muito forte no desenho de soluções de cofinanciamento, combinando o acesso a fundos com investimento privado ou até estruturas de financiamento mais elaboradas para projetos de maior dimensão ou de maior complexidade.
Por fim, não podemos deixar de referir o papel relevante que tem a nossa estrutura de Assurance, colaborando das mais diversas formas com organismos de gestão e distribuição de fundos europeus que necessitam desse tipo de suporte, seja na definição dos mecanismos de governance, seja na auditoria aos fundos atribuídos.
Quais são os principais desafios que se colocam à sua execução?
O regulamento do Next Generation EU vem mudar de forma sensível o foco na execução dos projetos que venham a receber apoio público: passamos de uma lógica de remuneração de despesa incorrida para uma lógica de remuneração com base nos resultados. Isto vai determinar uma alteração de comportamentos no desenho e execução dos projetos, forçar a combinação de esforços entre as entidades participantes num determinado consórcio e, ainda, obrigar a uma gestão ainda mais profissional do cash-flow dos projetos e do reporte dos resultados.
Quais os fatores diferenciadores da vossa consultora face à concorrência?
Desde logo a forma antecipada – desde meados do ano passado – como a KPMG Portugal está a operar com a nossa rede europeia, o forte apoio que temos em termos de informação de benchmark com o que está a ser feito noutros países, num modelo quase em tempo real, viabilizado pela estrutura de coordenação que temos junto da União Europeia e nos diversos países membros, particularmente os que beneficiam de maiores volumes de fundos para investimento (Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Polónia).
Junto do sector privado, diferenciamo-nos pela forte presença que temos junto das principais associações empresariais, a parceria que estamos a desenvolver no sector financeiro e com outras grandes empresas, e a ligação que temos aos polos tecnológicos e à academia – com quem estamos, inclusive, a reforçar laços de forma muito significativa. Em particular na componente tecnológica e da digitalização vamos anunciar em breve investimentos muito significativos na criação de centros de competência da KPMG em Portugal, em colaboração com os nossos principais parceiros tecnológicos e com algumas universidades.
E por fim, junto da Administração Pública, projetos muitíssimo significativos que estamos a desenvolver nas áreas da Economia, da Saúde e da Justiça, através dos quais sentimos que estamos a ajudar a fazer a diferença com uma abordagem transformacional mas profundamente pragmática e racional.
O que devem ter em conta as empresas portuguesas que optem por se candidatar aos fundos?
A principal mensagem que estamos a passar aos nossos clientes é a de que têm de conhecer muito bem as prioridades europeias, ter a noção de que existe um novo paradigma de abordagem ao apoio ao financiamento, no qual a colaboração entre entidades, o pensamento ambicioso e global e o foco na criação de valor tem de primar sobre o típico projeto mono-empresarial, virado para dentro e sem o efeito de arrasto económico que se pretende, nomeadamente, com os projetos mobilizadores que estão pensados e previstos.
As PME são das que têm mais dificuldade em aplicar fundos comunitários na União Europeia. Como é que este problema pode ser contornado?
Nenhuma PME vai poder chegar ao final desta década com um saldo positivo de aplicação de fundos europeus se não abordar de forma totalmente distinta a oportunidade. E em muitos aspetos vão ter de contrariar a sua natureza histórica, ou seja, vão ter de trabalhar mais em conjunto, potenciando cadeias de valor e não projetos individuais, introduzindo inovação, infraestruturas verdes, modelos de desenvolvimento sustentáveis e energeticamente favoráveis à preservação do clima – temas claramente novos para muitas destas empresas. É uma dinâmica de trabalho completamente nova, a par da qual temos de extrair o máximo do talento dos ótimos profissionais que a nossa academia forma para, em conjunto, ajudarmos o tecido empresarial português a dar um verdadeiro salto em frente.
Quais os fatores de sucesso para as PME?
As PME deveriam estar, neste momento, a definir a sua estratégia sobre fundos europeus para a próxima década, elaborando uma visão clara do que podem utilizar nas componentes de ajuda especial (PRR), nos incentivos correntes (que chegarão a partir de 2022 via “PT2030”) e na investigação (via programa Horizon Europe, por exemplo), bem como em programas complementares de apoio ao desenvolvimento das PME em âmbitos específicos, sejam eles sectoriais ou regionais . Essa estratégia deve ser ambiciosa, pensada para o mercado europeu/ global e articulada entre os diferentes programas de financiamento. Deve ainda ser orientada para a geração de um efeito multiplicador positivo de arrasto de outros agentes económicos da mesma fileira e potenciador da redução de importações, pela produção própria (ou no limite intracomunitária), contribuindo assim para a elevação do espaço europeu como espaço económico, capaz de competir nas áreas críticas com os restantes blocos económicos.
E no caso das grandes empresas?
Apesar de muitos dos incentivos não lhe estarem diretamente dirigidos (alguns inclusive estão restritos às PME), a verdade é que serão as grandes empresas que, inevitavelmente, mais têm a ganhar neste processo, pois a enorme injeção de capital na economia fortalecerá o consumo e, nesse particular, são as grandes empresas que mais poderão beneficiar. Mas com esse benefício vem a responsabilidade destas de atuar como força motriz, apoiando de forma direta ou indireta os projetos transformadores da economia que julguem de maior potencial, promovendo, desta forma, um efeito cascata do qual acabarão por sair beneficiadas.
Algumas grandes empresas, por exemplo, no sector das energias renováveis, do tratamento de resíduos ou em sectores “novos”, como a bioeconomia ou a economia do mar, poderão ter planos estratégicos fortes que lhes permitam beneficiar diretamente de fortes investimentos. Mas será, na maioria dos casos, numa lógica de coinvestimento e com o objetivo de dar um salto qualitativo e quantitativo que lhes permita competir com as melhores de todo o mundo, e não apenas com os seus competidores nacionais ou ibéricos.
Quais são as “regras de ouro” numa candidatura aos fundos comunitários?
Em primeiro lugar, a ambição. Quem pensar pequeno não vai conseguir os apoios que esperava e só de si próprio se poderá queixar. O segundo fator: a colaboração e a associação com terceiros, dentro e fora do seu ecossistema. E o terceiro, a capacidade de execução: o novo modelo de financiamento da UE, pressupõe um enorme profissionalismo na ação e uma quase obsessão com a capacidade de demonstrar que as metas são medidas e atingidas, sob pena de se estar a pôr em risco a utilização dos fundos na sua plenitude.
A União Europeia dotou-se do maior pacote orçamental de apoio ao desenvolvimento e coesão dos seus estados membros. Na sua opinião, esta é uma oportunidade única para transformar Portugal?
Há quem acredite que, depois deste pacote, outro se seguirá, nem que seja porque “Roma e Pavia não se fizeram num dia”. Mas, do nosso ponto de vista, este é o momento em que países como Portugal – que necessitam dar um salto em frente no seu relançamento económico – têm que obrigatoriamente de aproveitar a oportunidade, porque infelizmente a estabilidade política e económica global passa por uma fase de incerteza profunda que pode ter consequências no futuro.
Não aproveitar agora é, potencialmente, hipotecar o futuro das próximas gerações, sem nenhuma garantia real de que haverá uma nova oportunidade. Em resumo, apliquemos toda a nossa energia na oportunidade que esta década nos proporciona, porque se o fizermos, com as características intrínsecas que o nosso país tem ao nível do talento e da nossa cultura muito própria de fazer acontecer, seguramente, estaremos muito melhor posicionados à entrada da próxima década, aconteça o que acontecer.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Fundos Comunitários”, publicado na edição de Julho (n.º 184) da Executive Digest.