Diferendo entre Costa, Rio e Ventura divide politólogos

O diferendo entre António Costa e Rui Rio a propósito do acordo estabelecido entre o PSD e o Chega para os Açores continua a marcar a atualidade política. Os politólogos Viriato Soromenho Marques e António Costa Pinto avaliam a situação de forma diferente. Para o primeiro, “trata-se de uma discussão política séria, relativa a ética latente na vida pública, sobre a questão de fazer sentido normalizar, conferir um pacote de constitucionalidade e reconhecimento ao Chega, porque é preciso critério e assumir responsabilidades”. Costa Pinto considera “natural que um primeiro-ministro do PS questione Rio face à aliança com um partido da extrema-direita populista, algo que é comum na Europa, mas não aqui. No passado, os partidos da direita estigmatizaram o PS por formar alianças com partidos de esquerda radical e agora o tema é devolvido à direita. De qualquer forma, um partido com 1,3% de expressão eleitoral não ameaça o espaço do centro/direita em Portugal”. O politólogo sublinha ainda que se trata de “uma aliança com incidência parlamentar nos Açores, portanto, numa dimensão regional, tendo suscitado conflitos internos no Chega a propósito de um possível caso de âmbito nacional, algo que não é de prever. Aliás, o Chega irá crescer no plano eleitoral tanto quanto desenvolver ações de protesto, pelo que um relacionamento tenso com o PSD é do seu interesse”.

Mas Soromenho Marques vê perigos no que está a desenhar-se. “Em primeiro lugar, desconhecia que existisse uma via verde constitucional nos Açores, ou seja, existe um protocolo que não foi respeitado: tal como sucedeu com o PSD e o CDS, mais votados nas legislativas em 2015, deveria ter sido o partido mais votado a ser convidado a formar governo. Tal como Vasco Cordeiro, também não percebo qual foi a pressa em dirigir o convite a outros. Por outro lado, não conhecemos os termos do acordo estabelecido nos Açores, mas sabemos o que é o Chega, aquilo que representa, quais são os seus valores, conhecemos a História e os riscos que se correm. Uma coisa é ganhar votos através dos eleitores, outra é ter expressão por via da influência e da tática. E o Chega já ganhou, porque revelou capacidade para negociar, enquanto o PSD só perde”, indica. Sobre o pedido de desculpa que André Ventura exigiu ao primeiro-ministro, Soromenho Marques critica: “É típico da retórica destes partidos em que se diz o que for preciso e o seu contrário para alcançar objetivos. Ventura é autor de uma tese de doutoramento que muita gente à esquerda não desdenharia assinar, mas depois defende o oposto no Chega. Também por isso mostra ingredientes que o tornam politicamente perigoso.”

Costa Pinto classifica como “troca de galhardetes” as acusações entre Costa, Rio e Ventura, admitindo que “só nas legislativas pode haver uma certa reorganização do espetro político à direita”, mas, comentando a afirmação de Ventura ao disponibilizar-se para diálogos mais amplos se o PSD se radicalizar, é taxativo: “Um partido com dimensão governativa dispõe de escassa capacidade para se radicalizar à direita ou desaparecerá.”

Sobre a comparação que muitos têm definido entre as alianças do PS ao Bloco de Esquerda e PCP com a que una PSD e Chega, Soromenho Marques não deixa dúvidas: “É um argumento de ideologia primitiva, é esquecer o contexto histórico e seria o mesmo que dizer que a Igreja Católica é terrível hoje por causa da Inquisição. O Bloco de Esquerda é de uma espécie de social-democracia. E estamos em 2020, não em 1917, a União Soviética já não existe. O PCP filia-se na 3ª Internacional, mas é o partido mais conservador do nosso sistema político e aquele que mais defende a Constituição. Comparar o PCP com o Chega é um insulto à inteligência de todos nós. Além disso, é não ver que os perigos vêm da fragmentação e que precisamos de sangue-frio, de pessoas bem formadas e não de quem se forma nas redes sociais.”






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