Ecossistema de mobilidade sustentável
Em entrevista à Executive Digest, Rui Rei, Presidente da Parques Tejo, explica os principais desafios e oportunidades da mobilidade urbana no Município de Oeiras.
Como é que a Câmara Municipal de Oeiras se está a preparar para as mudanças trazidas pela mobilidade urbana/ smart cities?
O Município de Oeiras tem, desde há largas décadas, uma visão a longo-prazo vocacionada para desenvolvimento do território, em todas as suas dimensões – económica, social e ambiental. E, como evidente, as políticas de mobilidade são uma parte central a essa estratégia.
No presente, os sistemas de mobilidade e transportes estão a atravessar um período de transição desde um modelo assente nas deslocações em automóvel, com todos os seus impactos ao nível do congestionamento das vias, da pressão no estacionamento, ou nas emissões de CO2 e poluição sonora, a favor de modelos que procurem criar uma verdadeira intermodalidade de transportes.
Contudo, não podemos ponderar a transição de forma cega. De acordo com os últimos Censos, a larga maioria das deslocações pendulares (entre 50% a 60%) assentam no automóvel particular, e menos de um terço nos transportes públicos. Ora, a ambição de Oeiras, expressa no Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) é inverter esta realidade, e desenhamos a nossa estratégia a partir daí.
Quais são os principais projectos de mobilidade urbana, actualmente, em Oeiras?
Na sequência dos desafios que identificamos, a nossa prioridade assenta na criação de uma rede estruturada de eixos de Transporte Coletivo em Sítio Próprio (TCSP), que responda a necessidades de índole metropolitana.
Quando olhamos para o território de Oeiras, percebemos que existem quatro eixos – um “cardinal” – em torno do qual se desenvolvem os padrões de deslocação. Numa vertente, temos a linha férrea, com serviços que podem ser melhorados; e também um eixo viário estrutural, a A5, que se encontra obsoleta a todos os níveis, uma vez que não responde ao volume de tráfego que recebe; não possui o perfil de autoestrada urbana de que carece, com nós de acesso e de saída que facilitem as deslocações; e não possui um corredor dedicado que agilize as deslocações em transporte público.
E de forma idêntica, existem dois outros projetos fundamentais que o Município tem identificados há décadas nos seus instrumentos de gestão territorial, mas que têm sido sucessivamente adiados pela inexistência de planeamento nacional e regional.
Um deles é o SATUO, com a ligação entre as linhas ferroviárias da CP de Cascais e de Sintra, e cujos estudos para a reativação foram recentemente concluídos pela Parques Tejo, agora com base num transporte de tipo rodoviário, que circulará ao longo de cerca de 10 km de extensão, com quinze paragens que servem os parques empresariais Quinta da Fonte, Lagoas Park, e Taguspark, mas também o Fórum Municipal, onde se concentrarão grande parte dos serviços camarários. No seu todo, estes pólos agregam uma procura diária que estimamos na ordem dos 30 mil passageiros.
Já a oriente, na zona entre Algés, Miraflores, Linda-a-Velha e Carnaxide, estamos empenhados na prossecução do LIOS, que tornará mais eficientes as deslocações entre estes pólos residenciais e empresariais e a cidade de Lisboa, considerando tanto a zona do Restelo, e daí até Alcântara; como as áreas mais a norte, desde o concelho da Amadora até à zona de Benfica, onde se concentra um número crescente de empresas. No seu todo, estimamos uma procura diária de 20 mil passageiros.
Como está a ser feita a integração dos diferentes meios de transporte em Oeiras?
A integração é uma prioridade, porque na nossa perspectiva os cidadãos apenas podem ser bem servidos se lhes disponibilizarmos um Ecossistema de Mobilidade Sustentável, que congregue as várias opções que têm ao seu dispor.
Para tal, nós não podemos excluir o automóvel. Este vai continuar a fazer parte das nossas cidades, pelo que temos de o articular com as outras formas de mobilidade, o que passa desde logo por garantir que existe estacionamento disponível, sempre que possível em espaços que sirvam quase em exclusivo para esse fim, como são os parques fechados.
É a partir dessa base que podemos construir a intermodalidade. Porque quando o automóvel passa a estar mais restrito a locais próprios para esse efeito, estamos a libertar o espaço público, e a permitir que os meios suaves de mobilidade, ou o andar a pé, disponham de maiores condições de segurança e conforto.
Temos investido fortemente nas soluções de mobilidade suave, seja no sistema dockless, em articulação com operadores privados do setor, com uma rede estruturada em torno dos nossos 200 ponto. move, os hubspots nos quais as viagens têm obrigatoriamente o seu início e fim; seja através da rede municipal de bikesharing, um sistema com doca, adequado a deslocações mais longas, e que de momento tem uma oferta de 11 estações ao longo de eixos cicláveis estruturantes do concelho.
Desde o início das operações de ambos os sistemas, temos registado valores muito positivos, com um total acumulado de mais de 150 mil viagens nas bicicletas e trotinetas partilhadas (municipais e de operadores privados), que permitiram evitar a emissão de mais de 55 toneladas de CO2 num verdadeiro impulso para a redução das emissões associadas aos sistemas de mobilidade.
E são investimentos para continuar, sendo que já no próximo ano, além de dar início à da extensão da Ciclovia Empresarial ao Taguspark; contamos ampliar tanto a oferta da rede de ponto. move para mais de 400 hubspots; como prosseguir com a instalação de novas estações de bikesharing, em direcção a uma meta referencial de 50 estações.
Existem planos para a implementação de soluções de transporte sustentável, como veículos eléctricos ou transporte público de emissão zero?
Todas as políticas de mobilidade em Oeiras assentam na premissa de que se deve fomentar activamente a transição energética, uma vez que apenas com o desenvolvimento de transporte colectivos movidos a energias limpas, será possível inverter a atual repartição modal de transportes e, simultaneamente, cumprir com as metas climáticas internacionalmente definidas.
Assim, todos os projectos estruturantes em que estamos a trabalhar assentam exclusivamente em veículos movidos a energias limpas; e estamos também a trabalhar em torno da electrificação do automóvel individual. Hoje, Oeiras é a 5ª área urbana europeia com maior densidade de pontos de carregamento, mas estamos empenhados em continuar a reforçar essa oferta, bem como a criar tarifas mais reduzidas para os munícipes.
Também neste plano tem havido um contributo importante da Parques Tejo, que instalou carregadores em vários dos seus parques, bem como conduziu os processos de licenciamento junto da DGEG no sentido de se constituir como Operador de Ponto de Carregamento (OPC), habilitando a uma intervenção mais activa do Município na provisão deste serviço essencial à mobilidade do futuro.
Quais são as principais estratégias para reduzir a dependência do uso do carro particular em Oeiras?
Oeiras regista a particularidade de ser o único concelho da AML em que o número de pessoas que entra diariamente no concelho, cerca de 60 mil, equivale ao número de pessoas que sai; pelo que qualquer estratégia para reduzir a dependência do automóvel tem de responder a esses fluxos metropolitanos, e daí a aposta do Município numa rede de transporte em sítio próprio, que são os únicos meios que asseguram a previsibilidade, conforto e velocidade comercial necessários.
Além destes eixos, que são a espinha dorsal do sistema, a nossa estatégia considera vários outros serviços, que atuam como as suas ramificações, nomeadamente os serviços rodoviários da “Carris Metropolitana”, que têm registado valores muito positivos, com crescimento de 48% da oferta face à anterior, e em alguns meses mais recentes, a superar a marca de um milhão de passageiros.
Apesar desse trabalho desenvolvido, continuamos a verificar algumas carências na rede, pelo que recentemente submetemos à consideração da TML um conjunto de rotas, que poderão vir a ser operadas pela própria Parques Tejo, que dispõe, desde o mês de junho, do Alvará emitido pelo IMT que a habilita para o efeito.
E, noutra vertente, continuamos a pensar na necessidade de trabalhar em torno do fator “preço”, e se desde 2019 o passe Navegante possibilitou uma grande redução dos custos, continua a haver espaço para a TML, os Municípios e outras entidades devem criar soluções inovadoras que façam do transporte público uma opção crescentemente mais interessante para o utilizador.
Quais as principais medidas de gestão da mobilidade que gostariam de destacar?
A forma como concebemos a gestão da mobilidade assenta numa conjugação virtuosa entre infraestruturas e serviços, pois estas duas dimensões são dependentes entre si.
Pela sua escala e impactos metropolitanos, a rede de transportes coletivos em sítio próprio é, sem dúvida, a política que terá impactos de cariz mais estrutural, e será mesmo a que enforma todas as outras medidas que sejam tomadas.
Mas, como dito, na visão de Oeiras, para que os serviços de mobilidade respondam às necessidades dos cidadãos, e aos objetivos de transformação da repartição modal de transportes, estes têm de estar estruturados na forma de Ecossistema de Mobilidade, eficiente e sustentável. E claro, os meios tecnológicos são, neste prisma, ferramentas essenciais.
Qual a importância da tecnologia em todo este processo?
A tecnologia tem uma importância primordial em duas vertentes. Por um lado, as soluções baseadas no processamento de dados e em inteligência artificial preditiva dão um contributo essencial à gestão de tráfego, ao desenho das rotas de transportes públicos, e também aos sistemas de condução autónoma que começam a ser desenvolvidos, sendo exemplo disso o autocarro autónomo da Karsan que esteve em viagens experimentais no Passeio Marítimo de Algés, no final de setembro.
É nesse contexto que a Parques Tejo tem, para 2025, o projecto estrutural de implementar um Centro de Operações, um espaço com forte componente tecnológica, que permita monitorizar, em tempo real e com eficiência, os vários serviços de mobilidade que decorrem no concelho, permitindo uma intervenção mais ágil, bem como a recolha de dados essencial à tomada das melhores decisões.
Por outro lado, as ferramentas tecnológicas são um elemento democratizador do acesso de todos ao sistema de mobilidade, e nesse sentido temos trabalhado no desenvolvimento da app Oeiras Move, que de momento já excede os 12.000 registos; e que mais do que permitir o acesso aos nossos serviços, foi concebida para se integrar com serviços de outros operadores, desde o sector dos Táxis até aos operadores de transporte público, passando pelas empresas de mobilidade suave.
E, do mesmo modo, é uma app que serve os munícipes, seja com um acesso facilitado aos parques fechados, até tarifas mais reduzidas nos serviços de carregamento de viaturas eléctricas. E sobretudo, desde o início de Novembro, com a funcionalidade que permite, a todos os residentes em Oeiras, beneficiarem de até 120 minutos de estacionamento gratuito por dia.
Quais são os principais desafios enfrentados na manutenção e modernização da infraestrutura de transportes existente?
Oeiras enfrenta vários desafios no que respeita às infraestruturas do seu território, porque muitas vezes as ambições que o Executivo Municipal detém, e a que o Presidente Isaltino Morais tem dado voz, são obstaculizadas por entidades burocráticas, que os cidadãos não conseguem influenciar.
A A5 é um exemplo paradigmático desta realidade. A via não é capaz de responder aos volume de tráfego observado; não possui o perfil de autoestrada urbana, com um conjunto de entradas e saídas que facilitem a circulação; e não possui o corredor de BRT que permita transportes públicos funcionais.
E no entanto, apesar de todos os apelos de Oeiras e dos outros concelhos servidos pela A5, a Brisa vai protelando indefinidamente toda e qualquer intervenção que resolva os problemas. A solução não é fácil, e o Município tem aliás em curso a construção de duas vias paralelas à autoestrada – a Via Longitudinal Norte (VLN) e a Via Longitudinal Sul (VLS) com o intuito de aliviar essa pressão de tráfego; mas sem uma intervenção estrutural os probelmas continuarão a manifestar-se.
Do mesmo modo, podemos falar na linha da CP de Cascais/Oeiras. Para além de julgarmos que os serviços de transporte podem ser reforçados, é inaceitável que estações como as de Algés e de Oeiras continuem com níveis de conforto, segurança e informação muito abaixo dos mínimos exigíveis.
Na nossa visão, as interfaces de transportes têm de ser espaços apelativos, com uma arquitetura e enquadramento marcantes para quem chega ao território; com informação abundante sobre os vários meios de transporte que aí existem; e com pequenos espaços de comércio e cafetaria que as torne espaços vividos nos períodos de espera. E neste sentido, a Câmara Municipal de Oeiras tem insistido, sobretudo junto das Infraestruturas de Portugal, que tal seja acautelado com urgência.
Quais são os objectivos de longo prazo da Câmara Municipal para a mobilidade urbana em Oeiras?
A estratégia de Oeiras está, a todos os níveis, voltada para a sustentabilidade. O Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) do concelho prevê que, em 5 anos, possamos reduzir em 8,5% as emissões de CO2 associadas ao sistema de mobilidade; e que essa cifra se eleve para os 20% no espaço de uma década.
Para que tal seja possível é preciso aplicar todo o conjunto de medidas de que fomos falando: a rede de transportes em sítio próprio; os serviços de mobilidade suave e a rede de ciclovias; a maior oferta de carregamento elétrico; e mesmo uma maior oferta de estacionamento urbano.
Só com uma articulação coerente, em Ecossistema, de todas estas soluções, seremos capazes de alterar a repartição modal de transportes dos munícipes, e também da população metropolitana, a favor de deslocações mais eficientes e baseadas em meios de transporte colectivos e partilhados.
No fundo, apenas com um conjunto de políticas de mobilidade ambiciosas, como as que descrevemos, seremos capazes de alterar os nossos hábitos e criar uma mobilidade mais sustentável.
Este artigo faz parte da edição de Novembro (n.º 224) da Executive Digest.