Por Rui Ribeiro, Diretor Executivo da LES – Lusófona Executive School
Há noites eleitorais que parecem filmes de terror político, com fantasmas do passado, zombies ressuscitados e monstros inflados que acabam esvaziados à meia-noite. As autárquicas de 12 de outubro foram uma dessas noites: um desfile de vaidades, quedas e “vitórias morais” embaladas por discursos estudados.
Comecemos pelo Chega, o fanfarrão de serviço que prometia “mudar o país freguesia a freguesia” e acabou a levar um banho de humildade eleitoral. Três câmaras — sim, três — é um prémio de consolação da interessante matemática de triplicar resultados para quem sonhava com impérios. Ventura, outrora general de um exército em ascensão, ficou agora reduzido a cabo de esquadra em Albufeira, a consolar-se com o discurso de “foi bom, mas podia ter sido melhor”, para além de assegurar que está rodeado de muitos bobos da corte capazes de vender a mãe para assegurarem um lugar no parlamento. E… assim… seguirá para o futuro passado de “orgulhosamente sós”.
Já o CDS, esse morto-vivo que há algum tempo vagueia pelos corredores da política portuguesa, descobriu que afinal ainda respira e que até poderá ter futuro se conseguir passar mensagens da sua ideologia… precisa é saber qual e onde estão essas mensagens. Ganhou meia dúzia de câmaras (sete na realidade com o ganho em coligação), o suficiente para garantir que ninguém se atreva a encomendar-lhe o funeral. Nuno Melo festejou como quem voltou a ver luz depois de anos nas catacumbas, mas convém avisar que a luz pode estar num João Almeida capaz de voltar a unir Mesquita Nunes para uma visão estruturada de um país através de uma combustão eleitoral.
Olhando para o PSD, o sinal laranja que temia ficar vermelho acordou com a surpresa de ver o semáforo passar a verde. Luís Montenegro reclamou a vitória “histórica”, e é verdade que o partido conquistou a primazia autárquica e a capital. Mas nem tudo é cor de laranja: Lisboa mantém-se um campo minado de equilíbrios frágeis e os novos aliados à direita já roem o freio para reivindicar paternidades.
No lado oposto, o PS viveu uma noite de sobressaltos. O partido que esperava amparar a queda com um braço viu-se obrigado a exibir o famoso “dedo do fixe” de Soares, aquele que se levanta quando não se consegue fazer o V de vitória. O PS perdeu terreno, perdeu câmaras e, acima de tudo, perdeu o conforto de acreditar que as autárquicas eram o seu reduto natural.
Os comunistas mantêm-se firmes na sua tradição estoica: perderam quase tudo, mas continuam a celebrar a derrota com a serenidade de quem transforma a resistência em programa político. Chamam-lhe “vitória moral”, mas já soa a missa de sétimo dia.
À esquerda da esquerda, as flotilhas livres (Bloco e Livre) ficaram a boiar em águas calmas — demasiado calmas. Seguram uma vela, mas sem vento, sem barco e sem destino. Falam de “valores progressistas”, mas o eleitorado progressou para outro lado. Se algum dia velejarem, que seja para longe do porto seguro da irrelevância.
E os liberais? Felizes por ver o avião das autárquicas descolar sem bilhete, esperam o próximo voo — o nacional — com o mesmo entusiasmo de quem acredita que o aeroporto é uma incubadora de oportunidades. Falta-lhes, contudo, perceber que para chegar a Lisboa é preciso primeiro ganhar a junta da freguesia.
No fim, o povo português mostrou que continua a ser mais sensato do que os seus intérpretes. Ignorou o ruído, os soundbytes e os debates gritados nas redes sociais, votando com uma calma quase britânica. As autárquicas voltaram a provar que a política, mesmo quando se disfarça de espetáculo, ainda depende de quem sai de casa e põe a cruz no quadrado certo.
Entre mortos-vivos, fanfarrões, náufragos e visionários de ocasião, sobra uma conclusão: Portugal continua a ser um país com mais juízo do que os políticos que o tentam governar. E isso, convenhamos, é o verdadeiro milagre eleitoral.




