Da disrupção à reinvenção

1. DISRUPÇÃO

Fontes de disrupção


2 .RISCO

Valor em jogo e recuperação estimada


3. REINVENÇÃO

Como reinventar as cadeias de abastecimento para uma nova era de perpétua incerteza

Devido à pandemia de COVID-19, as empresas já se debatiam com a disrupção da cadeia de abastecimento, e como resultado estas foram as perdas económicas na Zona Euro em 2021:

  • -112,7 mil milhões de euros;
  • -0,9 % do PIB.


A GUERRA NA UCRÂNIA VEIO AGRAVAR ESTES DESAFIOS

São vários os factores que estão a exacerbar o choque no abastecimento, tais como:

  • Os preços da energia e a inflação;
  • A falta de matérias-primas e as falhas logísticas;
  • A escassez de talento.

Dependendo da duração e gravidade da guerra, o custo da disrupção da cadeia de abastecimento na Zona Euro ao longo de 2022-2023 pode ascender a:

  • 242 mil milhões de euros (2% do PIB) num cenário de guerra em curso, ou;
  • 920 mil milhões de euros (7,7% do PIB) num cenário de guerra prolongada.


1. DISRUPÇÃO

Choques na cadeia de abastecimento e acumulação de disrupções

Estes são os choques na cadeia de abastecimento:


QUEBRAS LOGÍSTICAS

  • Os bottlenecks no transporte agravaram a escassez de inputs e os custos de envio dispararam.
  • Os contínuos fechos temporários nos portos chineses e a guerra na Ucrânia agravam a questão.
  • 90% das exportações de trigo da Ucrânia foram interrompidas devido ao encerramento de portos. A Ucrânia é responsável por quase 10% das exportações globais de trigo. Os preços do trigo atingiram níveis recorde, aumentando 30% no primeiro trimestre de 2022 em relação ao trimestre anterior.


FALTA DE FORNECIMENTO DE MATERIAIS

  • O aumento da procura e o açambarcamento inicial por precaução levaram à inflação e sobrecarregaram as cadeias de abastecimento.
  • A concentração de fornecedores de minerais e alimentos críticos agrava os desafios.
  • Por exemplo, a Rússia é um dos maiores fornecedores de paládio, platina e diamantes, enquanto a Ucrânia é um fornecedor crítico de gás néon, produtos agrícolas e minérios metálicos.


SEGURANÇA ENERGÉTICA

  • Os mercados de energia já eram insuficientes antes de começar a guerra, dada a recuperação económica.
  • A guerra na Ucrânia causou mais picos de preços do petróleo e do gás: o preço do petróleo bruto brent pode atingir o pico de 115 dólares por barril em 2022.
  • Os fornecedores estão a encerrar algumas operações porque os custos energéticos são demasiado elevados, criando outra onda de choques no fornecimento de inputs.


UM MERCADO DE TALENTO LIMITADO

  • A escassez de mão-de-obra e de competências afectou a maioria dos sectores.
  • A guerra criou mais tensão em áreas de competências específicas, como o transporte.
  • 14,5% da mão-de-obra global do sector marítimo provém da Rússia e da Ucrânia.


QUEBRAS LOGÍSTICAS

Os portos, as embarcações e os contentores são fundamentais para o comércio. Cerca de 90% dos bens comercializados são transportados por via marítima.

A pandemia perturbou as redes logísticas, e a guerra está a agravar tudo. Resultado?

  • Mais dificuldades nos preços e na disponibilidade do transporte marítimo;
  • Maior congestionamento portuário;
  • Rotas de tráfego aéreo e tempos de trânsito mais longos;
  • Atrasos no transporte rodoviário e ferroviário.


FALTA DE FORNECIMENTO DE MATERIAIS

As empresas estão cada vez mais preocupadas com a falta de inputs intermédios e de componentes críticos.

O fornecimento destes está concentrado: mais de metade (52%) da quota do valor de importação da União Europeia dos produtos mais dependentes do estrangeiro provém da China.

  • Naturalmente, a escassez da oferta tem efeitos de facturação em indústrias como a automóvel.
  • Na Alemanha, a produção automóvel nos primeiros quatro meses de 2022 diminuiu 32% face a 2019, como resultado da falta de inputs essenciais.


UM MERCADO DE TALENTOS LIMITADO

O mais complexo e duradouro disruptor da cadeia de abastecimento é o desafio do talento.

  • As competências de que o mundo precisa estão a mudar, juntamente com a demografia e as expectativas dos colaboradores. O efeito combinado destas mudanças monumentais veio para ficar.
  • Para enfrentar os mercados de trabalho limitados, os empregadores terão de continuar a considerar aumentar os salários e melhorar as condições de trabalho à medida que tentam atrair e reter trabalhadores.


SEGURANÇA ENERGÉTICA

A segurança energética é difícil de proteger, uma vez que tanto as economias mundiais como europeias continuam a depender fortemente do petróleo e do gás.

Juntos, o petróleo e o gás constituem quase 50% do fornecimento total de energia em 2022.

Como podemos reduzir a dependência? Aumentar a eficiência das indústrias e dos edifícios, e mudar para electricidade verde e combustíveis com baixo teor de carbono para os transportes. Algumas comparações:

  • Uma combinação de 20 milhões de veículos eléctricos e 200 mil camiões que utilizam gasóleo renovável pode substituir o equivalente a mais de 150 milhões de barris de petróleo.
  • A mudança de 15% da aviação europeia para combustíveis de aviação sustentáveis (SAF) pode reduzir a procura de petróleo de forma semelhante ao impacto de cerca de 10 milhões de veículos eléctricos no transporte rodoviário.


2 .RISCO

Valor em jogo e recuperação estimada


O IMPACTO DA GUERRA

As forças primárias do mercado, como o crescimento económico, a inflação e o sentimento dos consumidores, já afectados pelos efeitos da pandemia, serão ainda mais influenciados pela evolução da guerra. Como resultado, considerámos uma série de cenários possíveis que podem revelar- se, com diferentes níveis de impacto económico. Infelizmente, o cenário de impacto controlado já decorreu. O impacto contínuo é a baseline actual.


TRÊS CENÁRIOS POSSÍVEIS

1. Impacto controlado

  • As sanções não aumentam e podem mesmo diminuir como parte de uma trégua negociada, aliviando as disrupções no abastecimento.
  • Os preços das commodities regressam aos níveis anteriores à guerra.
  • A confiança dos consumidores e das empresas aumenta; as empresas e as pessoas regressam aos planos de investimento e às despesas do período pré-guerra.

2. Impacto contínuo

  • A disrupção do fornecimento de bens essenciais continua até 2022. Alguns países continuam a enfrentar embargos ao petróleo e ao gás.
  • As disrupções no fornecimento de bens essenciais causam aumentos de preços a curto prazo.
  • Os consumidores cortam em alguns bens não essenciais e as empresas concentram-se na melhoria da eficiência operacional.

3. Impacto prolongado

  • Um vasto embargo ao petróleo e ao gás russo leva a uma disrupção estrutural significativa no abastecimento.
  • Os preços dos bens permanecem elevados e voláteis até 2023.
  • Os aumentos sustentados dos preços reduzem o poder de compra dos consumidores, contribuindo assim para um declínio notável da confiança dos mesmos e das empresas, e para um abrandamento do crescimento.


FORÇA DE MERCADO: CRESCIMENTO ECONÓMICO

A opinião actual entre os especialistas em economia é de que a guerra irá conduzir a uma desaceleração material do crescimento.

No cenário actual, a Oxford Economics prevê que a Zona Euro evitará a recessão, mas o produto interno bruto (PIB) da Zona Euro será 1,1 pontos percentuais mais baixo em 2022, em relação às previsões anteriores à guerra feitas em Janeiro de 3,9%.


FORÇA DE MERCADO: INFLAÇÃO

A pressão inflacionista pode levar a uma potencial pressão ascendente sobre a inflação salarial em alguns países e indústrias.

No cenário actual, a Oxford Economics prevê que a inflação suba 5,9 pontos percentuais em 2022 e 1,2 pontos percentuais em 2023.


OS IMPACTOS DA INFLAÇÃO DIFEREM CONSOANTE O SECTOR

Os sectores com maior exposição à inflação são aqueles em que os inputs materiais, a energia e a mão-de-obra representam uma grande parte da estrutura global de custos.

Vejamos a indústria química, onde os custos de material estão principalmente ligados ao custo do petróleo. Do mesmo modo, os sectores de high-tech e industrial (excluindo logística/carga) dependem de inputs materiais de grande intensidade energética.

A questão fundamental: É possível repercutir o aumento dos custos nos clientes?


A CADEIA DE ABASTECIMENTO É A ESPINHA DORSAL DA ECONOMIA EUROPEIA

Até 30% do valor acrescentado europeu total depende do funcionamento de cadeias de abastecimento transfronteiriças, quer como fonte de inputs, quer como destino para a produção.

Vemos uma exposição particular a choques na cadeia de abastecimento nas indústrias transformadoras, e ainda mais em sectores como o de high-tech (por exemplo, 80% do valor acrescentado final provém de inputs de origem transfronteiriça, enquanto 75% da procura de produtos finais provém de mercados não domésticos), automóvel e aeroespacial.


O VALOR EM CAUSA

Um cenário prolongado pode custar até 920 mil milhões de euros de PIB perdido para as economias da Zona Euro como resultado de choques no abastecimento.


TEMPO DE RECUPERAÇÃO POR CENÁRIO

As disrupções na cadeia de abastecimento podem levar até 24 meses para atenuar num cenário prolongado, contra aproximadamente 12 meses no cenário de impacto actual.

A escassez de mão-de-obra e de competências continuará a ser uma questão estrutural de longo prazo para as economias europeias em todos os cenários.

Dito isto, estas carências de mão-de-obra serão bastante menos acentuadas nos próximos 18 meses no cenário de “impacto prolongado”, dadas as perspectivas mais fracas da actividade económica.


3. REINVENÇÃO

Como reinventar as cadeias de abastecimento para uma nova era de perpétua incerteza


A REINVENÇÃO DAS CADEIAS DE ABASTECIMENTO

A Europa está à beira de uma nova era: um novo sistema energético, novos ciclos económicos e uma nova ordem geopolítica. A década que se avizinha anuncia um repensar fundamental das cadeias de abastecimento para a competitividade.


UMA MUDANÇA DE PARADIGMA

De: Optimização de custos

  • Energia, material, transporte como commodity – a disponibilidade é mais importante do que a fonte.
  • Redes globais que dão prioridade à eficiência.
  • A sustentabilidade é uma consideração a posteriori. Produtos e processos concebidos com uma mentalidade linear – a responsabilidade termina quando o produto é adquirido.

Para: Optimização para valor e resiliência

  • Reformular as redes que se concentram na segurança do fornecimento e serviços, dando prioridade à diversificação do abastecimento.
  • As cadeias de abastecimento dão prioridade à crescente relevância para os clientes, com uma definição holística de valor, proximidade dos mercados/clientes.
  • A sustentabilidade como um factor essencial incorporado desde a sua concepção – as cadeias de abastecimento tornam-se circulares.


REMODELAR PARA A NOVA ERA

Para enfrentar um futuro incerto e construir valor a longo prazo, as empresas europeias precisam de remodelar as suas cadeias de abastecimento em torno de três ideias-chave: resiliência, relevância e sustentabilidade.


1. Resiliência

As cadeias de abastecimento modernas devem minimizar o risco diário, mas também absorver, adaptar-se e recuperar da catástrofe sempre e onde quer que ela ocorra. As organizações podem gerir pró-activamente o risco e aumentar a resiliência construindo cadeias de abastecimento inteligentes e resilientes que sejam sensíveis ao risco, seguras, transparentes, adaptáveis, rápidas e, até mesmo, optimizadas.

A resiliência é reforçada por uma combinação de visibilidade, processos ágeis e redes robustas que também oferecem benefícios adicionais a médio e longo prazo, tais como alcançar objectivos de sustentabilidade e cumprir as regras da cadeia de abastecimento.


– Como lá chegar:

  • Abordar o risco operacional: Responder a mudanças súbitas na cadeia de abastecimento com melhor visibilidade dinâmica, identificação de riscos e soluções de mitigação.
  • Abordar o risco táctico: Adaptar-se à evolução da oferta e da procura com planeamento de cenários e análise de risco/oportunidade como parte do planeamento de vendas e operações.
  • Abordar o risco estratégico: Gerir a incerteza através do aumento da flexibilidade e capacidade através de modelação e simulação da rede, testes de stress, dimensionamento de buffers estratégicos e opções de “multi-sourcing”.


– Benefícios:

  • Detecção precoce de desafios logísticos, picos de procura e escassez de material.
  • Visibilidade dinâmica da cadeia de abastecimento para responder a disrupções à medida que estas vão ocorrendo, bem como para ajudar a alcançar objectivos de sustentabilidade e compliance regulamentar.
  • Potencial para compensar custos de investimento, uma vez que as mesmas tecnologias utilizadas para construir uma cadeia de abastecimento inteligente podem proporcionar benefícios a médio e longo prazo na sustentabilidade e compliance.


2. Relevância

As necessidades dos clientes estão a acelerar e a mudar – especialmente em termos de valor, escolha e conveniência. A relevância exige que as empresas estejam presentes nos “momentos importantes” dos seus clientes, dando sempre prioridade à experiência do cliente.

Uma cadeia de abastecimento relevante é inteligente e ágil, capaz de antecipar, assim como de se adaptar à mudança das condições do negócio e permanecer aplicável às expectativas dos seus clientes, às exigências dos stakeholders e ao potencial do ecossistema, com dados, análises e automatização na sua base.


– Como lá chegar:

Aprender com o futuro:

  • Obter novos conjuntos de dados que provêm directamente da interacção do cliente, incluindo dados em tempo real, de dentro e de fora da organização e na cadeia de valor.
  • Processar dados usando automatização e inteligência artificial (IA) para identificar rapidamente novos padrões de dados e informar a tomada de decisões.

Reinventar a organização:

  • Mudar para uma estrutura organizacional mais plana e rápida onde o centro corporativo e os líderes de topo se concentram na tomada conjunta de decisões transversais.
  • Definir em conjunto o objectivo organizacional, delinear estratégias e alocar capital para iniciativas fundamentais.
  • Trabalhar de trás para a frente a partir do cliente – incorporar capacidades nos processos empresariais que beneficiam directamente a experiência do cliente.

Incorporar a inteligência na empresa:

  • Transição para processos, produtos e plataformas inteligentes.
  • Aplicar uma abordagem “cloud-first” como princípio fundamental da transformação da sua cadeia de abastecimento.
  • Utilizar ferramentas como a gestão de custos zero-based para superar os efeitos contínuos da inflação.


– Benefícios:

  • Atenua os desafios da cadeia de fornecimento de materiais, logística e mão-de-obra.
  • Permite gerir níveis e custos de serviço, ao mesmo tempo que proporciona uma infra-estrutura e um modelo de governance para desencadear a inovação e o crescimento.


3. Sustentabilidade

Cada negócio deve agora ser um negócio sustentável. As empresas devem procurar um melhor desempenho ambiental, social e de governance, transformando as suas operações em circulares, net-zero e de confiança.

A cadeia de abastecimento sustentável tem em conta as necessidades actuais e futuras de todos os stakeholders, incluindo líderes empresariais, colaboradores, clientes, investidores, parceiros do ecossistema e sociedade em geral.


– Como lá chegar:

  • Atingir o net-zero e mais além: Encontrar formas de levar a sua cadeia de valor a um impacto ambiental e social zero. A partir daí, procurar formas de se tornar net positive. Uma compreensão profunda do impacto das suas operações internas e dos seus parceiros e fornecedores é vital.
  • Investir em modelos de negócios circulares: Passar de processos lineares para processos circulares de closed-loop que minimizam o desperdício. Reciclagem, reutilização e reuso devem substituir um mindset de “utilização única”.
  • Encontrar formas criativas de alimentar o talento: A remodelação para a sustentabilidade exige que se repensem as competências da força de trabalho. Avançar para equipas mais capacitadas e multidisciplinares significa que as pessoas podem precisar de assumir papéis mais complexos.
  • Construir confiança através da transparência: Utilizar sistemas multipartidários como o blockchain para acrescentar transparência à sua cadeia de valor e melhorar a confiança entre os stakeholders.


– Benefícios:

  • Ajuda a garantir um mundo habitável e a disponibilida de de recursos para as gerações futuras.
  • Reduz as desigualdades socioeconómicas globais e desbloqueia o poder de todos os colaboradores.


A DÉCADA PARA CONCRETIZAR: Encontrar formas de crescer entre a incerteza é o novo desafio da liderança

Para os líderes e as suas organizações, não há regresso ao conforto e segurança relativos do passado pouco distante. A guerra na Ucrânia, em conjunto com os efeitos da pandemia, tornou claro que muitas das certezas confortáveis em que os líderes empresariais há muito se baseiam já não existem.

O sucesso pode, em última análise, depender da forma como os líderes se adaptam às exigências deste novo ambiente de testes. Mais do que nunca, a sua determinação será fundamental.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 195 de Junho de 2022

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