Accenture Digital Business: Fjord Trends 2018
Um olhar sobre o futuro dos negócios, da tecnologia e do design.
Ao longo do último ano, vimos um efeito de polarização a infiltrar-se em muitas áreas. Digital versus físico, humanos versus máquinas, centralizar versus descentralizar, velocidade versus ofício, automatização versus controlo, rastreabilidade versus anonimato. Tudo explicado no Fjord Trends 2018, um relatório anual da Fjord, consultora de design e inovação criada em 2001, quem integra o universo Accenture desde há cinco anos.
Discordar não é novo, assim como as mudanças de paradigma na sociedade e, todos os anos, todas as equipas de design da Fjord reúnem-se para analisar estas mudanças e compreender quais os cenários que vão moldar o mundo digital. Cada uma das tendências nasce de uma tensão, quer seja uma mudança, um desacordo ou uma colisão. Em 2018, ser espectador não chega. Temos a oportunidade de conceber o mundo para as próximas décadas.
Tendência 1
O FÍSICO DÁ LUTA
O digital já não é o centro da brand experience. A ênfase está a passar para a melhor forma de o usar como facilitador de experiências físicas e sensoriais. À medida que as interacções com os utilizadores passam de um envolvimento periódico através de um ecrã para experiências consistentes e interligadas, as organizações devem criar serviços que estejam integrados no mundo físico.
O que se passa?
Nos últimos cinco anos, a forma como concebemos serviços tem sido ditada por pontos de toque disponíveis – computador,
aparelhos móveis e analógicos. Foi dada ênfase à criação de experiências através de ecrãs digitais e, como resultado, as pessoas passam mais tempo a interagir por aparelhos do que pessoalmente. Isso está a mudar estimulada por custos mais baixos, pela desagregação dos principais componentes tecnológicos e a ansiedade crescente dos utilizadores em relação ao seu “vício em ecrãs”.
Até recentemente, podíamos encontrar altifalantes/microfones, câmaras, ecrãs e sensores nos computadores e smartphones. Agora, estão a ser desmantelados. E, à medida que a desagregação da tecnologia central acelera, cada componente individual está a esbater-se. Isto está a libertar as organizações para se afastarem das interacções através de ecrãs digitais e para se voltarem a focar nas experiências humanas – esta mudança irá ter um enorme impacto na forma como estas experiências são concebidas. O design de serviços tem um papel central. A desagregação dos componentes tecnológicos dá aos designers de serviços muitas vias para explorarem à medida que criam a próxima geração de serviços digitais.
Sem as restrições dos pontos de toque rígidos, as experiências sensoriais e humanas são fundamentais, com o digital a ter um papel poderoso. Estamos agora a viver num mundo onde a tecnologia está em todo o lado, apoiada pela cloud.
Existimos num nevoeiro que torna o digital invisível, e isso desvanece as fronteiras entre o digital e o físico. A partir de uma base instalada de 15,4 mil milhões de aparelhos ligados em 2015, o mercado da Internet das Coisas deve crescer para 30,7 mil milhões em 2020 e chegar aos 75,4 mil milhões em 2025.
As pessoas estão a afastar-se das tecnologias digitais intrusivas e a reagir à saturação. Estão receptivas a uma abordagem mais pessoal para os serviços e produtos e a passar para serviços como o Airbnb que oferece experiências físicas, humanas e sensoriais que criam memórias.
As tecnologias, os pagamentos móveis e a procura de conveniência posicionaram a China como líder naquilo que tem sido descrito como a revolução online-to-offline (o2o). O o2o é onde os clientes são identificados no espaço online e depois são atraídos através de diversas ferramentas para fazerem as transacções num ambiente offline.
Na região Ásia-Pacífico, 88% dos retalhistas tencionam implementar os sistemas de clicar e recolher, segundo um estudo recente. A Alibaba, por exemplo, investiu mil milhões de euros no Ele.Me, serviço de entrega de comida de Xangai.
Numa outra jogada, a Alibaba revelou o seu Tao Café e um altifalante inteligente – o Tmall Genie – para revolucionar o retalho offline. Ao fazerem o scan a um código QR na aplicação Taobao na entrada da loja, os clientes são seguidos por câmaras com reconhecimento facial. Após passarem pela saída, fazem automaticamente uma compra através dos smartphones sem precisarem de fazerem o scan de tudo numa caixa registadora, e podem deixar a loja com os itens na mão.
Noutros locais, um número crescente de marcas maioritariamente digitais está a dar mais ênfase ao físico ao mesmo tempo que tira o máximo partido dos seus conhecimentos e dados digitais para melhorar a satisfação dos utilizadores.
A Amazon, por exemplo, mudou o seu foco para o elemento experimental das compras através do Amazon Go, com a aquisição da cadeia de supermercados Whole Foods e com a sua parceria com a Kohl’s.
Desde 2015 que a Amazon abriu 11 livrarias, 40 lojas Amazon pop-up nos EUA, cacifos de recolha em milhares de lojas e “camiões tesouro” que vendem certos artigos com desconto em seis cidades norte-americanas. Ao mesmo tempo, celebrou a velocidade a que está a levar os novos serviços Amazon Echo para todo o mercado.
O que se segue?
À medida que a tecnologia se torna mais acessível, dispersa-se no mundo físico. As pessoas têm acesso a um número crescente de experiências personalizadas e esperam que muitos dos benefícios que sentem continuem a evoluir conforme passam de um ambiente físico para outro.
Já vimos as interfaces activadas por voz a mudarem a ênfase para uma experiência física livre de ecrãs e para longe das interacções com aparelhos digitais como um fim em si. E já vimos as interfaces a desenvolverem-se de outras formas, como o uso emergente de feedback táctil.
A Audi, por exemplo, integrou feedback háptico e reconhecimento de gestos nos seus veículos para simplificar e minimizar as distrações do utilizador enquanto conduz. O sistema ultra-háptico leva os limites ainda mais além. No que toca às cidades, veremos em breve o mapeamento do físico e do digital. Em Hangzhou, China, a Alibaba tem usado a inteligência artificial para processar vídeos, redes sociais, tráfego e outros dados para o seu projecto City Brain, e os bloqueios foram reduzidos. Alegadamente, estão a preparar o sistema para ser usado noutros locais. Para rentabilizar este tipo de pensamento, as organizações devem desenvolver novas competências. Reintroduzir uma dimensão física aos serviços oferece a oportunidade de criar diferenciação com escala.
O futuro do design de serviços estará centrado na mistura do físico com o digital. Serão exigidas competências particulares, por isso veremos designers de design físico e digital a trabalhar em conjunto, com objectivos partilhados. A Local Motors, por exemplo, está a conseguir organizar-se com sucesso à volta do conceito: «Estamos focados na produção, em volumes baixos, de designs de veículos em open-source, usando várias microfábricas e plataformas de co-criação SaaS.»
Ao ver a forma como as coisas se estão a desenvolver, a Accenture adquiriu a empresa de design e inovação Matter, o ano passado, que se concentra na criação de produtos e experiências para um mundo interligado, acrescentando um design de produto físico ao de serviço e a capacidade de criação de produtos digitais da Fjord.
As organizações também terão de fazer uma pergunta: à medida que o digital se torna mais ubíquo e invisível, que estrutura e papel deverão ter os departamentos de digital ou os directores do digital?
Tendência 2
OS COMPUTADORES TÊM OLHOS
Os computadores conseguem ler e reagir a palavras há uns anos. Agora, conseguem fazê-lo com imagens, com a ajuda
de progressos na inteligência artificial e aprendizagem das máquinas, juntamente com o facto de termos câmaras numa panóplia de aparelhos. As organizações podem beneficiar ao envolverem-se com esta nova fonte de dados de forma a criarem serviços digitais que acrescentam valor.
O que se passa?
A câmara está a passar pela sua maior transformação desde que Louis Daguerre revelou publicamente o primeiro processo fotográfico prático – o daguerreótipo – em 1839.
Nos quase 200 anos que passaram desde então, o enfoque tem estado na captação de imagens à medida que o aparelho em si passou por várias formas e feitios. Como resultado, as câmaras digitais inteligentes estão a reunir dados que podem ser processados através de algoritmos de aprendizagem das máquinas para fornecer informações mais sofisticadas. Isto foi causado por duas grandes mudanças.
Primeiro, as câmaras tornaram-se mais inteligentes – tanto no que conseguem apanhar (os seus olhos) como no que conseguem fazer com o que apanham (o seu cérebro). Com olhos mais atentos e cérebros mais inteligentes, estão a tornar-se mais humanos.
No passado, os computadores estavam limitados por aquilo que um humano via e processava, que depois era traduzido para palavras para que um computador entendesse.
Hoje, as câmaras digitais inteligentes conseguem usar a “visão de computador” para captarem dados, analisarem-nos e reagirem sem precisarem de contribuições em texto.
Exemplos do desenvolvimento tecnológico nos olhos das câmaras estão a aparecer: a Google lançou o Clips – câmara digital sem ecrã que tira fotografias por nós, usando a aprendizagem das máquinas para reconhecer e conhecer rostos e para procurar momentos interessantes a registar.
O mais recente iPhone X da Apple e o P20 da Huawei têm a capacidade de se desbloquear usando reconhecimento facial.
Na China, a Alibaba está à frente de uma tecnologia de reconhecimento facial com 10 mil localizações para recolha de itens em Xangai, a fim de permitir aos utilizadores que desbloqueiem cacifos de entrega. Entretanto, a Face++, startup chinesa de reconhecimento facial, desenvolveu um sistema de detecção de rostos que agora é usado em várias aplicações, incluindo uma para transferir dinheiro pelo Alipay (aplicação de pagamentos móveis usada por mais de 120 milhões de pessoas), que analisa a face do utilizador como única credencial de segurança.
No entretenimento, o departamento de pesquisa da Disney está a fazer experiências com reconhecimento facial para avaliar como o público responde a um filme. A visão computorizada é um grande passo em frente. E à medida que os computadores se tornam capazes de compreender o que vêem, conseguem encontrar padrões em dados que são invisíveis para os humanos. Os automóveis estão a usar câmaras inteligentes para avaliarem o seu ambiente, processarem dados e reagirem adequadamente – como um condutor. A Bosch criou a Automated Mobility Academy, que se concentra a ensinar os veículos a conduzir. Usando sensores, hardware e software, as Mobility Solutions da Bosch oferecem uma mobilidade interligada que permite que os automóveis autónomos se tornem uma realidade.
O “cérebro” ligado a estes olhos está a tornar-se mais poderoso graças à inteligência artificial e à aprendizagem das máquinas. Já não precisamos de importar manualmente informações para ajudar um computador a interpretar uma imagem – um número crescente de aparelhos pode ler as nossas emoções e responder em tempo real.
No início de 2017, a Amazon acrescentou uma câmara ao seu Echo Look, que fez com que pudesse ver e ouvir tudo. Pode-se usar o aparelho sem precisar das mãos para a selfie e vê-la no smartphone para verificar como está antes de sair. Entretanto, em Singapura, o Sushi Express trabalhou com a Hewlett Packard Enterprises para instalar câmaras que analisam a popularidade de pratos numa esteira de sushi, verificam os que estão quentes e aconselham os chefs a colocar pratos frescos, reduzindo o desperdício dos menos populares.
A segunda mudança é que os olhos agora estão presentes em todo o tipo de objectos – de carteiras inteligentes para apanhar ladrões a lentes de contacto inteligentes – graças à acessibilidade relativa da tecnologia das câmaras.
Para a maior parte das pessoas, as nossas câmaras e telefones encontram-se no mesmo aparelho – e assim que a câmara começa a ver, pode fazer muito mais do que tirar uma fotografia. Por exemplo, com o serviço de tradução da Google, os viajantes podem utilizar os seus telemóveis para traduzir, ao apontarem-nos para um texto.
A junção destas mudanças leva a um nível mais aprofundado de sofisticação e automatização dos nossos produtos e serviços. Eric Raymond, programador de software, afirmou que «um computador nunca deve ter de pedir ao utilizador qualquer informação que pode detectar, copiar ou deduzir sozinho». Já existem exemplos da forma como a visão dos computadores está a elevar os serviços digitais a um outro nível – e a fazer cada vez menos perguntas directas ao utilizador.
O que se segue?
A captação de imagens ligada à inteligência artificial e à aprendizagem das máquinas dará origem a dados que contêm informações mais relevantes do que nunca, e os designers terão de descobrir a melhor forma de a desbloquear e utilizar para criarem produtos e serviços novos e estimulantes. É esta a grande oportunidade e o grande desafio. Vemos já uma série de novas aplicações para a visão dos computadores. Por exemplo, o Nanit é um monitor para bebés que observa uma criança a dormir através de uma câmara, depois processa os dados, oferecendo informações sobre padrões emergentes que têm impacto na qualidade do sono.
A Microsoft lançou recentemente a aplicação Seeing AI para ajudar os cegos e deficientes visuais a obterem uma narrativa mais completa do mundo à sua volta usando computadores como olhos. A aplicação narra o mundo à volta de uma pessoa, explicando o que está à sua frente e reconhecendo o rosto das pessoas com quem estão. Esta nova vaga de visão de computadores irá exigir que os computadores ajam mais como humanos. É fácil para um computador processar informações, mas, este ano, veremos os computadores a fazê-lo ao mesmo tempo que reagem ao ambiente circundante – usando capacidades cognitivas e linguísticas para o fazer como uma pessoa.
Contribuições de qualidade dão origem a resultados de qualidade, e resultados de qualidade criam informações e conclusões melhores. Isto irá oferecer oportunidades significativas para as organizações desenvolverem uma nova geração de serviços.
Será importante considerar as micro e macro implicações. Por exemplo, o que pode uma câmara incutida num espelho de casa de banho detectar sobre a saúde da pessoa que a usa de manhã, e que serviços pode isso inspirar? Que serviços podem ser desenvolvidos a partir de conclusões obtidas com 10 mil câmaras dessas? O verdadeiro potencial da visão dos computadores depende de os humanos reconhecerem e confiarem na ideia de que as câmaras e os computadores estão a tornar-se mais inteligentes e mais integrados na vida diária. Esta tecnologia é inovadora, mas nada disto importa se os humanos não a permitirem nos seus espaços físicos e vidas diárias.
A segurança e a privacidade serão questões importantes para os utilizadores de forma a criar confiança e aceitação. Os consumidores serão livres de escolherem se querem ou não convidar câmaras inteligentes a entrar nos seus lares e nas suas vidas. Os designers devem descobrir não só como as tornar seguras e confortáveis, mas também como tornar a experiência relevante.
Estudo publicado na Revista Executive Digest n.º 146 de Maio de 2018.