Accenture Digital Business: A economia da transparência e da ética

É difícil definir o que é autêntico num mundo digital em que é quase impossível identificar a origem das informações e quem as pode mudar. Pior ainda, a queda da confiança em instituições importantes aumentou o problema.

Este ano, os designers terão muito trabalho com recursos a blockchain – uma possível solução para esta crise de confiança – mas terão de ajudar as pessoas a compreendê-la e a acreditar nela. As organizações terão de mudar o foco de “pontos de contacto” para “pontos de confiança” ao definirem a diferenciação de mercado.

O que se passa?

A confiança das pessoas em instituições importantes – negócios, estado, media e ONG – está a cair, e a sua crença de que “o sistema” trabalha para elas está em queda livre. Esta crise, estimulada pela globalização, pela velocidade da disrupção inovadora e pela degradação dos valores sociais, está num momento decisivo.

A tecnologia deu-nos experiências personalizadas e controlo e autonomia sem precedentes para satisfazermos as nossas necessidades imediatas, mas também aumentou os nossos medos e fez-nos sentir mais vulneráveis. Com tantos indivíduos inseguros ou alheios à forma como os seus dados são recolhidos, usados, partilhados e protegidos, a segurança dos dados, a privacidade e a falta de transparência tornaram-se grandes preocupações.

A confiança pode ser recuperada se as organizações se envolverem activamente no problema. Uma opção é usar a tecnologia blockchain. Ao criar-se serviços baseados nesta tecnologia, os consumidores não terão de confiar tanto nas organizações, desde que confiem na blockchain. Esta mudança tem potencial para reinventar o nosso modelo conceptual de confiança.

A blockchain é uma base de dados partilhada, descentralizada e segura que faz com que qualquer sistema ou aparelho ligado a uma rede – por exemplo, um servidor, um computador ou uma impressora – esteja ligado a ele. Cada entrada nessa base de dados é um bloco. Nenhuma entrada pode ser alterada retrospectivamente e, ao contrário de uma base de dados convencional, a cadeia de blocos está interligada sem que uma organização seja responsável pela sua gestão e supervisão.

Por exemplo, a blockchain para os registos médicos de um paciente envolveria uma série de registos – cada um com a data e a hora da sua criação. Apenas o médico, que possui uma chave privada, e o paciente, que tem outra, podem aceder às informações. Essas informações são partilhadas somente quando o médico e o paciente partilham a sua chave privada com terceiros – como um h

Uma blockchain pode servir como base de dados aberta e partilhada, mas segura que regista as transacções entre terceiros de forma eficiente, verificável e permanente – cada vez mais empresas estão a começar a aproveitar estes pontos fortes. Na verdade, o volume de investimento em startups de blockchain deve ter ultrapassado os 2,5 mil milhões de euros no final de 2017. O uso mais conhecido da tecnologia blockchain é o bitcoin – a “criptomoeda” digital que é transacionada sem necessidade de intermediários (bancos), sem taxas de transação e sem necessidade de dar o nome real.

O preço do bitcoin, agora uma de várias divisas digitais, viu o seu valor subir 900% entre Janeiro e Novembro de 2017.

Outros sectores – e governos – estão também a recorrer à tecnologia blockchain, explorando-a, por exemplo, como possibilidade de trocar energia peer-to-peer. Permite que os lares que consumem e produzem energia a comprem e vendam directamente, com mais autonomia e segurança.

A blockchain permitir-nos-á apresentar uma plataforma aberta para partilhar dados entre partes – incluindo fabricantes automóveis, proprietários, passageiros, fornecedores de infra-estruturas e seguradoras – que será necessária se queremos tornar a condução autónoma viável. Por isso mesmo, a Jaguar Land Rover anunciou recentemente estar a apoiar a startup britânica DOVU, que usa blockchain para desenvolver um mercado global de transporte de dados.

No sector público, Microsoft, Accenture, Fjord, empresa que pertence ao universo da Accenture Digital, e Avanade trabalharam recentemente com a ID2020 para desenvolverem um sistema global de identificação baseado na blockchain que será usado por 1,1 mil milhões de pessoas em situações problemáticas sem identificação – como os refugiados – para criar uma identidade legal e permanente.

O Dubai está empenhado em tornar-se uma economia de blockchain até 2020, com o objectivo de concretizar a maioria dos negócios dos Emirados Árabes Unidos usando esta tecnologia. Entretanto, a Suécia está a adoptar “contratos inteligentes” estimulados pela blockchain para um sistema de registo de terrenos. São contratos programáveis que se executam automaticamente quando se reúnem determinadas condições, o que agiliza um processo antiquado e penoso.

Os contratos que se executam representam um poderoso exemplo de um Living Service – uma nova geração de serviços que têm noção do contexto e são indispensáveis, feitos para transformar e melhorar a forma como vivemos, aproveitando uma combinação de tecnologias para oferecer uma nova camada de inteligência interligada.

O que se segue?

As organizações devem agora agir para compreenderem e aproveitarem o potencial da blockchain, de forma a oferecerem transparência, e o papel que este pode ter para refazer a confiança – entre organização e cliente e entre organização e colaborador – já que ficar parado pode aumentar a distância entre estas partes e, na pior das hipóteses, ser incapaz de fazer uma ligação e comprometer a credibilidade.

Como a blockchain permite que tudo seja monitorizado até à sua origem, com todas as alterações visíveis pelo caminho, está agora a ser explorada qual a melhor forma de lidar com questões como a integridade das eleições e os votos pirateados.

Plataformas como o Follow- MyVote – uma venture de blockchain que permite uma votação segura e anónima, controlada em tempo real – estão a desenvolver isto nos Estados Unidos da América. No sul da Ásia, esta tecnologia está a ser vista como forte oportunidade numa região onde a confiança nas instituições financeiras era já baixa – mesmo antes da crise financeira de 2008.

Em colaboração com a Thales, a Accenture lançou recentemente um conceito baseado na blockchain que ajuda a defender e a reforçar os padrões da cadeia de abastecimento.

A consultora britânica The Marketing Group lançou recentemente a Truth – a primeira agência global de media com uma mesa de operações baseada em blockchain para ajudar a criar uma cadeia de abastecimento nos media com 100% transparência.

Conceber serviços e produtos com a confiança como sua principal característica criará novas oportunidades – mas também novos desafios. Exigirá novas linguagens e técnicas, e dependerá do facto de as pessoas compreenderem o que é a blockchain, aceitando a sua utilização e confiando nela. De outra forma, o potencial desta tecnologia para inverter a crise na confiança não será concretizável.

As organizações terão de se preparar para uma mudança inevitável dos “pontos de contacto” para os “pontos de confiança” à medida que a qualidade da confiança, e não a qualidade da interacção, oferece uma vantagem competitiva. Devem também explorar a melhor forma de criar confiança com uma transparência radical. E a toda a hora, o seu enfoque deve estar fixo na resposta humana à transparência, sem ficar preso na tecnologia que o pode oferecer.

Espera-se que venham a acontecer algumas utilizações novas e inovadoras da tecnologia blockchain, como é o caso do Alice.si – um serviço britânico que usa blockchain para oferecer a quem doa para a caridade, a opção de monitorizar os seus donativos mantendo os fundos seguros e libertando-os apenas quando são atingidos os objectivos de uma determinada instituição.

Espera-se também que mais organizações de topo invistam em blockchain depois da recente aquisição da start-up Mediachain por parte da Spotify. A Spotify precisa de se certificar de que paga às pessoas certas por cada faixa que passa no seu serviço. Esta tarefa torna-se cada vez mais difícil à medida que o número de utilizadores aumenta, mas é também complicada porque muitas das milhares de milhões de faixas que passam diariamente no Spotify não têm os metadados adequados para assegurar que os direitos dos compositores, dos artistas ou proprietários de direitos são cumpridos. Isto significa que pode haver royalties por registar ou em falta. A aquisição da Mediachain foi levada a cabo para abordar essa necessidade.

Tendência – A ECONOMIA DA ÉTICA

As organizações começaram a tomar posições políticas em questões gerais e, no próximo ano, isto tornar-se-á mais comum – estimulado pelo aumento das expectativas de clientes e colaboradores. Nenhuma organização poderá dar um passo atrás e afirmar ser neutra. Navegar neste território com sucesso implica começar por se preparar para que todas as acções (e inacções) sejam escrutinadas e usadas com diferenciadores para os clientes que têm de escolher entre duas opções.

O que se passa?

Tim Cook, CEO da Apple, explicou em Setembro de 2017 porque defendeu publicamente o casamento gay e se opôs às leis de liberdade religiosa, embora os líderes empresariais norte-americanos não tenham o hábito de revelar as suas opiniões políticas.

«As pessoas devem ter valores », afirmou. «As empresas nada mais são do que um conjunto de pessoas. Por isso, por acréscimo, todas as empresas devem ter valores. Como CEO, creio que uma das nossas responsabilidades é decidir quais os valores da empresa e liderar seguindo-os.»

Este sentimento traduz bem o novo ambiente em que as organizações se encontram e como se devem preparar para cumprir da melhor forma as expectativas de colaboradores e clientes no ano que se avizinha.

Até agora, bastava uma empresa ser reactiva. Queríamos que as marcas nos fizessem sentir como se estivéssemos a fazer boas escolhas, por isso a Patagonia, a Body Shop, a marca de calçado TOMS e outras ajudaram-nos a sentir- -nos responsáveis.

Recentemente, os clientes exigiram das marcas fazer o que está certo – apontando o dedo aos erros cometidos, por exemplo. A inacção é perigosa, como se viu pela reacção negativa à United Airlines quando não pediu desculpas rapidamente depois de maltratar um passageiro ao removê-lo de um avião.

As organizações responderam porque temeram perder negócio, e começaram a reconhecer que os clientes têm o poder de criar ou destruir marcas com as suas decisões e com as suas acções online. Vejamos o poder das hashtags. Nos últimos 12 meses, indivíduos e organizações foram afectados por consequências significativas das suas decisões éticas, tornadas públicas por prolíferas campanhas nas redes sociais.

O escrutínio público é o novo normal, e as redes sociais tornaram-se uma plataforma volátil e intimidadora onde as marcas podem responder a questões actuais. O estado de espírito do público pode mudar rapidamente – o mesmo acontecendo ao valor das acções na bolsa.

A aplicação financeira Triggers, que notifica os investidores de novos micro-eventos que possam ter impacto no valor das acções, é apenas um exemplo que mostra como as empresas podem ser profundamente afectadas por pequenas questões do dia-a-dia.

Enquanto ser reactivo era algo que antigamente bastava, clientes e colaboradores esperam agora que as marcas representem proactivamente as suas ideologias e que dêem vida aos seus ideais éticos em diversas questões e preocupações. Isto coincidiu com um declínio na confiança e na fé das pessoas para com os governos, o que criou uma oportunidade para as organizações se pronunciarem contra políticas controversas.

Actualmente, consumidores e colaboradores esperam fazer as suas vozes ouvirem-se nas grandes decisões. Mais importante, esperam que as organizações ouçam sem que lhes peçam para tal.

Um número cada vez maior de organizações está a satisfazer esta expectativa de diversas formas, incluindo longe de casa. Por exemplo, em resposta à devastação em Porto Rico pelo furacão Maria, a Tesla enviou baterias gigantes e painéis solares. Estas baterias podem armazenar energia solar que pode ser utilizada dia e noite e, como tal, permitiram aos trabalhadores a reconstrução das infra-estruturas – uma jogada que foi mais além do tipo de ajuda que estamos habituados a ver.

Cada vez mais empresas estão a tornar a sua ética clara numa série de questões ao colocá-las em manifestos distribuídos pelos colaboradores. Por exemplo, Mark Zuckerberg, co-fundador e CEO do Facebook, escreveu e distribuiu recentemente um resumo de seis mil palavras sobre o papel do Facebook em tudo, da promoção do envolvimento cívico ao combate às crises globais.

Na nossa tendência Consequências Acidentais de 2017, sublinhámos a necessidade que as organizações têm de enfrentarem os impactos inesperados dos seus produtos e serviços e de estratégias e acções de negócios. No espaço de apenas um ano, um novo paradigma tornou-se claro: as organizações já não podem dizer que são neutras ou que andam desinformadas. Devem ser pró-activas e identificar e compreender o seu posicionamento numa vasta gama de questões – antes de serem forçadas a manifestarem-se.

O que se segue?

Tomar uma posição em 2018 não será – nem poderá ser – uma questão de caridade, de responsabilidade social ou de minimização de danos. E as empresas não podem ser reactivas, agindo apenas quando surgem vozes discordantes.

Em vez disso, devem ser pró-activas e conseguir definir a sua posição numa ou mais questões que hoje preocupam os clientes e colaboradores.

As organizações inovadoras já se questionam, não só a si como às suas práticas de negócios, para compreenderem as suas acções (boas e más) e também para analisarem eventos que não lhes dizem respeito apenas a elas, de forma a tomarem decisões informadas sobre quando e como tomar uma posição.

Dois grandes exemplos da melhor forma de estar um passo à frente podem ser vistos no retalho. A loja britânica John Lewis decidiu recentemente retirar as etiquetas “menino” e “menina” do vestuário de criança – não por causa da pressão pública, mas simplesmente por acreditar que isto é uma boa atitude para a igualdade de género e a diversidade.

A IKEA comprometeu- -se a empregar refugiados em centros de produção na Jordânia como parte do seu plano a longo prazo para criar empregos para 200 mil pessoas desfavorecidas em todo o mundo através de programas de empreendedorismo.

No próximo ano, organizações e consultoras de design devem fazer algumas perguntas difíceis se quiserem ir ao encontro das expectativas de colaboradores e clientes. Como é que uma empresa consegue agradar a todos em tópicos que têm sido tabu ou que nunca foram discutidos a uma escala global? Até onde devem ir as empresas para responderem a injustiças diárias e questões sociais que acontecem em todo o mundo e como o podem fazer com os accionistas a escrutinarem todos os seus movimentos? Que tipo de mundo querem construir e com quem o querem construir?

As empresas devem considerar não só o impacto humano dos seus comportamentos e acções, como também a influência que gostariam de ter em questões mais importantes como o extremismo, a igualdade e o nacionalismo. Os designers devem ajudar a impulsionar a bússola moral e mecanismos que ajudem a tomar boas decisões. Espera- -se que marcas e empresas de design trabalhem em conjunto para resolverem problemas sistémicos mais profundos e criando redes mais largas para tal.

Fazer a diferença tornar-se-á, num muito curto prazo, um factor importante de diferenciação, e o potencial da ética enquanto métrica empresarial é já um tópico em alguns sectores. Podemos agora esperar novas métricas humanas além dos habituais KPI, e é possível que seja criado o cargo de chief ethics officer. Os problemas que as organizações terão de enfrentar envolverão vários stakeholders e serão por vezes profundos e complexos, exigindo que a maioria, se não todas, das organizações se tornem a concentrar para afinarem o seu propósito para lá do desempenho da empresa e os lucros. Só com uma restruturação serão capazes de colocar o valor e a ética no centro do negócio – uma jogada essencial.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 148 de Julho de 2018.

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