Justiça sob vigilância: Conselho da Europa critica lentidão nas reformas anticorrupção em Portugal e faz utimato

Entre 15 recomendações apresentadas em 2015, apenas cinco foram plenamente implementadas, mantendo o nível de cumprimento “globalmente insatisfatório”.

Pedro Gonçalves
Julho 30, 2025
10:24

O Conselho da Europa voltou a apontar falhas graves no combate à corrupção em Portugal, exigindo medidas concretas e imediatas. No seu quarto relatório intercalar, divulgado esta quarta-feira, o Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) critica o incumprimento da maioria das recomendações feitas ao país há quase uma década. Entre 15 recomendações apresentadas em 2015, apenas cinco foram plenamente implementadas, mantendo o nível de cumprimento “globalmente insatisfatório”.

Face à ausência de progressos significativos, o GRECO aplicou novamente o artigo 32.º do seu regulamento e instruiu o presidente do Comité Estatutário a enviar uma carta ao Representante Permanente de Portugal junto do Conselho da Europa, alertando para a urgência de “tomar medidas para alcançar progressos tangíveis o mais rapidamente possível”. O país terá agora até 31 de março de 2026 para apresentar novos desenvolvimentos.

Um dos pontos mais críticos do relatório diz respeito à atuação dos deputados. O GRECO lamenta que o lóbi continue sem qualquer regulamentação em Portugal e critica a falta de uma avaliação independente sobre a eficácia do sistema de prevenção de conflitos de interesses no Parlamento.

Apesar de reconhecer “alguns progressos” na criação de regras sobre aceitação de ofertas, hospitalidade e outros privilégios — cujas orientações estão agora disponíveis online —, o órgão europeu denuncia que as sanções previstas para infrações leves nas obrigações declarativas continuam inadequadas. Segundo o relatório, estas são praticamente inexistentes ou extremas: vão da ausência total de consequências à perda de mandato, sem existir um sistema de penalizações graduais como advertências formais ou coimas.

Por outro lado, o GRECO elogia a verificação regular do cumprimento dos prazos legislativos pela Conferência dos Presidentes das Comissões Parlamentares, bem como a operacionalização da Entidade para a Transparência. Esta entidade, responsável pela análise das declarações de rendimentos, património e interesses, já está em funcionamento e conta com uma plataforma eletrónica onde foram entregues mais de 2.100 declarações únicas até dezembro de 2024. Contudo, o organismo europeu insiste que é necessário dotar esta entidade de mais recursos técnicos e humanos e reforçar a sua articulação com outras instituições.

No campo judicial, o GRECO destaca alguns avanços, como a publicação online das decisões dos tribunais de primeira instância e a adoção do Código de Conduta dos Juízes dos Tribunais Judiciais, que passou a ser acompanhado por um novo Conselho de Ética.

No entanto, subsistem problemas graves. “Lamentavelmente, não se registaram quaisquer progressos no que diz respeito ao reforço da composição dos conselhos de justiça, a fim de salvaguardar a independência judicial, e o método de seleção dos juízes do Supremo Tribunal permanece inalterado”, sublinha o relatório. Esta estagnação continua a ser uma das principais críticas dirigidas a Portugal.

Na justiça administrativa e fiscal, o Conselho Superior anunciou a elaboração de novos regulamentos com critérios de integridade para avaliação e inspeção de juízes. Contudo, esses projetos ainda estão em consulta pública e não entraram em vigor. O GRECO considera essencial que esta componente ética se traduza em práticas efetivas.

Também o Ministério Público foi alvo de críticas, apesar de registar alguns avanços. O Código de Conduta dos Procuradores passou a integrar a formação inicial e contínua, e o Núcleo de Ética e Deontologia do Conselho Superior do Ministério Público encontra-se a preparar um sistema de aconselhamento confidencial.

Ainda assim, o GRECO alerta para a ausência de “disposições claras e critérios explícitos nas regras internas” no que toca à avaliação da conduta ética dos procuradores. Sem esse enquadramento, alerta o relatório, é impossível consolidar uma cultura institucional assente na integridade.

O Centro de Estudos Judiciários tem promovido ações de formação sobre integridade e ética, destinadas a juízes e procuradores. A mais recente contou com 139 participantes e uma nova sessão está prevista para maio de 2026. No entanto, o GRECO quer ver esta formação refletida na avaliação de desempenho, de forma sistemática, com critérios mensuráveis e orientações claras.

A conclusão do relatório é inequívoca: “Portugal deve intensificar substancialmente a sua resposta às recomendações do GRECO que se encontram pendentes”. Para garantir esse progresso, o organismo anticorrupção exige a entrega de um novo relatório até março do próximo ano, mantendo o país sob vigilância reforçada.

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