Randstad Insight: Como sobressair
À medida que os modelos de negócio evoluem e se intensifica a corrida por talento de topo, como podem os negócios aumentar o seu apelo para colaboradores existentes e futuros? Eis a pergunta fundamental que esta entrevista tenta abordar.
Um enfoque particular desta entrevista é as transformações laborais criadas pelas mudanças tecnológicas e organizacionais. Quais os factores mais importantes para criar uma ligação a novos tipos de talento e encorajar a força de trabalho existente a abraçar a mudança? As propostas de valor viradas para o emprego permanente continuam a ser válidas quando tantas pessoas com competências especializadas trabalham como independentes ou freelancers?
E há um desafio inerente: como criar e manter a noção de lealdade e pertença quando há tanta agitação nas organizações actuais?
A entrevista sublinha até que ponto estas novas realidades disruptivas estão a encorajar muitos negócios a desafiar pressupostos convencionais sobre o employer branding e a aquisição de talento. Que inovação vemos como resultado?
CARA-A-CARA COM FRANCESCA CAMPALANI
Se as empresas são como tribos e o employer branding é a noção de orgulho, propósito e pertença, como pode ser canalizado com sucesso?
«O employer branding é a essência da razão por que uma empresa faz o que faz, e porque é que as pessoas devem querer pertencer à “tribo”. Trabalho com empresas para as ajudar a destilar e a transmitir essa noção unificadora e inspiradora de propósito, pertença e orgulho», afirma Francesca Campalani, Employer Branding, Sourcing and Recruitment Marketing director da Randstad Sourceright. Francesca dá ao employer branding a perspectiva comportamental de uma antropóloga, o olhar atento de uma escritora e a noção estratégica do que cria resultados, e porquê, de uma marketeer com muita experiência.
O que é que a experiência académica de Francesca e o seu trabalho com empresas lhe ensinaram sobre as bases para um employer brand convincente, sobre a melhor forma de o transmitir e sobre as armadilhas a evitar?
O que é que a antropologia nos diz sobre a identidade empresarial, e como o aplica no seu trabalho?
Francesca Campalani (FC): Os meus estudos antropológicos ensinaram-me muito sobre pensamento de grupo, memória e comportamentos, que são o centro do employer brand de uma organização, colaquer este seja activamente moldado ou não. Numa empresa jovem, a memória “tribal” e a identidade são criadas à volta do fundador, e portanto é forte e fresca. O Facebook é um exemplo. Contudo, numa empresa mais antiga, que passou por diversas fusões e etapas de evolução estratégica, essa memória e identidade comuns podem tornar-se desfocadas ou até desaparecer. Recriar essa noção clara de propósito e coesão é difícil. Contudo, é fundamental para que as organizações criem uma missão e uma visão unificadoras e inspiradoras para o futuro.
Por isso, quando eu e a minha equipa trabalhamos com clientes para os ajudar a fortalecer o seu employer branding e o marketing de recrutamento, uma parte essencial desse trabalho é criar uma memória e uma identidade comuns de todas as diferentes memórias e identidades dentro das diversas partes da organização. Para tal, as pessoas dentro da organização precisam de dar um passo atrás e pensar: “Porque fazemos o que fazemos? Qual a missão que nos guia? O que defendemos?” e “Como é que as peças todas do puzzle contribuem para o propósito maior?” As respostas a estas perguntas dão origem a um employer brand convincente.
Os negócios estão constantemente a evoluir. Como é que a memória comum pode reflectir isso?
FC: O employer brand deve ser dinâmico e inclusivo para abraçar a evolução do negócio e a direcção que quer seguir – uma “memória para o futuro”.
As mudanças que precisam de ser reflectidas devem incluir uma alteração na estratégia ou o amadurecimento de um negócio que já não é liderado pelo seu fundador. Da perspectiva do employer branding, o importante é criar uma visão para o futuro em que as pessoas acreditam e no qual se vêem.
O employer brand deve também reflectir o talento fresco que entra na organização à medida que esta passa para novos mercados e a força de trabalho se torna mais diversificada. Ao criar uma noção comum de propósito, é portanto importante olhar para lá das políticas e estratégias de Recursos Humanos e concentrar a atenção na história, cultura e aspirações de diferentes grupos, e depois harmonizar as suas perspectivas para que todas estas “histórias” se complementem.
As novas fontes de talento e as histórias que as acompanham incluem independentes e freelancers. As organizações precisam de talento flexível para inovar e crescer. Qual o processo para lidar com o talento que não está alinhado com o padrão habitual de recrutamento e retenção? Como é que isto se reflecte no employer brand? O problema é que muitas grandes organizações nem sempre sabem como lidar com talento flexível ou como o incluir na proposta de valor do colaborador. O pior sinal que se envia é o condescendente “tem sorte por trabalhar connosco”, quando se deveria reconhecer o contributo desse talento.
Consegue criar um propósito comum quando duas empresas diferentes ou rivais se fundem?
FC: É possível, mas é preciso primeiro encontrar pontos comuns. O ponto de partida é identificar os traços culturais que ambos os negócios partilham e começar por aí. Por exemplo, se uma empresa valoriza a experimentação e a outra valoriza a produtividade, o traço comum pode ser a autonomia – ser pró-activo, apresentar ideias. Isto cria a história do que as torna semelhantes.
O problema é que a maioria das fusões cria uma história artificial que é aplicada por cima das culturas de diferentes organizações. Isto não funciona porque quase ninguém acredita nisso. O outro erro comum é tentar impor uma memória, e contar a história de forma parcial – por exemplo, usando palavras e frases que as pessoas associam imediatamente à cultura e ao passado de uma das empresas e não às duas. As pessoas acabam naturalmente por recuar ou até por se rebelarem; faz parte da natureza humana.
As “histórias” são um tema recorrente na sua abordagem ao employer branding e ao marketing de recrutamento. Qual o seu papel e porque são tão importantes?
FC: Cheguei ao employer branding e ao marketing de recrutamento após estudar antropologia e trabalhar no marketing de marcas de consumo. Isto ajudou-me a compreender a história humana, antes de se transformar num conjunto de estratégias e ferramentas para o marketing de recrutamento.
As tribos comunicavam através de histórias, e estas ajudavam a criar orgulho em quem são e o que representam. Por isso, são muito importantes. Mas ter uma boa história não chega por si só. É também preciso saber contá-la. Conheço algumas grandes empresas onde o propósito e o employer brand estão totalmente integrados e têm histórias maravilhosas para o demonstrar. Mas não chega às pessoas lá fora.
É por isso que é tão importante articular e comunicar as histórias. Como escrevi vários livros, tenho muita experiência a contar histórias, o que é útil no meu trabalho. Contudo, há uma grande diferença entre escrever um livro e criar uma história que reflecte e agrega uma organização. Escrever um livro é bastante pessoal. No employer branding, transmitimos as histórias e experiências de outras pessoas. As melhores histórias do employer branding comunicam a alegria de pertencer a uma organização que se adora.
Da perspectiva do marketing, como se activa e comunica esta noção de propósito e as histórias que a rodeiam?
FC: Aqui na Randstad, a nossa abordagem à activação apoia- -se em três pilares: descobrir, envolver e atrair.
Começamos por criar uma imagem clara da cultura e propósito da empresa, de que talento precisa e o que estimula estas pessoas. Quais as soft skills, hard skills e comportamentos exigidos?
É fundamental envolver as pessoas certas na fase da descoberta. Criar uma história da marca que se alinhe com a cultura e as aspirações da organização exige uma consulta transversal. Envolver apenas os recursos humanos, marketing, aquisição de talento ou gestão sénior provavelmente não será suficiente.
Seguindo a pesquisa, é possível activar e a fazer a ligação. Como vendemos a história? Como traduzimos a história numa “promessa do colaborador”, ou EVP (employer value proposition), que explique em termos claros o que as pessoas vão obter da organização e o que a faz sobressair?
Os recursos humanos têm um papel crucial na passagem da promessa de EVP para uma realidade reconhecível ao assegurarem que esta se reflecte no trajecto do talento, da candidatura, recrutamento e recepção à gestão de desempenho, formação e desenvolvimento e promoção. Estes passos para cumprir a promessa são reproduzidos na “viagem do herói”, dentro dos mitos e da antropologia.
Quais as principais armadilhas no desenvolvimento e activação do employee brand?
FC: Muitas pessoas conhecem o marketing de produto, mas menos compreendem as nuances do marketing de recrutamento. Embora existam algumas sobreposições, como por exemplo assegurar que as mensagens chegam a diferentes públicos e a diferentes canais, o recrutamento é bastante diferente no seu enfoque na cultura e na memória. Não é possível comunicar a história do employer brand da mesma forma que se comercializaria um produto. Tal como numa pirâmide, temos de assegurar que a promessa no topo tem uma base firme.
É essencial que haja autenticidade. Uma parte vital disto é criar uma imagem que não só apela ao exterior, como também reflecte a realidade dentro da organização. O pior erro é criar um employer brand atractivo, mas apenas “cosmético”, que ninguém na organização reconhece ou acredita representá-lo.
Similarmente, se a organização quer ser vista como moderna e inovadora, e criou uma campanha de recrutamento reluzente para apoiar isto, pode ser facilmente prejudicada se os sistemas ultrapassados não permitirem que as pessoas se candidatem a partir dos seus telemóveis, por exemplo. O que é isto diz sobre o negócio por dentro?
Os líderes da tribo, ou seja, a administração e os executivos seniores, têm um papel fundamental a assegurar que a organização cumpre as suas promessas. Se um líder afirma que o negócio valoriza a diversidade, por exemplo, deve assegurar que existem oportunidades para o desenvolvimento da carreira, em vez de as restringir a apenas algumas pessoas. Se o chefe trai a tribo, surgem conflitos. Isto pode começar com uma não cooperação passiva, mas eventualmente acaba com as pessoas a prejudicarem activamente a estratégia ou a saírem para a concorrência.
Como adapta a história às redes sociais?
FC: As redes sociais são uma parte fundamental da história da empresa e da forma como esta é contada. Do Twitter e Instagram ao LinkedIn e ao Glassdoor, é importante reconhecer que cada canal de rede social é o seu próprio universo, com um público-alvo distinto e a sua própria voz, costumes e regras. As comunicações e as interacções devem reflectir estas características distintas, assegurando ao mesmo tempo que as histórias entre os canais e os próprios canais da empresa são consistentes. O grande erro é tratar os canais como iguais e colocar os mesmos conteúdos em todos. Isso não funciona, e pode até ser contraproducente. O Twitter é particularmente desafiante para muitas empresas e poucas têm sucesso. Regra geral, mais vale não apostar nas redes sociais do que apostar da maneira errada.
O que considera mais gratificante, em termos pessoais, no seu trabalho?
FC: Se conseguirem criar uma história de employer brand inspiradora e autêntica, terão uma tribo a que todos quererão pertencer. E se a empresa se tornar um íman de talento, irá crescer e empregar mais pessoas. As pessoas no employer branding devem assim sentir-se privilegiadas por fazerem parte disto.
Ironicamente, o melhor resultado é tornarem-se redundantes, até esquecidos, porque as pessoas dentro da organização têm tanto orgulho e fé na história que ajudaram a desenvolver que a abraçaram totalmente como se fosse sua. É o maior elogio que se pode fazer!
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 167 de Fevereiro de 2020