Mapa dos incidentes prova que “a guerra secreta” da Rússia na Europa já começou

Coincidências… ou ações da Rússia? Acidentes estranhos, ataques únicos, falhas infelizes de infraestrutura continuam a acumular-se.

O avião de carga da DHL que caiu na passada segunda-feira ao se aproximar do aeroporto de Vilnius. Os recentes sustos de bomba que têm prejudicado Londres, da Praça Euston e do Aeroporto de Gatwick até a Embaixada dos EUA. Os drones vistos a circular perto das bases da Força Aérea dos EUA no Reino Unido. A explosão numa fábrica de armas no País de Gales em abril último. Os cabos de telecomunicações rompidos no Mar Báltico no início deste mês. Os muitos ataques incendiários, incluindo num negócio de propriedade ucraniana em Leyton (Reino Unido), em março último. As tentativas bem-sucedidas de interferir com operadores ferroviários checos. O ataque de ransomware a um provedor do NHS em junho. Os satélites de televisão foram interrompidos e danificados, causando mudanças na programação em toda a Europa. O desertor morto a tiros na Espanha em fevereiro. A tentativa de assassinato do presidente-executivo de um fabricante de armas alemão.

Tomados em conjunto, a conclusão torna-se inevitável: nos últimos 12 meses, enquanto o Ocidente continuou a apoiar os esforços de guerra da Ucrânia, a Rússia intensificou dramaticamente os seus atos de sabotagem por toda a Europa e além, semeando uma maior sensação de instabilidade no continente do que em qualquer outro momento desde a Guerra Fria. Eis o mapa da publicação britânica ‘The Telegraph’ sobre os principais incidentes no Velho Continente:

Os serviços de segurança europeus já fizeram soar o alarme. “Devemos esperar ver atos contínuos de agressão aqui em casa”, avisou o diretor-geral do MI5, Ken McCallum. “O GRU [serviço de inteligência militar da Rússia] em particular está numa missão sustentada para gerar caos nas ruas britânicas e europeias: vimos incêndios criminosos, sabotagem e muito mais. Ações perigosas conduzidas com crescente imprudência.” Na opinião do responsável, é uma “campanha concertada” que requer uma “resposta forte e sustentada”.

Esta semana, Bruno Kahl, o chefe do serviço de inteligência estrangeira da Alemanha, disse que as “medidas híbridas” russas apenas aumentam “o risco de que a NATO eventualmente considere invocar a sua cláusula de defesa mútua [Artigo 5]”. E num discurso conjunto com o seu colega francês na passada sexta-feira, sir Richard Moore, o chefe do MI6 falou do “eixo moralmente falido de agressão” supervisionado por Vladimir Putin. “Recentemente, descobrimos uma campanha incrivelmente imprudente de sabotagem russa na Europa, enquanto Putin e os seus acólitos recorrem à ameaça nuclear para semear o medo sobre as consequências de ajudar a Ucrânia e desafiar a determinação ocidental ao fazê-lo.”

Mas, “a nossa segurança – britânica, francesa, europeia e transatlântica – estará em risco”, avisou, acrescentando sobre a perspetiva de Putin reduzir a Ucrânia a um estado vassalo. “O custo de apoiar a Ucrânia é bem conhecido, mas o custo de não fazê-lo seria infinitamente maior.”

Conforme 2024 chega ao fim, quase não há um dia com uma nova manchete para adicionar à pilha de potenciais ataques ou interferências russas, o que levou especialistas de todo o mundo a pedir um nível ainda maior de atenção política e pública para a ameaça, mesmo que nem todos os crimes sejam provados. A Rússia pode não ser responsável por absolutamente todos os movimentos agressivos que supostamente fez no cenário global, mas também não precisa ser.

“Parece uma escalada em termos do que eles estão a conseguir, e é difícil não traçar uma linha entre isso e o nível ainda maior de ajuda que estamos a enviar para a Ucrânia”, explicou Jonathan Hall KC, revisor independente da legislação antiterrorismo do Governo do Reino Unido, citado pelo ‘The Telegraph’. “Em março deste ano, Putin começou a falar mais sobre ‘a guerra’, não ‘operação militar especial’. Se se imaginar que agora ele considera uma guerra, então quando há pessoas a ajudar a Ucrânia, há um grau maior de hostilidade.”

Viljar Lubi, embaixador da Estónia no Reino Unido, já viu tudo isso antes. “Há um velho ditado na política russa, que eles gostam de criar ‘caos controlado'”, lembrou. “Mas o caos não pode ser controlado. Esta é uma guerra de narrativas, no entanto, uma guerra de valores e crenças, e isso é algo sobre o qual precisamos falar muito mais. A guerra híbrida nem sempre é visível, mas na verdade já é uma grande guerra.”

Embora muitos atos tenham sido de facto cometidos na chamada “zona cinzenta” da guerra – aquele espaço pouco claro que existe entre o conflito direto e a paz nas relações internacionais – dezenas de incidentes são perfeitamente visíveis.

“É impossível dizer o quão disseminado isso é, porque só vemos o que vem à tona — e parte do que vem à tona é por acidente. Alguns países estão muito interessados ​​em manter isso em segredo”, defendeu Keir Giles, consultor sénior da Chatham House. “Deveríamos estar preocupados que a Rússia esteja disposta a considerar causar eventos de vítimas em massa na Europa, como evidenciado pelo plano do avião. Esse foi o único elemento que faltou nas campanhas de sabotagem de assassinatos nas décadas anteriores. E isso é preocupante.”

O académico e historiador Calder Walton apontou para “um longo, longo histórico e manual aqui que Putin, como ex-oficial de inteligência da KGB, conhece muito bem. Ele terá sido treinado nas artes obscuras da sabotagem na KGB”. “Na Guerra Fria, a KGB tinha um departamento inteiro focado em operações de sabotagem que aconteceriam quando a III Guerra Mundial estourasse entre a União Soviética e o Ocidente. Isso tudo era no domínio físico, do mundo real: explodir linhas de comboio, implantar latas de gás venenoso no metro de Londres… E isso não é peculiar à Rússia, a propósito, a sabotagem é uma tática inerente à guerra, mas a Rússia tem um ‘fétiche’ particular, digamos, por isso.”

A KGB era famosa pelas suas medidas ativas, que variavam de espionagem e propaganda a sabotagem e assassinato, todas as quais continuaram em várias formas na era Putin. Mas a natureza dessas operações evoluiu desde o início da guerra na Ucrânia no final de fevereiro de 2022. “Enquanto antes eram os próprios oficiais militares russos que perambulavam pelo continente em gangs assassinos, agora duas coisas aconteceram: primeiro, todos aqueles capangas do GRU estão ocupados atrás das linhas e, segundo, foram detetados e expulsos dos seus países europeus”, salientou Giles.

“Isso significa que eles adotaram essa nova estratégia de recrutamento local. Proxies, grupos do crime organizado, pessoas descontentes nos países-alvo. Por um lado, isso significa que é mais fácil para os serviços defensivos detetá-los. Por outro, os russos só precisam de uma taxa de sucesso muito baixa para atingir seus objetivos”, apontou.

A extraordinária gama de táticas supostamente usadas pela Rússia contra o Ocidente – de ataques cibernéticos a interferência eleitoral, danos criminais básicos até mesmo pagar influenciadores de direita nos EUA para espalhar propaganda anti-Ucrânia – é tão vasta que não há solução óbvia para isso. Uma maneira sensata de começar, no entanto, é ouvir o Oriente. “A liderança política, até certo ponto, nega esse problema, então o primeiro passo é reconhecer que a Rússia está numa guerra secreta contra o Ocidente e que eles já chegaram ao estágio violento dessa guerra”, apontou Oleksandr V. Danylyuk, chefe do Serviço de Inteligência Estrangeira na Ucrânia.

“É superimportante criar uma plataforma internacional semelhante à estabelecida durante a ‘Guerra ao Terror’, focada no terrorismo islâmico na Europa. Um centro para combater a subversão russa contra os países da UE e da NATO deve ser estabelecido o mais rápido possível. Além disso, pode-se ser mais proativo na recolha de evidências de dentro desses grupos radicais e grupos do crime organizado. Já estamos num estágio agudo da crise, então é preciso haver medidas extras.”

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