Contratos transferidos da EDP para a Endesa sem autorização. Clientes queixam-se e empresa admite dezenas de casos todos os meses
Joana, cliente da EDP há mais de duas décadas, foi surpreendida com a transferência dos seus contratos de eletricidade e gás para a Endesa sem ter solicitado ou autorizado a mudança. Este episódio, descrito ao Observador, expôs uma alegada utilização indevida dos seus dados pessoais – nome, morada e número de identificação fiscal – para a celebração de contratos que classifica como “abusivos”. Este caso, embora grave, não é isolado: a EDP reconhece a ocorrência de cerca de 100 situações semelhantes todos os meses, envolvendo diversas empresas do setor.
O primeiro alerta surgiu quando Joana recebeu uma mensagem da EDP informando que o contrato de eletricidade estava em processo de mudança para outro comercializador. “Pensei que fosse um erro, mas quando liguei para a EDP confirmaram que a alteração tinha sido comunicada. Não souberam dizer quem a solicitou”, relata a cliente afetada ao Observador, que denuncia os casos. A mulher foi aconselhada a contactar a E-Redes, antiga EDP Distribuição, que lhe explicou que o processo tinha sido iniciado pela Endesa.
Joana, que afirma nunca ter fornecido os seus dados à concorrente, enfrentou dificuldades em obter esclarecimentos. A Endesa perguntou-lhe se teria partilhado informações em contactos porta a porta, respondido a mensagens com códigos de validação ou interagido em quiosques comerciais. A cliente negou todas as hipóteses e solicitou o comprovativo do alegado formulário físico onde constaria a sua assinatura. “Se têm a minha assinatura, quero validar esse documento”, insistiu. Uma semana após o pedido, ainda não recebeu resposta.
Enquanto tentava resolver a situação do primeiro contrato, Joana foi informada pela EDP de que um segundo contrato, também seu, estava a ser transferido para a Endesa. Apesar de a Endesa se mostrar disponível para reverter a mudança, a cliente preferiu aguardar por respostas claras antes de cancelar. “Queria perceber o que gerou esta situação”, explicou.
A ERSE, entidade reguladora do setor energético, confirma a existência de práticas comerciais “desleais” e mudanças involuntárias, frequentemente associadas a falhas na identificação das instalações ou más práticas durante a angariação de clientes. Embora não divulgue números concretos ou identifique empresas, a entidade alerta os consumidores para não partilharem dados pessoais ou assinarem contratos sem verificar a identidade dos agentes.
Joana relatou também um episódio em que funcionários, que se apresentaram como representantes da Endesa, visitaram a sua morada dias antes da transferência do contrato. “Diziam ser da entidade reguladora, mas tentavam aceder às faturas para mudar contratos”, afirmou. A Endesa confirmou que estas visitas são realizadas por empresas parceiras, reiterando que segue um plano de conduta “muito estrito” e penaliza agentes que atuem de forma inadequada.
A Endesa reconhece a reclamação de Joana e assegura que o serviço foi reposto no comercializador original. “Não foi emitida qualquer fatura por serviços prestados, e a situação encontra-se resolvida”, declarou a empresa ao Observador. No entanto, a cliente discorda, afirmando que continua sem explicações concretas sobre a origem da transferência.
A EDP, por sua vez, reforça que a situação é recorrente. “Recebemos cerca de 100 contactos mensais de clientes que desconhecem mudanças de comercializador”, revelou. A empresa implementou um sistema de mensagens que notifica os clientes quando se verifica uma transição de fornecedor, permitindo-lhes agir caso a mudança não tenha sido solicitada.
Joana descreve o processo como exaustivo, com chamadas intermináveis e respostas contraditórias. Em certos momentos, foi contactada por pessoas que alegadamente representavam a Endesa, mas não se identificaram claramente. Alguns chegaram a oferecer-se para se deslocar à sua casa, uma hipótese que rejeitou por questões de segurança. “Disseram-me até que o responsável tinha sido despedido, mas isso não resolve o problema”, lamentou.
A Endesa afirma que os seus processos incluem validações rigorosas, como chamadas de confirmação e leitura de condições contratuais, mas Joana garante que nenhuma destas etapas ocorreu. A ERSE continua a monitorizar as práticas no setor e assegura que aplica penalizações às empresas em casos de irregularidades.
Com os contratos cancelados e o serviço supostamente reposto, Joana mantém-se cética e aguarda pelo documento com a alegada assinatura que deu origem a esta controvérsia. O caso reflete desafios persistentes no setor energético português, onde as mudanças involuntárias e as práticas desleais continuam a prejudicar consumidores.