A crise habitacional em Portugal: A urgência de uma aposta na construção nova

Por Manuel Alvarez, Presidente da RE/MAX Portugal

A crise da habitação continua a ser um dos maiores desafios em Portugal, especialmente nas áreas metropolitanas. A combinação entre uma oferta limitada e uma procura crescente resultou numa escalada significativa dos preços, tornando cada vez mais difícil para os portugueses, sobretudo jovens e famílias de classe média, acederem à compra ou ao arrendamento de uma habitação condigna. A resolução deste problema passa, sem dúvida, por uma estratégia concertada que aposte fortemente na construção de novas habitações. Mas quais são os principais fatores que influenciam este desequilíbrio entre oferta e procura?

 

Oferta de novas habitações: construção nova e pipeline

 A oferta de novas habitações licenciadas tem sido insuficiente para responder às necessidades do mercado. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2023, foram licenciados apenas 32.000 novos fogos em Portugal, um número muito aquém do necessário para colmatar a procura. Nos anos 2000, por exemplo, eram licenciadas mais de 100.000 habitações anualmente. Esta quebra pode ser explicada em parte por fatores macroeconómicos e pela crise financeira global, mas também pela ausência de políticas eficazes que incentivem o setor da construção.

Embora se tenha registado um crescimento gradual desde 2014, quando foram licenciados apenas 7.000 fogos, esta recuperação tímida não tem sido suficiente para responder à procura atual. Em 2023, foram concluídos apenas 24.000 fogos, um número ainda muito abaixo dos níveis necessários para equilibrar o mercado.

Entre as medidas que considero fundamentais para acelerar a descida dos preços das casas e aumentar a oferta no mercado, destaco, em primeiro lugar, a necessidade de haver uma colaboração entre os municípios e os intervenientes do setor imobiliário. Uma das estratégias poderá passar pela cedência regulada de terrenos municipais para o desenvolvimento privado com limitações nos preços de venda. Esta seria uma forma eficaz de promover a construção de habitação acessível, especialmente nas áreas onde a pressão sobre os preços é mais intensa.

Por outro lado, as subidas dos preços da construção, que reflete a escassez de materiais e mão-de-obra encareceram a obra e consequentemente o valor final de venda tornando-a também menos acessível para as classes de menores rendimentos. Sabemos que é necessário reorganizar algumas das políticas já existentes e criar novas, com impacto a médio e longo prazo, que promovam tanto uma maior acessibilidade como uma maior estabilidade dos preços.

Além disso, assistimos a uma escassez de oferta nos centros urbanos e um deslocamento progressivo para as zonas periféricas. Um exemplo claro deste fenómeno é a Área Metropolitana de Lisboa (AML). Em 2015, 40% do pipeline de novas frações (SIR) estava concentrado no Concelho de Lisboa; em 2023 com a cidade mais consolidada e com menos áreas disponíveis para desenvolvimento, esse valor caiu para 20%. Municípios como Loures, Almada e Oeiras começam agora a ganhar destaque. Este movimento é um reflexo da saturação dos centros urbanos, forçando a oferta a expandir-se para áreas periféricas que oferecem melhores condições de construção e terrenos mais disponíveis.

No entanto, a escassez de novas habitações não se resume à AML. O Porto e outras cidades do país sofrem da mesma pressão, com a oferta a deslocar-se para áreas circundantes, como Vila Nova de Gaia e Matosinhos. Este fenómeno sublinha a necessidade de uma política robusta que facilite a construção em áreas onde a pressão da procura é maior, mas é também uma tendência e oportunidade para o desenvolvimento de novas centralidades satélites às grandes áreas metropolitanas.

 

A procura: mudanças demográficas e pressão no mercado

A procura por habitação em Portugal tem sido impulsionada por mudanças demográficas significativas, mas também pela crescente atratividade do país para investidores e residentes estrangeiros. Em termos demográficos, a redução no tamanho dos agregados familiares é um fator chave. Em 1960, o agregado médio em Portugal era de cerca de 3,8 pessoas, refletindo uma sociedade com taxas de natalidade mais elevadas e estruturas familiares tradicionais, onde pais, filhos e outros familiares coabitavam. Hoje, segundo dados do INE, a média é de aproximadamente 2,5 pessoas, uma mudança que reflete o processo de urbanização, as alterações sociais e o declínio das taxas de natalidade.

Estima-se que esta média possa cair ainda mais até 2080, para cerca de 2 pessoas por agregado, em linha com o envelhecimento populacional e o aumento de lares unipessoais e de casais sem filhos. Mesmo sem um aumento substancial da população, a necessidade de habitações continua a crescer, pois as famílias, cada vez mais pequenas, requerem mais casas. Esta pressão agrava a escassez de oferta no mercado habitacional.

Além disso, Portugal tem-se tornado um destino atrativo para investidores estrangeiros e emigrantes que regressam, um fenómeno evidenciado pelo aumento de 33,6% da população estrangeira residente em 2023, segundo o Relatório de Migração e Asilo. Este fluxo resulta tanto de investimentos estrangeiros, especialmente para a reabilitação e reconversão de imóveis, como de trabalhadores internacionais que escolhem viver e trabalhar em Portugal. Na RE/MAX, cerca de 20% das transações envolvem clientes estrangeiros, sendo que, em alguns meses, mais de metade dos contratos de arrendamento são celebrados com este público.

Estes fatores, demográficos e de investimento, aumentam a pressão sobre o mercado imobiliário, obrigando o setor a adaptar-se para responder à procura crescente num contexto de oferta limitada.

 

O impacto nos preços: um mercado em escalada

Com uma procura crescente e uma oferta insuficiente, a consequência natural é o aumento dos preços. A lei da oferta e da procura dita que, num cenário de escassez, os preços aumentam, e é precisamente isso que temos vindo a assistir na última década. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o preço por metro quadrado de um apartamento em Portugal, em 2013, rondava os 790 euros; em agosto de 2023, esse valor subiu para 1.850 euros, um aumento de 134%. Em Lisboa, os preços subiram de 1.474 euros para 3.804 euros por metro quadrado (+158%), e no Porto, de 1.018 euros para 2.616 euros (+157%).

Este aumento contínuo dos preços tem levado muitas famílias a procurar alternativas fora dos centros urbanos. Sintra, por exemplo, já é o segundo concelho mais populoso de Portugal, ultrapassando o histórico município do Porto, e Vila Nova de Gaia segue a mesma tendência. A pressão sobre os preços não afeta apenas os grandes centros; as zonas periféricas também estão a sentir os efeitos, tornando-se refúgios para quem não consegue pagar os preços nas cidades.

 

A necessidade de uma resposta concertada

A crise habitacional em Portugal reflete anos de desinvestimento na construção nova e um desajuste crescente entre oferta e procura, especialmente nas regiões mais dinâmicas do país. A solução para este problema passa por uma aposta clara e concertada na construção de novas habitações, com políticas que incentivem a colaboração entre municípios e promotores imobiliários, como a cedência de terrenos devolutos para construção a preços controlados.

Apenas com um compromisso sério em aumentar a oferta de habitações será possível aspirar a reequilibrar o mercado, garantir o acesso a uma habitação digna e evitar que a escalada dos preços continue a ser uma barreira para grande parte dos portugueses.

 

 

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