Revolta e resistência anti-Trump perdeu força face a 2016: o que mudou desde então?

A surpreendente vitória eleitoral de Donald Trump, em 2016, desencadeou uma revolta global: já o seu triunfo em 2024 foi recebido com um encolher de ombros cansado.

Na primeira vitória do republicano, recorda o jornal ‘POLITICO’, houve milhões de opositores políticos a protestar na rua logo após a votação, organizando-se com hashtags como #Resist – mesmo entre os conservadores, impulsionou o movimento ‘Never Trump’ e grupos beligerantes anti-Trump como o ‘The Lincoln Project’.

Mas a vitória esmagadora de Trump sobre a vice-presidente Kamala Harris no ato eleitoral do passado dia 5, a reação – tanto de eleitores democratas como das autoridades nas capitais europeias – tem sido menos de indignação ardente e mais de resignação silenciosa.

“As pessoas estão preocupadas”, sustentou um diplomata europeu sediado em Washington, que falou em anonimato. “Mas acho que aprendemos da última vez que é importante falar de forma construtiva e confidencial, em vez de através das redes sociais.”

Houve manifestações de pequena escala nos Estados Unido e no Reino Unido – estão planeadas mais manifestações nas próximas semanas e meses -, mas nenhuma chegou perto da fúria e fervor das marchas, assim como dos tumultos, que marcaram os primeiros dias de Trump como presidente – houve mesmo quem queimasse efígies do republicano. Ao invés, os líderes mundiais apressaram-se a felicitar Trump antes dos resultados oficiais – o antigo primeiro-ministro australiano e atual embaixador nos EUA, Kevin Rudd, limpou mesmo as redes sociais antigos comentários críticos para com o magnata do imobiliário.

Segundo Eline Severs, professora associada de Ciência Política na Universidade Livre de Bruxelas, houve uma profunda mudança de humor em 2024 quando comparada com há oito anos. “Não é surpreendente testemunhar um certo nível de esgotamento político, de exaustão, após a campanha maciça de Kamala Harris”, disse Severs. “Acho que muitos ativistas estão muito cansados… É deflação depois de todas estas semanas de campanha.”

O facto de ter sido a segunda vitória de Trump é também um fator psicológico importante, salientou Severs. A sua primeira vitória, que contrariou todas as sondagens, chocou grande parte do mundo. “Em 2016, todos os americanos e europeus acordaram neste guião muito surreal. Sentíamo-nos como personagens de ‘Os Simpsons’.”

Portanto, a segunda chegada de Trump à Casa Branca foi tudo menos novidade, o que afetou a forma como diplomatas e funcionários das capitais europeias estão a reagir ao ‘Trump 2.0’, com muitos a recordarem-se das duras lições da primeira administração. “As pessoas têm memórias razoavelmente frescas do que funciona e do que não funciona, e de como se fica do lado certo deste homem, e quão importante, desproporcionalmente importante, isso é”, indicou ao ‘POLITICO’ um segundo diplomata europeu baseado em Washington DC, salientando que o desempenho desastroso de Joe Biden no debate contra Trump – e o facto de Harris ter tido poucos meses de campanha – significa que já se preparavam silenciosamente para um triunfo de Trump.

‘Pura ansiedade’

A controvérsia sobre os resultados das eleições de 2016 – Trump recebeu quase menos três milhões de votos do que Clinton, mas ainda assim ganhou a presidência graças ao Colégio Eleitoral dos EUA – contribuiu para a raiva coletiva e para a crença entre os adversários de Trump, muitos dos quais já odiavam o dissidente republicano.

Já em 2024 Trump não só recebeu a maioria dos votos do Colégio Eleitoral, como – com cerca de 3 milhões de votos a mais do que Harris na contagem de 12 de novembro – está também a caminho de conquistar o voto popular, tornando-se o primeiro republicano a fazê-lo em duas décadas. “Se se é um ativista, tem a sensação de que deve aceitar o resultado”, indicou Severs. “Isto deverá ter um impacto devastador nos atores da sociedade civil que se alinham com os democratas. Tudo o que resta é pura ansiedade.”

“As pessoas sentem-se paralisadas”, acrescentou. “E isso tem o efeito do silêncio.”

A eleição de Trump em 2016 agitou as capitais europeias, mas o continente estava pelo menos politicamente mais unido nessa altura. Nos últimos anos, a direita ascendeu ao poder dos Países Baixos para Itália, inaugurando um momento político mais turbulento. “A Europa está agora num estado muito mais dividido”, lembrou Severs. Desde então, Trump cultivou “ligações com homens fortes em todo o mundo” e é provável que encontre parceiros entusiastas em líderes populistas ou nacionalistas de todo o continente, incluindo o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, o líder eslovaco, Robert Fico, e a italiana Giorgia Meloni.

A tarefa mais importante para a UE, agora, é manter-se unida face às dramáticas mudanças na política americana em matérias comerciais e apoio à Ucrânia. “Ou acordamos ou entraremos em coma profundo, cujo resultado será feio”, explicou o diplomata.

O primeiro-ministro belga, Alexander de Croo, manifestou o mesmo sentimento, alertando que os EUA procurariam dividir a Europa. “Sempre houve uma tendência por parte dos EUA para nos separarmos, temos de estar preparados para isso”, alertou, em Budapeste, na semana passada. “Cabe agora à UE aproveitar os meses que antecedem a tomada de posse de Trump para ter acordos claros sobre a forma como iremos interagir com os Estados Unidos”, concluiu.

Ler Mais





Comentários
Loading...