Certificado Sucessório Europeu: Harmonizar regras dentro da UE
Por Joana Neto Mestre, Advogada, Managing Partner da MATLAW
A publicação do Certificado Sucessório Europeu (CSE), criado pelo Regulamento (UE) n.º 650/2012, marca uma importante evolução no campo do direito sucessório transnacional. Este certificado, que surge como uma ferramenta para harmonizar processos sucessórios em diferentes Estados-Membros da União Europeia, permite a simplificação e unificação do reconhecimento dos direitos dos herdeiros em sucessões que envolvem múltiplos países e jurisdições. Desde 19 de agosto de 2024, com a implementação plena em Portugal, o CSE tornou-se acessível a todos os portugueses.
A ideia por detrás do CSE é facilitar o processo de sucessão quando existem bens ou herdeiros em diferentes Estados-Membros da UE. Ao permitir que os direitos dos herdeiros, legatários ou administradores da herança sejam reconhecidos em múltiplos países com base num único documento, o CSE elimina a necessidade de múltiplos processos (judiciais ou administrativos) em cada Estado. Este avanço é particularmente relevante num contexto onde a mobilidade de cidadãos europeus se intensificou, e o número de pessoas com propriedades ou interesses em mais de um país aumentou.
A criação deste certificado é um passo muito útil e necessário para harmonizar as regras sucessórias dentro da UE, reduzindo a complexidade associada à administração e partilha de heranças internacionais. Antes da implementação do CSE, os herdeiros enfrentavam a dificuldade de ver os seus direitos reconhecidos em diferentes países, devido às divergências existentes entre leis sucessórias nacionais e à necessidade dos estados aplicarem outra lei que não a sua.
Este CSE chega tarde a Portugal – afinal, o regulamento 650/2012 que veio estabelecer o CSE entrou em vigor em Agosto de 2015 -, mas é uma importante ferramenta que traz mais segurança jurídica aos herdeiros, especialmente quando lidam com patrimónios dispersos por vários países. O CSE assegura uma abordagem mais coerente, ao harmonizar o reconhecimento de direitos sucessórios em diferentes ordenamentos jurídicos europeus. Contudo, de fora ficam a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido (que, entretanto, abandonou a União).
Contudo, apesar da utilidade evidente do CSE, é importante reconhecer que este não resolve o problema maior nestas matérias: a falta de acordo entre herdeiros no que toca à partilha dos bens e ativos quando, de acordo com o direito aplicável à sucessão, não existe total liberdade do falecido para testar e dispor dos seus bens por morte, em particular em sistemas rígidos, como o português.
Esta rigidez pode ser fonte de conflito, tal como a própria determinação da lei aplicável para regular toda a sucessão. De facto, apesar de a regra ser a aplicação da lei pessoal (da nacionalidade) ou, caso esta não tenha sido escolhida, a lei do Estado onde o falecido residia à data do óbito, o regulamento admite que, quando resulte claramente do conjunto das circunstâncias do caso que, no momento do óbito, o falecido tinha uma relação manifestamente mais estreita com um Estado diferente do Estado cuja lei seria aplicável, seja aplicável à sucessão a lei desse outro Estado.
O CSE tem plena aplicabilidade, por exemplo, na partilha de bens imóveis situados em diferentes Estados-Membros da UE. Com o CSE, os herdeiros podem solicitar o reconhecimento da sua legitimidade e direitos de forma simplificada, evitando a necessidade de processos sucessórios distintos em cada país onde existam bens imóveis. Por exemplo, os herdeiros de um cidadão português que faleça e cuja herança inclua bens em França e Alemanha podem usar o CSE para que a sua qualidade de herdeiros seja reconhecida de forma automática nesses países, sem a necessidade de seguir processos locais complexos.
Este documento permite uma maior eficiência jurídica no processo de transmissão por morte de direitos.
O planeamento sucessório é algo sobre o qual, cada vez mais, faz sentido refletir: sob o prisma da prevenção de conflitos sucessórios e preservação do património, da fiscalidade sucessória, e da regulação da sucessão quando esta seja transnacional. Nesse contexto, o recurso ao CSE deve ser visto como mais uma ferramenta ao dispor dos cidadãos, que cabe aos profissionais do direito divulgar e promover.