Assédio sexual: Plataforma de 31 organizações apoia mulheres que denunciaram Boaventura Sousa Santos

Esta sexta-feira, o Tribunal de Coimbra analisará o pedido de tutela de personalidade movido pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos para “proteção do seu bom-nome e honra” após acusações de assédio sexual e moral no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. A ação visa quatro mulheres que, enquanto investigadoras do CES, identificaram-se publicamente como vítimas do académico. As investigadoras recebem agora o apoio da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) e das 31 organizações que a compõem, que manifestaram solidariedade para com “as sobreviventes” de assédio sexual, destacando o fenómeno como um “segredo muito público”.

A PpDM, numa declaração emitida na quarta-feira, e citada pelo jornal Público, frisou que se trata de um problema estrutural, originado por “uma desigualdade histórica entre mulheres e homens”, que atravessa todos os setores da sociedade. As denúncias recentes de assédio no meio do jazz português e os relatos de abuso sofridos por mulheres peregrinas no Caminho de Santiago, ambos amplamente divulgados na última semana, ilustram, segundo a organização, a prevalência de um fenómeno que ainda enfrenta grande tolerância social. “O assédio sexual é um segredo muito público: a maioria das situações não é denunciada, embora muitas sejam conhecidas”, afirmou a plataforma.

Recorrendo à memória do movimento #MeToo, a PpDM destacou o crescimento de processos por difamação contra vítimas de assédio que ousam falar. A organização defendeu que este tipo de processo aumenta o risco para quem denuncia, afirmando que “o silêncio é uma forma de cumplicidade”. A presidente da PpDM acrescentou: “Estamos solidárias com todas as mulheres do Colectivo de Vítimas e com as sobreviventes de assédio, que viram a sua liberdade cooptada por estruturas opressivas. Queremos uma academia e uma sociedade livres de assédio sexual e de sexismo”.

Fundada por várias organizações, incluindo a Associação de Mulheres Contra a Violência e o Graal, a PpDM representa hoje uma rede de associações como a Inspiring Girls Portugal, a AMUCIP e a Associação Contra o Femicídio. No plano internacional, a plataforma detém Estatuto Consultivo Especial junto do Conselho Económico e Social da ONU e integra o Conselho Internacional das Mulheres.

Um padrão de processos e retaliações

O apoio da PpDM surge num contexto em que processos por difamação, movidos pelos acusados, se têm tornado frequentes, com o objetivo de proteger a sua imagem pública. Este tipo de prática, conhecido como “lawfare” (ou guerra jurídica), consiste em acionar processos contra acusadores e é apontado como uma estratégia de intimidação. No caso de Boaventura de Sousa Santos, o Coletivo de Vítimas considera que esta “guerra jurídica” é o centro do julgamento desta sexta-feira. Antes de iniciar a análise do caso, o tribunal procurará uma tentativa de conciliação, procedimento obrigatório nas ações de tutela de personalidade.

Boaventura, um dos fundadores do CES e um nome de renome internacional na área da sociologia, rejeita as acusações, alegando tratar-se de uma campanha mediática. Alega que as 13 mulheres que, em março deste ano, exigiram a sua retirada definitiva do CES estariam a atuar em conluio com meios de comunicação para o prejudicar. Nessa mesma altura, uma comissão independente, constituída pelo CES, concluiu que existiam “padrões de conduta de abuso de poder e assédio” no centro, fruto de uma hierarquia que facilitava o abuso.

No entanto, o relatório não identificou explicitamente os acusados, nem as vítimas. Perante estas conclusões, a direção do CES emitiu um pedido de desculpas às vítimas, enquanto o Colectivo de Vítimas exigiu a retirada de Boaventura do quadro de investigadores e a abertura de processos disciplinares contra os investigadores Bruno Sena Martins e Maria Paula Meneses.

Os nomes de Boaventura de Sousa Santos, Bruno Sena Martins e Maria Paula Meneses surgiram em público após o lançamento do artigo científico The walls spoke when no one else would, integrado na obra Sexual Misconduct in Academia, editada pela britânica Routledge. Neste artigo, três investigadoras relataram episódios de assédio sexual e moral, referindo ainda práticas de “extractivismo intelectual” num centro de investigação. Apesar de não identificarem os acusados nem o centro, os três académicos consideraram-se visados e reagiram publicamente.

O caso de Boaventura chegou à justiça com 32 denúncias contra 14 membros do CES, incluindo 13 assinantes de uma carta pública que exigia a sua suspensão. Das quatro signatárias, Teresa Cunha, Sara Araújo, Élida Laurie e Eva Garcia-Chueca, investigadoras em Portugal, enfrentarão agora o processo de Boaventura por difamação, onde o sociólogo alega violação do seu direito ao bom-nome e à confidencialidade da correspondência. Advogados do sociólogo indicaram que pretendem alargar o processo às denunciantes residentes no estrangeiro. No entanto, decorre ainda uma investigação interna no CES e um inquérito no Ministério Público, onde Boaventura foi constituído arguido em julho para, segundo os seus advogados, “garantir um processo justo”.

Após ameaças legais, a editora Routledge suspendeu a venda do livro Sexual Misconduct in Academia, removendo-o do mercado.

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