Antiga primeira-ministra do Reino Unido “preparou-se” para ataque nuclear lançado por Putin, revela novo livro
A possibilidade de Vladimir Putin recorrer a armas nucleares no contexto da invasão da Ucrânia foi motivo de alarmismo no Reino Unido, desencadeando reuniões de crise entre autoridades britânicas, segundo revela uma nova biografia sobre a ex-primeira-ministra Liz Truss. O livro, intitulado Out of the Blue, foi escrito pelos jornalistas Harry Cole e James Heale, e lança luz sobre as preocupações de Truss e os preparativos realizados para o pior cenário.
Desde o início do conflito em fevereiro de 2022, a ameaça nuclear russa pairou sobre a guerra, com Putin a fazer referência frequente às capacidades nucleares do país e a realizar exercícios nucleares regulares, incluindo manobras no mês passado. A retórica de Moscovo, muitas vezes amplificada por propagandistas do Kremlin, incluiu ameaças de ataques a capitais ocidentais, elevando o tom de intimidação nuclear.
Na altura da invasão, Truss exercia funções como secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros britânica. Após vencer a corrida à liderança do Partido Conservador, Truss assumiu o cargo de primeira-ministra a 6 de setembro de 2022, posição que ocupou por um breve período de 50 dias, até 25 de outubro do mesmo ano. Durante o seu mandato, Truss considerava a possibilidade de Putin recorrer a armas nucleares como uma ameaça plausível. Segundo excertos de Out of the Blue publicados pelo The Sun, Truss passou “inúmeras horas a estudar dados de satélite sobre as condições meteorológicas e direções dos ventos” devido ao receio de que padrões climáticos desfavoráveis pudessem trazer impactos diretos para o Reino Unido, em caso de um ataque nuclear russo.
Nos seus últimos dias no cargo, Truss focou-se em “preparar o Reino Unido para casos de radiação”, após alertas de serviços de inteligência norte-americanos que acreditavam que o líder russo estaria a poucas horas de “pressionar o botão”. Estes receios aumentaram durante as contraofensivas ucranianas nas regiões de Kharkiv e Kherson, que levaram as tropas russas a recuar.
O livro descreve como Truss foi informada sobre relatórios de inteligência dos EUA, os quais indicavam que Putin poderia optar pelo uso de uma arma nuclear táctica na Ucrânia ou detonar uma bomba de grande porte no Mar Negro. Na altura, os EUA já enviavam alertas secretos à Rússia há meses, advertindo sobre as graves consequências de uma ação nuclear em território ucraniano.
Outro livro recente, War, do jornalista Bob Woodward, conhecido pelo seu trabalho no escândalo Watergate, reforça a ideia de que existia uma preocupação real na Casa Branca quanto ao risco de uma arma nuclear russa ser usada no campo de batalha. Segundo Woodward, com base em informações de inteligência, as autoridades norte-americanas avaliavam em cerca de 50% a possibilidade de Moscovo recorrer a uma arma nuclear táctica durante o outono de 2022.
Embora a postura nuclear de Putin tenha gerado receios globais, especialistas descartaram repetidamente a probabilidade de o presidente russo recorrer a tais armas, considerando que não trariam vantagem militar no campo de batalha e encontrariam forte oposição de aliados estratégicos, como a China.
John J. Sullivan, ex-embaixador dos EUA na Rússia, expressou opinião semelhante no seu livro Midnight in Moscow, que aborda o seu papel diplomático nas fases iniciais do conflito. Sullivan, numa entrevista à Newsweek em julho, afirmou que considerava a utilização de armas nucleares por Putin “altamente improvável”. “Sempre achei que era extremamente improvável que ele utilizasse armas nucleares, pelo menos no campo de batalha na Ucrânia”, comentou o diplomata, explicando que do ponto de vista tático, tal ato não representaria um benefício claro.
Sullivan observou que, se a Rússia estivesse a considerar o uso de armas não convencionais, o local mais provável seria Mariupol, durante o cerco à cidade, que acabou por se render em maio de 2022. “Pensei que poderiam recorrer a armas químicas, como Bashar al-Assad fez na Síria, para eliminar posições fortificadas e neutralizar quem defendia a cidade”, disse Sullivan, numa referência às táticas de Assad. Contudo, tal ação não se concretizou, o que Sullivan atribui às potenciais repercussões diplomáticas e logísticas, especialmente perante a possível reação da China.
O lançamento de Out of the Blue oferece um vislumbre dos bastidores das tensões e medidas preventivas em Londres face à possibilidade de um ataque nuclear russo. A breve passagem de Truss pelo cargo de primeira-ministra coincidiu com um dos períodos mais tensos do conflito na Ucrânia, durante o qual as ameaças nucleares de Moscovo estiveram sempre presentes nas preocupações dos governos ocidentais.