Trump não chega apenas à Casa Branca: torna-se também juiz e júri de todos os seus processos judiciais

Donald Trump não derrotou apenas Kamala Harris na corrida à Casa Branca: bateu igualmente o sistema que o tentou colocar na cadeia.

O republicano foi mesmo o primeiro ex-presidente a ser acusado e condenado por crimes graves: agora tornou-se o primeiro criminosos condenado a vencer uma eleição presidencial. E este triunfo praticamente garante que nunca enfrentará sérias responsabilidades legais por uma avalanche de supostas irregularidades.

O regresso iminente de Donald Trump à Casa Branca torna-o agora o seu próprio juiz e júri, isolado das consequências criminais que poderia ter enfrentado sem o campo de força legal do Salão Oval. De acordo com o jornal ‘POLITICO’, até mesmo os processos civis contra ele agora enfrentarão novos obstáculos. Presidentes podem, em algumas circunstâncias, estar sujeitos a penalidades civis de processos privados, mas Trump certamente tentará usar o manto da presidência para evitar pagar as centenas de milhões de dólares que deve em julgamentos por abuso sexual, difamação e fraude corporativa.

Como poderá acontecer?

Demitindo Jack Smith

Donald Trump prometeu encerrar o mandato de Jack Smith “em dois segundos” se o conselheiro especial ainda não tiver desocupado o seu posto até ao dia da tomada de posse, 20 de janeiro. E quem quer que Trump instale para comandar o Departamento de Justiça terá o poder de retirar formalmente todas as acusações federais contra Trump.

O que significa? Jack Smith está a enfrentar uma contagem regressiva de dois meses e meio para o fim de dois casos que vem construindo desde novembro de 2022. Embora com movimentos finais incertos: pode revelar acusações há muito adormecidas contra alguns dos supostos co-conspiradores de Trump apenas para Trump perdoá-los assim que assumir o cargo? Pode divulgar um relatório final com evidências secretas que possam ter surgido em julgamento? Vai continuar a operar até 20 de janeiro e forçará os novos líderes do Departamento de Justiça de Trump a destituí-lo?

Num futuro imediato, os casos de Jack Smith permanecem pendentes: em Washington, onde Trump enfrenta quatro acusações de crime por conspirar para roubar outro mandato há quatro anos, a juíza distrital dos EUA, Tanya Chutkan, definiu uma série de prazos de arquivamento em novembro e dezembro. Espere que os advogados de Trump peçam a Chutkan para cancelar esses prazos, dada a ascensão iminente de Trump à Casa Branca.

Na Flórida, onde Trump foi acusado de 40 acusações criminais por acumular documentos confidenciais em Mar-a-Lago e obstruir a tentativa do Governo de recuperá-los, o caso já está ‘embrulhado’ em recursos prolongados. A juíza distrital dos EUA Aileen Cannon rejeitou o caso sob o argumento de que o procurador-geral Merrick Garland não tinha autoridade para nomear Smith em primeiro lugar. Smith pediu a um tribunal de apelações para restabelecer o caso, mas é improvável que a apelação avance antes que Trump regresse à Casa Branca.

O fracasso de Fani Willis

Nenhum caso contra Trump foi mais confuso do que o que a promotora distrital do Condado de Fulton, Fani Willis, abriu em agosto de 2023. Assim como Smith, Willis acusou Trump de tentar subverter a eleição de 2020, em parte conspirando para corromper o processo de certificação da Geórgia.

O caso foi deixado de lado durante meses, depois de esta ter sido acusada de ter um conflito financeiro de interesse decorrente do seu relacionamento romântico com um promotor que ela contratou para conduzir o caso. O juiz Scott McAfee negou uma tentativa de desqualificar Willis e o resto do seu escritório do caso. Mas Trump apelou dessa decisão, congelando todos os procedimentos por meses.

Agora, o resultado desse recurso é quase irrelevante. Mesmo que Willis ganhe o direito de retomar o caso, Trump tentará que as acusações sejam rejeitadas ou, na falta disso, colocadas em espera durante toda a sua presidência. Ele terá um argumento forte: há muito tempo se entende que os presidentes têm ampla imunidade contra processos enquanto estão no cargo. E muitos especialistas jurídicos, citando o princípio de que os interesses nacionais prevalecem sobre os interesses estaduais, acreditam que os tribunais nunca permitirão que um promotor estadual como Willis faça acusações criminais contra um presidente em exercício.

Um dilema para Juan Merchan

No único caso em que Trump já foi considerado culpado, sua vitória eleitoral significa que ele provavelmente pode adiar qualquer punição.

O juiz Juan Merchan, que supervisionou o julgamento criminal de Manhattan nesta primavera que terminou com a condenação de Trump por 34 acusações de falsificação de registos comerciais para encobrir pagamentos de dinheiro para silenciar a estrela de filmes de adultos Stormy Daniels, vai declarar a sentença a 26 de novembro. Mas os advogados do presidente eleito, que já atrasaram com sucesso a sentença duas vezes, certamente argumentarão contra levá-lo a um tribunal estadual no meio da sua transição presidencial.

Se Merchan prosseguir com a sentença conforme programado, ele enfrentará a tarefa sem precedentes de decidir se impõe uma pena de prisão de até quatro anos a um réu que deve ocupar a Casa Branca em janeiro. Se ele ordenar que Trump vá para a prisão, Trump quase certamente não será obrigado a cumprir essa pena até depois de deixar o cargo em 2029.

E mesmo que Merchan opte por uma punição sem pena de prisão — prisão domiciliar, por exemplo, ou serviço comunitário — os advogados de Trump provavelmente tentarão adiá-las também, argumentando que desafios logísticos e deveres constitucionais devem impedir que um presidente eleito, ou um presidente em exercício, tenha que cumprir qualquer sentença.

Os casos civis

Além de seus casos criminais, Trump também foi atingido por três julgamentos civis nos últimos 18 meses, e um quarto caso civil sério está pendente. Espera-se que ele use o seu regresso à presidência para tentar evitar as consequências financeiras agudas desses processos — que somam mais de meio bilhão de dólares em responsabilidade.

Ao contrário da proibição de processar um presidente em exercício, não há proibição de cobrar danos civis privados do ocupante da Casa Branca. Na verdade, o próprio Trump foi forçado a pagar 2 milhões de dólares durante o seu primeiro mandato presidencial depois de um juiz ter imposto a multa como parte de um acordo sobre o uso indevido de fundos da Trump Foundation. Mas com somas muito maiores de dinheiro em jogo em seus atuais processos civis, Trump poderia argumentar que prosseguir com os processos interferiria na sua capacidade de executar as suas funções.

Aqui está um resumo dos casos civis:

O caso de fraude. No caso movido por James, um juiz de primeira instância de Manhattan impôs penalidades de mais de 450 milhões de dólares a Trump por inflacionar fraudulentamente o seu património líquido e o valor das suas propriedades imobiliárias para obter taxas favoráveis ​​de bancos e seguradoras.

Trump apelou desse veredito e aguarda a decisão de um painel do tribunal de apelações que ouviu os argumentos orais em setembro.

Os casos Carroll. Trump também deve 88 milhões de dólares por dois julgamentos que a escritora E. Jean Carroll ganhou contra ele. Júris federais em Nova York descobriram que Trump abusou sexualmente de Carroll na década de 1990 e depois a difamou décadas depois quando ela tornou pública sua história. Trump recorreu de ambos os vereditos.

O caso de 6 de janeiro. Outra fonte de potencial responsabilidade civil decorre do papel de Trump em atiçar o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Polícias que foram feridos pela multidão e membros do Congresso processaram Trump por danos, alegando que tem responsabilidade legal pela violência.

Trump perdeu uma tentativa prolongada de rejeitar o caso por motivos de imunidade, mas ainda há questões complicadas decorrentes do seu estatuto como presidente na época que os tribunais devem resolver. O caso ainda está provavelmente a meses ou até anos de distância da resolução. Agora, Trump pode ter o poder de paralisar o litígio durante a duração de sua presidência.