IKEA vai pagar seis milhões de euros em indemnizações a vítimas de trabalho forçado na antiga RDA

O IKEA anunciou um pagamento histórico de 6 milhões de euros para um fundo governamental alemão destinado a compensar vítimas de trabalho forçado na antiga República Democrática Alemã (RDA). Esta iniciativa, inédita no setor empresarial, é a resposta da multinacional sueca a um histórico de exploração de prisioneiros políticos para a montagem de mobiliário e outros produtos, uma prática que se manteve até ao final da década de 1980. O pagamento foi saudado por organizações de vítimas, que esperam que outras empresas sigam o exemplo do IKEA.

Os relatos de trabalho forçado em fábricas que produziam bens para o IKEA vieram a público há mais de dez anos, após investigações dos media suecos e alemães. Posteriormente, a empresa encomendou um relatório independente, conduzido pela Ernst & Young, que concluiu que prisioneiros políticos foram de facto forçados a trabalhar para o fornecimento de mobiliário ao IKEA. Segundo o estudo, executivos da empresa estavam provavelmente cientes da utilização de detidos para suprir a falta de mão-de-obra barata.

Criação de fundo de compensação para vítimas

A decisão do IKEA de contribuir para o fundo de compensação ocorre numa altura em que o governo alemão, após anos de pressão de associações de vítimas, propôs a criação de um fundo de apoio para compensar os prisioneiros da ditadura da RDA. O parlamento alemão deverá votar nas próximas semanas a formalização do fundo, que poderá beneficiar até 2 mil pessoas com indemnizações médias de 3 mil euros cada, segundo estimativas de Evelyn Zupke, representante especial para as vítimas da RDA no parlamento.

Num comunicado divulgado esta semana, Walter Kadner, CEO do IKEA Alemanha, expressou o pesar da empresa: “Lamentamos profundamente que produtos para o IKEA também tenham sido produzidos por prisioneiros políticos na RDA. Desde a divulgação da situação, temos trabalhado para resolver esta questão e ajudar os afetados. Saudamos a criação do fundo e estamos satisfeitos por cumprir a nossa promessa”, disse Kadner à CNN Internacional.

O anúncio do IKEA resulta de anos de diálogo entre a empresa e a União das Associações de Vítimas da Ditadura Comunista (UOKG), que há décadas procura garantir justiça e apoio aos condenados injustamente pela RDA. Dieter Dombrowski, presidente da UOKG e ex-prisioneiro político, descreveu a decisão como “revolucionária” e salientou o respeito demonstrado pelo IKEA em relação às vítimas. “Depois de se saber que a empresa esteve envolvida em trabalho forçado nas prisões, o IKEA aceitou o nosso convite para dialogar. Juntos, percorremos o caminho da clarificação e o IKEA tratou os afetados com dignidade”, declarou Dombrowski.

A exploração de prisioneiros na antiga Alemanha Oriental tem raízes profundas no regime comunista da RDA, apoiado pela União Soviética entre 1949 e 1990. Durante décadas, a polícia secreta, a Stasi, suprimiu vozes de oposição ao partido único com prisões e sentenças duras, muitas vezes aplicadas a cidadãos por crimes menores contra o Estado. Os prisioneiros políticos eram enviados para fábricas, onde trabalhavam em condições deploráveis e sob o risco de castigos severos. As condições nos presídios incluíam penas de isolamento com restrições alimentares para aqueles que recusavam o trabalho, como explica o relatório da Universidade Humboldt publicado em abril de 2024.

Estima-se que, anualmente, entre 15 mil a 30 mil detentos foram obrigados a trabalhar em indústrias, incluindo empresas ocidentais que operavam em parceria com o regime. O estudo aponta que redes de distribuição, como Aldi, Otto e Quelle, também venderam produtos fabricados sob o sistema de trabalho forçado da RDA, e evidências indicam que supermercados e outros negócios ocidentais beneficiaram de mercadorias produzidas em prisões, como meias-calças, câmaras fotográficas e fitas cassetes.

O apelo a outras empresas para compensarem vítimas

Apesar do anúncio do IKEA, outras empresas mencionadas no relatório da Universidade Humboldt ainda não demonstraram intenção de seguir o exemplo. Zupke, representante das vítimas, expressou à DW a esperança de que o gesto do IKEA pressione empresas como a Aldi e Otto a considerarem a sua responsabilidade. A resposta da Aldi, no entanto, sugere o contrário, com um porta-voz da cadeia de supermercados a sublinhar que “dada a passagem de tempo, os detalhes dos acontecimentos já não podem ser clarificados de forma conclusiva”.

Dombrowski sublinhou a importância deste passo dado pelo IKEA para que outras empresas assumam responsabilidade. “Seguimos o caminho da transparência com o IKEA, e esperamos que outras empresas respeitem as vítimas de igual forma”, afirmou o líder da UOKG.

Evelyn Zupke enfatizou que o fundo governamental proporcionará justiça aos prisioneiros que sofrem até hoje com os traumas físicos e psicológicos do trabalho forçado. “Não podemos mudar o que os presos passaram, mas podemos dar-lhes o respeito e apoio que merecem hoje”, declarou Zupke. As associações esperam que esta decisão abra caminho para mais acordos de compensação, honrando aqueles que sofreram sob o regime da RDA e ajudando a encerrar um capítulo negro na história do pós-guerra europeu.

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