Julgamento do caso das golas antifumo arranca hoje (após vários adiamentos)
Deve iniciar-se hoje no Tribunal Central de Instrução Criminal o julgamento do controverso caso das golas antifumo, que conta com 19 arguidos, entre os quais se destacam o ex-secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, e o ex-presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), Mourato Nunes. Este processo, que envolve 14 pessoas e cinco empresas, incide sobre alegados crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder, crimes que vieram à tona após os incêndios devastadores de 2017. O começo do julgamento sofreu uma série de adiamentos nas últimas semanas.
O caso, que desencadeou uma crise política em 2019, culminou com demissões de altos cargos governamentais e foi visto como um símbolo de má gestão e corrupção nas esferas da proteção civil. A compra das polémicas golas antifumo inseriu-se no programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras”, lançado para melhorar a resposta às catástrofes florestais. O Ministério Público (MP) acusa os envolvidos de manipular o processo de contratação pública com o intuito de desviar fundos, originando um prejuízo estimado em 364.980 euros para o Estado.
Investigação e acusação
A acusação foi tornada pública pelo MP em julho de 2022, na sequência de uma investigação que revelou “ilegalidades com relevo criminal em vários procedimentos de contratação pública” no âmbito do referido programa, que foi parcialmente financiado pelo Fundo de Coesão da União Europeia. Em janeiro deste ano, a juíza Ana Margarida Correia validou integralmente a acusação, remetendo o caso para julgamento e rejeitando os argumentos de nulidade apresentados pela defesa.
Durante a fase de instrução, que decorreu em dezembro de 2023, a defesa tentou invalidar provas obtidas, nomeadamente a apreensão de correio eletrónico dos arguidos. No entanto, a juíza considerou que este material “não é prova proibida” e pode ser usado em tribunal. Entre outros aspetos, a magistrada considerou que os arguidos agiram com dolo, ocultando irregularidades nos procedimentos de contratação pública, o que constitui, segundo o MP, uma fraude na obtenção de subsídios.
Na audiência de instrução, o procurador David Aguilar sustentou a tese da acusação, afirmando haver indícios suficientes de que os arguidos conspiraram para assegurar que o processo de contratação fosse orientado a seu favor. Segundo Aguilar, essa manipulação permitiu aos envolvidos o acesso indevido a fundos comunitários, através de práticas que violaram as regras de transparência e imparcialidade.
Embora o MP tenha admitido inicialmente que os indícios contra José Artur Neves poderiam ser insuficientes, essa sugestão não foi acolhida pela juíza, que decidiu manter o ex-secretário de Estado como arguido. O procurador salientou a existência de um suposto conluio entre os arguidos, argumentando que este visava contornar os regulamentos em prol de interesses financeiros próprios e das empresas envolvidas.
Programa “Aldeia Segura” e impacto financeiro
O programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras”, desenhado para proteger as populações em áreas rurais vulneráveis a incêndios, foi implementado em resposta ao trágico verão de 2017, quando centenas de pessoas perderam a vida em fogos florestais em Portugal. No entanto, a compra das golas de proteção contra o fumo tornou-se alvo de escrutínio, quando se levantaram suspeitas de irregularidades no processo de aquisição, com produtos alegadamente ineficazes e aquisições feitas sem a devida transparência.
O MP considera que as ações dos arguidos, incluindo José Artur Neves e Mourato Nunes, causaram danos financeiros diretos ao Estado, com valores estimados em 364.980 euros. Este montante teria sido desviado em favor dos acusados e de empresas envolvidas no processo, uma situação que motivou a decisão do tribunal de avançar com o julgamento.