Um ‘cheirinho’ a Mussolini? Governo de Meloni cria programa de serviço civil agrícola voluntário para “reforçar o vínculo dos jovens com a terra”

O Governo de Giorgia Meloni, através dos ministros da Agricultura, Francesco Lollobrigida, e do Desporto, Andrea Abodi, anunciou a criação de um programa de serviço civil agrícola voluntário destinado a mil jovens entre os 18 e os 28 anos. A iniciativa, apresentada com orgulho pelos governantes na cimeira do G7 em Siracusa, Sicília, tem como objetivo “reforçar o vínculo dos jovens com a terra” e oferecer uma oportunidade de contribuir para o desenvolvimento das comunidades rurais do país. No entanto, a proposta tem sido alvo de intensas críticas, com acusações de exploração laboral e de nostalgia de práticas fascistas, que recordam políticas aplicadas durante o regime de Mussolini.

O programa oferece aos jovens uma remuneração de 507 euros mensais para trabalharem no campo durante um ano. Embora apresentado como uma oportunidade de “valorização das atividades rurais” e “desenvolvimento de novas competências no setor agrícola”, o valor proposto está significativamente abaixo do salário mínimo praticado no setor, o que levou a oposição e várias organizações sindicais a considerarem a iniciativa uma forma de “mão-de-obra ilegal de Estado” – uma referência à exploração ilegal de trabalhadores agrícolas, que em tempos passados eram recrutados à margem da lei, muitas vezes em condições desumanas.

Angelo Bonelli, porta-voz do partido Europa Verde, criticou abertamente a proposta: “Por detrás da retórica de ‘servir o país’ está uma realidade muito mais amarga: exploração disfarçada de oportunidade, com um salário de três euros por hora. Isto não é mais do que legalizar a mão-de-obra ilegal de Estado”, afirmou. Bonelli acusou ainda o governo de criar uma medida que poderá levar os jovens a condições de trabalho precárias e injustas, comparando o projeto às práticas de exploração laboral que se associam ao regime fascista italiano.

Recordações históricas e controvérsias políticas
As críticas à proposta de Lollobrigida não se limitam à questão salarial. A oposição vê no projeto uma tentativa de reintroduzir práticas que evocam o passado fascista de Itália. A expressão “regresso à terra sagrada” utilizada pelo ministro faz recordar, para muitos, a “batalha do trigo” promovida por Mussolini, em que o ditador tentava alcançar a autossuficiência agrícola do país. Elly Schlein, líder do Partido Democrático, comentou no Parlamento que “o governo de Meloni propõe às novas gerações uma ‘batalha do trigo’, pagando entre 3 e 6 euros por hora”, acrescentando que esta medida é “uma vergonha”.

A proposta também foi mal recebida pelos sindicatos, como o maior sindicato agrícola de Itália, FLAI CGIL, que a classificou como uma tentativa de legalizar a exploração num setor já vulnerável. Davide Fiatti, secretário nacional do sindicato, afirmou: “O trabalho agrícola deve ser reconhecido e valorizado, não reduzido a uma experiência de serviço civil que corre o risco de baixar ainda mais os níveis de remuneração já fracos no setor”. Fiatti lembrou ainda que a Constituição italiana garante o direito a uma remuneração adequada para assegurar uma vida digna, e que o projeto apresentado pelo governo vai contra esses princípios.

A proposta de Meloni surge num momento em que o governo italiano tem endurecido as suas políticas de imigração, o que tem afetado diretamente o setor agrícola, tradicionalmente dependente de mão-de-obra imigrante. O projeto de serviço civil agrícola é visto por muitos como uma tentativa de substituir esses trabalhadores por jovens italianos, numa altura em que as empresas agrícolas enfrentam escassez de mão-de-obra devido às restrições impostas à chegada de imigrantes.

O plano, que representa um investimento de sete milhões de euros, é ainda um projeto piloto, e a participação das empresas agrícolas é voluntária. Estas têm até 28 de novembro para se inscreverem e proporem projetos que possam beneficiar de trabalho juvenil. A seleção será feita por uma comissão interministerial, e os jovens que se voluntariarem trabalharão durante um ano no setor agrícola. A dúvida permanece se o programa será renovado no próximo ano ou se será uma experiência pontual.

Francesco Lollobrigida, o principal defensor do programa, desvalorizou as críticas, acusando os opositores de má fé. O ministro rejeitou as acusações de exploração, afirmando que o projeto visa apenas criar uma nova relação entre os jovens e a terra, promovendo o desenvolvimento rural. “O Estado quer valorizar estas atividades e oferecer aos jovens a possibilidade de contribuir para o crescimento das nossas comunidades rurais”, afirmou.

O documento oficial que define o projeto alude a objetivos amplos e ambiciosos, incluindo a erradicação da pobreza, a promoção da segurança alimentar, a melhoria da nutrição e a luta contra as alterações climáticas. No entanto, críticos consideram que estas metas são irrealistas face à remuneração proposta e às condições de trabalho previstas.

Para além das questões salariais e ideológicas, há também preocupações quanto à segurança dos jovens envolvidos no projeto. O setor agrícola italiano é conhecido por registar uma elevada taxa de acidentes de trabalho, e há receios de que a inexperiência dos jovens voluntários possa aumentar esse risco. As associações sindicais têm alertado para a possibilidade de o programa ser utilizado para substituir trabalhadores agrícolas regulares por mão-de-obra mais barata, o que, segundo eles, representa uma ameaça para a dignidade do trabalho agrícola em Itália.

Com o arranque do projeto previsto para os próximos meses, resta saber como será recebido pelos jovens e pelas empresas, e se o Governo de Meloni conseguirá transformar esta iniciativa num pilar do seu programa de soberania alimentar, ou se as críticas acabarão por fazer naufragar o projeto.

Ler Mais



Comentários
Loading...