Revolução na ‘capoeira’: Sistema inovador permite criação de pintos em ovos sem casca

Um grupo de cientistas atingiu uma meta há muito procurada na biologia do desenvolvimento avícola: desenvolver um sistema capaz de incubar ovos sem a tradicional casca opaca. Esta descoberta permite a observação do desenvolvimento embrionário de galinhas domésticas (Gallus domesticus) desde os estágios iniciais até à eclosão, algo que antes era impossível devido à opacidade da casca do ovo. Com este novo método, foi possível assistir ao desenvolvimento completo dos embriões e, de forma surpreendente, vários pintos cresceram e tornaram-se galinhas normais.

A equipa de investigação, liderada pelo cientista veterinário Katsuya Obara, da Universidade de Ciência de Okayama, e pela sua colega Chizuka Obara, desenvolveu este sistema de incubação sem casca de ovo, também conhecido como SLCS (do inglês shell-less culture system). Durante décadas, cientistas tentaram criar um método eficaz para observar o desenvolvimento dos embriões de aves fora das cascas, mas enfrentaram vários obstáculos. Um método promissor foi descrito pela primeira vez em 2014, permitindo que os embriões se desenvolvessem dentro de um ovo por três dias antes de serem transferidos para um recipiente de cultura protegido por uma película de polímero transparente. No entanto, esse sistema apresentou falhas: os pintos não conseguiam desenvolver-se de forma normal, e a taxa de eclosão era extremamente baixa.

A equipa de Obara identificou um dos principais problemas no desenvolvimento dos embriões: a membrana vitelina que protege o blastoderma (camada de células em torno do embrião) secava durante o processo de incubação, impedindo o desenvolvimento normal. Para resolver este problema, os investigadores colocaram o recipiente de cultura numa plataforma rotativa que gerava movimento constante, permitindo um fluxo contínuo de albumina, evitando que a membrana secasse.

A velocidade de rotação revelou-se crucial. Foram testadas três velocidades diferentes: 6, 10 e 28 rotações por minuto. A 6 rotações por minuto, a taxa de sobrevivência foi a mais alta, mas os embriões apresentavam atrasos no desenvolvimento. A 10 rotações por minuto, a taxa de sobrevivência era ligeiramente mais baixa, mas os embriões desenvolviam-se de forma mais normal. No entanto, a 28 rotações por minuto, todos os embriões apresentavam anomalias fatais ao fim de 10 dias. O ritmo de 10 rotações por minuto foi identificado como o ideal, proporcionando uma boa taxa de sobrevivência e desenvolvimento.

Ajustes adicionais e resultados surpreendentes
Para otimizar ainda mais o processo, os cientistas adicionaram oxigénio aos embriões em diferentes momentos após o décimo dia de incubação. Embora fosse necessário suplementar com oxigénio, verificou-se que o momento exato dessa adição não influenciava significativamente o desenvolvimento do embrião. Além disso, foram feitas experiências com a adição de pó de carbonato de cálcio, o mesmo material de que as cascas dos ovos são feitas.

Um outro ajuste foi a implementação de movimentos adicionais da cultura, realizados manualmente pelos cientistas entre três a cinco vezes a cada três a dez horas, nas primeiras 24 a 48 horas de cultura. Esta técnica resultou na maior taxa de eclosão de pintos normais. A uma velocidade de 10 rotações por minuto, com a adição de oxigénio, a taxa de eclosão foi de 3,3%. Quando foram adicionados os movimentos manuais, a taxa de eclosão aumentou para 10,5%.

Esta inovação abre novas possibilidades no campo da biologia do desenvolvimento. Segundo os investigadores, “o desenvolvimento de sistemas SLCS visíveis abre novas possibilidades ao facilitar a monitorização em tempo real dos resultados fenotípicos de tratamentos experimentais através de um filme plástico transparente, desde os embriões em estágio de blastoderma até à eclosão”. Os cientistas acreditam que este sistema será uma ferramenta valiosa em várias áreas, incluindo toxicologia, investigação com células estaminais, bioimagem e medicina regenerativa.

Uma das galinhas que eclodiu a partir deste sistema foi mantida sob observação durante um ano e posteriormente dissecada, confirmando-se que o seu desenvolvimento era completamente normal. Os resultados foram publicados na revista Scientific Reports, e representam um avanço significativo no estudo do desenvolvimento embrionário das aves, oferecendo uma nova perspetiva para uma série de disciplinas científicas.

Este sistema poderá também permitir um estudo mais aprofundado dos impactos ambientais e de outras variáveis no desenvolvimento das aves, algo que até agora estava limitado pela opacidade das cascas de ovo. Além disso, abre caminho para potencialmente reduzir a dependência de ovos de galinha em algumas áreas da investigação científica, uma vez que agora é possível criar embriões fora da casca tradicional.

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