A próxima pandemia vai “apanhar-nos a dormir desprevenidos”. OMS alerta que, 5 anos após a Covid, não estamos mais preparados

Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um novo alerta sobre a vulnerabilidade do mundo a futuras pandemias, sublinhando que, apesar dos avanços científicos e tecnológicos desde a pandemia da covid-19, a preparação global ainda é insuficiente. O Conselho de Monitorização da Preparação Global (GPMB), organismo criado pela OMS e pelo Banco Mundial, avisa que a humanidade está longe de estar preparada para enfrentar novas ameaças pandémicas, sendo a desinformação, a desigualdade e a falta de confiança nas instituições alguns dos maiores problemas.

O relatório do GPMB, divulgado estas egunda-feira, identifica vários surtos recentes – como o do vírus de Marburgo, a mpox (anteriormente conhecido como varíola dos macacos) e novas variantes da gripe das aves – como exemplos da persistente vulnerabilidade global. Só em 2024, registaram-se 17 surtos de doenças altamente perigosas, incluindo o reaparecimento da poliomielite na Faixa de Gaza, o que levanta preocupações adicionais.

De acordo com o relatório, os principais fatores que podem contribuir para o surgimento de novas pandemias incluem a desinformação disseminada pelas redes sociais, a globalização e a intensificação das práticas agrícolas. Estes aspetos, segundo o GPMB, “estão a aumentar rapidamente” e são os mais prováveis impulsionadores de novos surtos e epidemias a nível mundial.

A ex-presidente da Croácia, Kolinda Grabar-Kitarović, e a ex-ministra da Saúde do Botswana, Joy Phumaphi, que lideram o GPMB, destacam no relatório a importância de medidas proativas, afirmando que “a próxima pandemia não vai esperar que aperfeiçoemos os nossos sistemas de saúde”. Phumaphi apelou ao investimento em cuidados de saúde primários mais resilientes e equitativos, de forma a enfrentar os desafios futuros com maior eficácia.

Desinformação e falta de confiança nas instituições são ameaças

Um dos temas centrais do relatório é a crescente desconfiança nas instituições e nos governos, um problema que se agravou durante a pandemia da covid-19. A desinformação, alimentada pelas redes sociais, desempenha um papel crucial ao minar a confiança pública nas respostas de saúde pública, o que pode prejudicar a eficácia das medidas implementadas para conter surtos.

Estudos recentes revelaram que uma parte significativa da população, inclusive em países desenvolvidos, ainda acredita que a pandemia de covid-19 foi uma farsa. Em 2023, por exemplo, cerca de 25% dos britânicos afirmaram acreditar que a covid-19 era uma invenção, um dado preocupante que ecoa noutras regiões do mundo.

No contexto da preparação para futuras pandemias, o GPMB sublinha a necessidade de reconquistar a confiança do público. “A única forma de reconstruir essa confiança é tomar medidas que mostrem que podemos trabalhar juntos de forma equitativa como comunidade global”, disse Phumaphi.

As desigualdades agravam a vulnerabilidade mundial

A desigualdade social e económica é outro fator identificado como um amplificador de riscos pandémicos. A falta de acesso a cuidados de saúde de qualidade em muitos países, bem como a marginalização de certas populações dentro de países mais desenvolvidos, expõe vulnerabilidades que podem ser exploradas por surtos de doenças.

O relatório sugere que as desigualdades no acesso a vacinas e tratamentos durante a pandemia da covid-19 – e mais recentemente no surto de mpox – evidenciam como a resposta global a crises sanitárias está desequilibrada. Nos países em desenvolvimento, a falta de contramedidas médicas continua a alimentar a desconfiança nas autoridades de saúde, perpetuando um ciclo de vulnerabilidade.

Para mitigar esses riscos, o GPMB defende a implementação de avaliações regulares de risco e o investimento em estratégias de preparação que identifiquem ameaças antes de se tornarem problemas globais. O foco deve estar, principalmente, no fortalecimento dos sistemas de saúde dos países mais pobres, que muitas vezes ficam aquém das necessidades básicas durante crises sanitárias.

Urbanização e práticas agrícolas intensivas aumentam o risco

O aumento da urbanização e da agricultura intensiva também é destacado como um fator importante no surgimento de novas pandemias. A criação de gado em larga escala e o comércio de animais vivos, combinados com a crescente concentração de pessoas em áreas urbanas, criam condições propícias para a propagação de doenças zoonóticas – aquelas que saltam de animais para humanos.

A gripe das aves H5N1, que continua a infetar seres humanos nos Estados Unidos, e o surto de Marburgo em África, que tem uma taxa de letalidade de até 88%, são exemplos recentes de como a interação entre humanos e animais pode gerar novas ameaças pandémicas. “Padrões de vida em mudança e a invasão contínua das atividades humanas em ambientes naturais estão a alterar o panorama de riscos globais, tornando o surgimento de novos patógenos mais provável”, alerta o relatório.

O Mundo não está preparado para uma nova pandemia

Apesar dos avanços feitos na sequência da pandemia de covid-19, como a criação de quadros internacionais para respostas a emergências de saúde, o GPMB adverte que o mundo não está pronto para uma nova pandemia. “A humanidade está melhor equipada do que nunca para conter surtos na sua origem”, afirmam os autores do relatório, “mas, apesar dessas melhorias, há uma grande probabilidade de que a próxima pandemia apanhe o mundo  a dormir, desprevenido”.

Entre as recomendações do GPMB estão a necessidade de dar prioridade a perfis e avaliações de risco mais abrangentes, que incluam fatores como o impacto das alterações climáticas e os conflitos regionais, além de destacar a importância da equidade nos planos de preparação, garantindo que as populações mais vulneráveis tenham acesso a vacinas e tratamentos.

Joy Phumaphi sublinhou ainda que a preparação para pandemias exige uma mudança audaciosa na abordagem global. “O mundo não está preparado para a próxima pandemia. África não está preparada, a Europa não está preparada, as Américas não estão preparadas, a Oceânia não está preparada e a Ásia não está preparada”, afirmou durante uma conferência de imprensa antes da publicação do relatório.

Ler Mais



Comentários
Loading...