Médicos criam espécie de ‘calculadora’ que prevê em quantos dias pode morrer uma pessoa com cancro. Mas dilemas éticos ‘assombram’ a descoberta

Uma equipa de médicos espanhóis desenvolveu uma nova ferramenta que promete revolucionar a forma como se avalia o prognóstico de pacientes com cancro metastático. A chamada PROMISE Score é uma “calculadora” que prevê a probabilidade de morte nos 90 dias seguintes à admissão hospitalar, permitindo aos profissionais de saúde ajustar os tratamentos de acordo com as expectativas do paciente. Contudo, o avanço tecnológico levanta questões éticas, nomeadamente sobre até que ponto é útil ou aconselhável partilhar estas previsões com os doentes.

A ideia surgiu de Oriol Mirallas, médico do serviço de Oncologia Médica do Hospital Vall d’Hebron, em Barcelona. Durante o seu segundo ano de residência, Mirallas, que antes de estudar Medicina se formou em Bioquímica, começou a questionar a agressividade dos tratamentos aplicados aos pacientes oncológicos. “Estávamos a fazer mais do que devíamos, e muitas vezes sem trazer benefícios reais para os doentes”, explicou o médico ao jornal El Español. Essa constatação levou-o a criar a PROMISE Score, uma ferramenta que, baseada em dados de mais de 1.000 pacientes com cancro metastático, prevê a probabilidade de mortalidade num curto prazo.

Os resultados desta investigação foram publicados na prestigiada revista médica The Lancet, um feito que reforça a importância da ferramenta para colmatar uma lacuna na prática clínica. Até agora, os médicos tinham de extrapolar dados de pacientes ambulatoriais para prever o prognóstico de pacientes hospitalizados, o que nem sempre resultava em avaliações precisas. Com a PROMISE Score, essas previsões tornam-se mais fiáveis e permitem um ajustamento mais adequado das terapias.

A ferramenta foi validada em três hospitais espanhóis – Vall d’Hebron, Hospital del Mar e Hospital de Sant Pau – e já há acordos em curso para testar a sua eficácia a nível internacional, de modo a confirmar se os dados podem ser aplicados a outras populações. Caso os resultados se confirmem, a PROMISE Score será integrada no critério clínico de cada médico.

Apesar da precisão da ferramenta, o uso da PROMISE Score levanta questões éticas complexas. A decisão de partilhar as previsões de mortalidade com o paciente é uma escolha delicada que ficará, em última instância, a cargo de cada médico. Mirallas admite que não seria favorável a partilhar essa informação: “Se eu disser a alguém que tem 95% de probabilidade de morrer, talvez não seja o melhor dado a ser partilhado”, afirmou. De acordo com o médico, a reação dos pacientes pode variar: alguns preferem saber todos os detalhes, enquanto outros optam por desconhecer a gravidade da sua situação.

Por outro lado, Pedro Pérez Segura, chefe do Serviço de Oncologia Médica do Hospital Clínico San Carlos e membro da Fundação ECO, acredita que a ferramenta pode ser útil, especialmente para identificar quais os pacientes que poderão beneficiar de tratamentos ativos e quais os que deverão receber cuidados paliativos. Pérez Segura, que não participou no desenvolvimento da PROMISE Score, defende que “o paciente é o primeiro interessado em não perder tempo”.

A ferramenta pode também confirmar as suspeitas que os médicos já tinham em relação a certos casos. Por exemplo, se um paciente com cancro do pâncreas chega ao hospital com um peso muito reduzido, a PROMISE Score poderá apenas confirmar um risco elevado de mortalidade, reforçando as impressões clínicas dos profissionais. No entanto, os criadores da ferramenta sublinham que ela não deve ser vista como um meio de decidir o destino do doente.

Berta Martín Cullell, oncologista do Hospital de Sant Pau e uma das investigadoras envolvidas no estudo, reforça que o principal objetivo da PROMISE Score é identificar os pacientes que podem ter um prognóstico suficientemente favorável para justificar tratamentos mais agressivos. “Serve para mostrar que nem todos os tumores são iguais”, explica. Para isso, a ferramenta classifica os pacientes em três categorias de risco – baixo, intermédio e alto – evitando assim que sejam aplicados tratamentos excessivos a doentes com poucas probabilidades de sobrevivência.

A aceitação e o uso generalizado da PROMISE Score dependerão da sua capacidade de produzir previsões que se alinhem com a realidade clínica. Para isso, é necessário continuar a recolher dados de populações diversificadas, e os investigadores estão otimistas de que os resultados até agora obtidos serão replicados em futuros estudos.

Ao mesmo tempo, os médicos que optarem por utilizar a ferramenta terão de lidar com as implicações emocionais e éticas que surgem ao comunicar tais previsões. Embora a PROMISE Score possa ajudar a evitar tratamentos invasivos e desnecessários em pacientes de alto risco, a forma como essa informação será gerida é um dilema que continua a ser debatido.

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