“A nossa essência é vender automóveis”, sublinha António Coutinho, CEO do Grupo MCoutinho

A expansão do Grupo MCoutinho foi reforçada com a entrada no mercado de Lisboa, em 2021, ano em que afirmou o posicionamento da empresa a nível nacional, depois da aquisição da Lisboa Oriente e da Louresfor, num investimento na ordem dos 5,5 milhões de euros. No seguimento desta operação, bem como do reforço da parceria estratégica com a Stellantis, a MCoutinho Lisboa ampliou o seu portefólio em 2023, incorporando as marcas de prestígio Alfa Romeo e DS, além da inclusão da Opel e da Spoticar.
Recorde-se também que, em 2023, o Grupo MCoutinho adquiriu a empresa Bomcar, com duas localizações das marcas BMW, Mini e MG em Leiria e Coimbra. O processo garantiu, igualmente, a entrada estratégica do grupo no mercado dos motociclos com a BMW Motorrad, a KTM e a Husqvarna, aumentando, assim, o portefólio de insígnias da empresa. 
Sublinha-se ainda que, já este ano, o Grupo MCoutinho abriu as portas do novo concessionário Mercedes-Benz em Penafiel, representando um investimento de sete milhões de euros, reforçando a oferta no segmento premium. Em entrevista à Executive Digest, António Coutinho, CEO do Grupo, explica como a empresa se consolidou como um dos principais players do mercado automóvel português.

Como nasceu o grupo MCoutinho, hoje um dos grandes grupos empresariais do sector automóvel nacional?
O meu pai fundou o grupo MCoutinho em 1956, numa época em que os mercados eram bastante diferentes, e começou por ser agente do Palácio Ford, uma empresa importante. Vendia carros dentro da nossa região (Marco de Canaveses) e a ideia dele era granjear respeito e valores entre os clientes. A seguir, em 1962, conseguiu ficar com o concessionário da Morris e três anos mais tarde da Peugeot. Fez um bom trabalho, demos passos curtos e fomos crescendo – primeiro de concelho para concelho, depois para Vila Real, Bragança e Porto. As dificuldades eram muitas nessa altura, a nível de logística, colaboradores ou liquidez. A banca também era muito diferente e foi preciso andar pé ante pé para termos as marcas connosco. 

Os vossos clientes recorriam normalmente ao crédito?
Sim, fiz muitas letras para o meu pai numa máquina que tinha um tambor. Depois íamos aos bancos, descontávamos as letras, e esperávamos cerca de um mês. Os mercados eram muito difíceis. A forma como o meu pai sempre esteve presente no negócio, a visão dinâmica e o respeito pelo cliente foi fundamental para o crescimento sustentado da empresa. Sempre nos passou essa cultura e ainda hoje o Grupo é assim. Temos os nossos clientes internos (os nossos colaboradores)  e os externos, a forma como olhamos para as pessoas. 

Depois de terminar os estudos começou logo a trabalhar no Grupo?
Adoro automóveis. Sempre dei comigo a falar de carros. Quando fui para a Faculdade, não quis acabar o curso (Engenharia Mecânica). Entrei no Grupo com 20 anos, agora tenho 62. Fiz de tudo um pouco, desde caixeiro a recepcionista e passei por todas as fases de transformação da empresa. 

Está hoje em praticamente todas as áreas de negócio e, em muito casos, com uma abordagem inovadora. Como é que lançaram o conceito multimarca?
O meu pai foi sempre uma pessoa muito atenta a tudo o que se passava à sua volta e isso permitiu-lhe perceber muito cedo aspectos deste negócio. Fizemos nascer várias coisas pelas dimensões das nossas regiões, que eram muito pequenas. Não iríamos sobreviver senão tivessemos mais marcas em Marco de Canavezes, Amarante, Paredes ou Penafiel. Para termos mais negócio teríamos também de ter mais marcas e fomos igualmente pioneiros nisso.

E nos anos 90, uma nova estratégia, a especialização do negócio…
Precisámos de concentrar esses negócios para termos mais negócio. Porque senão teríamos muitos custos, por exemplo uma
unidade de colisão da marca A, outra da marca B ou da marca C.  Por isso, em 1991, fomos o primeiro Grupo a separar a área
da colisão das concessões pois já nessa altura percebemos que a colisão e a venda de automóveis deveriam ter formas diferenciadas de olhar o cliente.  Na mesma lógica, especializamos o negócio de usados e, mais tarde, criámos a MCoutinho
Peças porque percebemos que os nossos clientes, além de nos comprarem os automóveis, também queriam que os assistíssemos e reparássemos. Fomos o primeiro Grupo em Portugal a fazermos estes projectos e a termos a mesma denominação comercial para todas as empresas. Hoje, o nosso principal desafio é como conseguimos criar sinergias para os nossos clientes. 

Outra ferramenta fundamental na vossa estratégia é a Academia de Formação, que proporciona formação nas áreas técnicas e da gestão?
Esta área da formação vive connosco, seja pela parte tecnológica, que é o desafio tecnológico dos automóveis, mas também a capacidade dos nossos vendedores estarem sempre a evoluir porque o negócio muda por várias razões: pela transformação digital que aconteceu, a evolução para um canal digital, o olhar para o cliente de forma diferente, pois entra mais pela via digital do que pela porta do stand. Para criarmos o nosso ADN temos de aculturar as pessoas e usar todos a mesma comunicação. 

O perfil do cliente tem vindo a mudar ao longo dos anos?
Bastante. Todas as novas gerações obrigam-nos a mudar. Hoje, os mais novos, preferem menos posse e mais utilização. O mercado está a mudar e nós estamos a adaptar-nos. No entanto, isto também depende das cidades. Tem de haver um processo intermodal, ou seja, o que pode existir entre o automóvel, a mota, o comboio, a bicicleta, o autocarro, mas este processo tem que melhorar. As pessoas querem mudar mas, muitas vezes, têm esses problemas. Temos a noção de que no futuro vamos vender menos automóveis e temos de adaptar o nosso negócio para ter mais serviços diferenciados para os clientes, porque o sector não vai continuar como no passado. 

O sector automóvel vive uma transição para a mobilidade eléctrica. Qual é o posicionamento do Grupo MCoutinho relativamente a este desafio?
A MCoutinho Mobility está a dar os primeiros passos, que é termos soluções de aluguer para os nossos clientes, dentro dos carros eléctricos, híbridos ou de combustões baixas. Temos soluções de ter o carro por “assinatura”, ou seja, usufruir do carro quando quiser utilizar. Até há cinco ou seis anos vivíamos muito da venda. Hoje, temos de ter soluções diferenciadas para os mais jovens. Estamos neste processo de aprendizagem e a dar os primeiros passos. 

Como tem sido a evolução na venda de viaturas eléctricas?
Veio a crescer até ao ano passado e agora estabilizou. Tivemos inflação, aumento das taxas de juro e as pessoas pegaram no seu dinheiro e colocaram na habitação. Deixaram o automóvel para o ano seguinte e tomaram decisões diferenciadas. 

Este é um negócio de inovação constante?
O negócio mudou muito, desde a transformação digital à inteligência artificial (IA). Antigamente, fazíamos uma campanha de marketing massivo e, actualmente, cada cliente é um cliente. A IA vai ajudar-nos muito naquilo que é a relação entre o cliente, o carro e o fornecedor. E depois terá de haver a inteligência humana, para que existam valores na aplicabilidade da IA. É um grande passo que se vai dar no sector automóvel, seja na conectividade dos carros com as pessoas ou as cidades. Acredito que os automóveis vão ser diferentes no futuro. Desde que as cidades estejam preparadas, os automóveis vão chegar às nossas oficinas sozinhos. É algo que está a ser testado, não é ficção. 

Qual o peso da facturação nas várias áreas de negócio especializadas?
Temos muito respeito por três áreas bastante importantes: peças, onde somos o maior player de peças originais no País, um negócio montado há 25 anos e absolutamente pioneiro, na colisão onde o Grupo faz 25 mil reparações e a parte de manutenção. Temos uma abordagem diferenciada porque o sector vai transformar-se e é fundamental estarmos  menos dependentes dos carros novos e mais dependentes dos nossos clientes. 

A expansão do Grupo MCoutinho foi reforçada com a entrada no mercado de Lisboa, em 2021. Que balanço faz até ao momento?
Lisboa é um mercado que vale 35% e não podíamos deixar de estar cá pela importância no processo de ligação aos
nossos clientes. Estamos muito satisfeitos com o mercado, as marcas e os negócios. É muito menos relacional, mas a forma como chegámos a Lisboa, com as nossas instalações e serviços, foi muito importante para sermos um player nacional. 

Actualmente, ainda recebe muitos telefonemas de clientes?
Todos os dias. Os clientes também ligam para mim porque querem um carro novo, usado ou até para oferecerem aos filhos. Somos mesmo vendededores de automóveis, a nossa essência é vender automóveis. Quando nos quisermos afastar do negócio vamos ter todos um problema. Se acharmos que o Grupo cresceu e já não iremos ter tempo para os nossos clientes então não devemos estar neste negócio.

O que espera para 2024?
Vamos crescer, mas este ano é para estabilizar. O Grupo mudou um pouco o seu setup nos últimos quatro anos, passámos de 700 pessoas para 1400 pessoas. Acho que é um momento para respirarmos, no sentido de nos organizar. Esta aculturação é importante, estamos sempre abertos a ouvir novas oportunidades. Temos de ter a capacidade de parar e também crescer de forma orgânica.

Já pensou na expansão do negócio para outras geografias, além de Portugal?
Sim, mas continuo a achar que há muito mercado em Portugal para crescermos. Não é daquelas coisas que me seduz. Por exemplo, o sector em Portugal é completamente diferente do de Espanha. A minha ambição não é o tamanho, mas sim a qualidade e a relação com os clientes. Gostávamos de ser os melhores, de ser reconhecidos como um grupo automóvel profissional e que tem para o cliente a sua melhor experiência.

Qual é a sua filosofia de Gestão?
Sou muito de proximidade, de pormenor, de rigor. Acho que a diferença nos negócios faz-se pelo pormenor. Gosto de
perceber o que se está a passar, conheço bem o negócio de ponta-a-ponta, os indicadores, as pessoas. A confiança é um valor importante, gosto de dar autonomia e responsabilidade total às pessoas.