Covid-19 longa: 60% dos doentes com sintomas nove meses depois de terem a doença, mostra novo estudo

A Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade NOVA de Lisboa apresentoa hoje os resultados do projeto LOCUS (LOng Covid – Understanding Symptoms, Events and Use of Services in Portugal). O estudo, que visa contribuir para a compreensão da COVID longa em Portugal, revela que muitas pessoas continuam a enfrentar dificuldades no acesso aos serviços de saúde, mesmo após quase dois anos do início da pandemia, devido à complexidade e diversidade de sintomas associados à condição pós-COVID-19.

De acordo com os dados do estudo, cerca de 60% das pessoas reportam sintomas de COVID longa nove meses após terem sido infetadas. Ao fim de 12 meses, esse número diminui para 40%, mas ainda assim representa uma fatia significativa da população afetada. Estes sintomas, que incluem dor nas articulações, dificuldades respiratórias e problemas neurocognitivos, são mais frequentes em mulheres e em pessoas mais velhas.

“O acesso ao sistema de saúde, especialmente para aqueles que lidam com essas condições prolongadas, permanece um desafio, tanto em termos de tempo de espera, como da estruturação dos próprios serviços, uma vez que o espetro de manifestações desta condição é muito alargado”, explicou Andreia Leite, professora da ENSP NOVA e investigadora responsável do estudo.

Um dos principais problemas identificados pelo projeto LOCUS é a dificuldade no acesso ao sistema de saúde por parte das pessoas com COVID longa, especialmente aquelas que experienciaram sintomas mais ligeiros ou moderados durante a fase aguda da infeção. “As pessoas que passaram por infeção ligeira ou moderada, ou que experienciam sintomas pós-COVID com menos impacto, reportaram uma maior dificuldade em entrar no sistema”, sublinha o relatório. O tempo de espera para atendimento e a falta de respostas concretas para as queixas dos pacientes são apontados como barreiras adicionais, em parte devido à inespecificidade de muitos dos sintomas e à escassez de opções terapêuticas.

Curiosamente, o estudo também registou que algumas pessoas que acreditam não ter tido COVID-19 apresentam sintomas semelhantes aos associados à COVID longa. Segundo os investigadores, tal pode dever-se a uma falta de diagnóstico ou ao impacto mais amplo da pandemia na saúde geral da população.

Impacto cardiovascular e respiratório após hospitalização

O estudo LOCUS também acompanhou doentes hospitalizados por COVID-19 e identificou que, um ano após a hospitalização, 35 em cada 1000 pessoas registaram um novo evento cardíaco ou vascular. A incidência foi maior em doentes com historial de problemas cardiovasculares, enquanto aqueles que já estavam vacinados apresentaram menor risco. No que diz respeito a problemas respiratórios, 44 em cada 1000 pessoas que tinham sido internadas por COVID-19 reportaram eventos relacionados com dificuldades respiratórias um ano após a infeção, com maior frequência entre os pacientes com condições respiratórias pré-existentes ou que tiveram uma forma grave da doença.

Além de avaliar os pacientes, o estudo incluiu as perspetivas dos profissionais de saúde que lidam com estes casos. Estes relatam a necessidade de uma resposta mais estruturada e eficiente por parte do sistema de saúde, sobretudo no que toca aos casos de COVID longa. Contudo, reconhecem que, apesar das dificuldades, os doentes que enfrentaram formas mais graves da doença durante a fase aguda têm conseguido um acesso relativamente mais facilitado aos cuidados de saúde. Andreia Leite reforça a importância de continuar a investigar o impacto da pandemia e de procurar soluções para melhorar o atendimento: “Os resultados do nosso trabalho reforçam a necessidade de continuarmos a perceber o impacto que a pandemia teve em várias dimensões, nomeadamente procurando o desenvolvimento de respostas atempadas em termos do sistema de saúde”.

O LOCUS é um projeto de investigação apoiado pela Pfizer, que conta com a colaboração de várias entidades, incluindo a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS LVT), a Nova Medical School e a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI). O objetivo é compreender a dimensão da COVID longa em Portugal, identificar as características dos doentes afetados e explorar as suas experiências, tanto em casos hospitalizados como naqueles acompanhados na comunidade.

Com base em metodologias abrangentes, o estudo avalia três vertentes principais: eventos graves em doentes hospitalizados, sintomas ligeiros entre casos comunitários e as experiências dos doentes e profissionais de saúde que lidam com a condição.

A COVID longa, ou condição pós-COVID-19, afeta as pessoas que experienciaram sintomas da infeção inicial, podendo manifestar-se até três meses após a fase aguda e persistir por pelo menos dois meses. A ENSP identificou mais de 50 sintomas relacionados com esta condição, sendo os mais frequentes o cansaço extremo, dificuldades respiratórias, perda de olfato e paladar, dores de cabeça, dor torácica e problemas de concentração e memória. O impacto na qualidade de vida dos pacientes é significativo e, como tal, a ENSP alerta para a necessidade de respostas ajustadas à realidade multifacetada desta condição, que vão desde a auto-gestão até ao acesso a cuidados especializados.

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