Vamos lá ver se nos entendemos…

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Têm vindo a lume várias opiniões e discussões sobre questões relacionadas com a implementação das energias renováveis, umas de carácter mais técnico, outras de carácter mais ideológico, usualmente apontando para aspetos negativos.

Nesse âmbito refiro aqui um artigo publicado na Nature Briefing, em agosto passado que menciona o caso de muitos países que usam péletes de resíduos lenhosos para produzir eletricidade, dizendo que isso pode prejudicar o planeta e as comunidades locais. É referido nesse artigo que a queima de biomassa sólida para gerar eletricidade emite grandes quantidades de dióxido de carbono (e de NOx e de partículas). Salienta ainda a existência de 500 personalidades que escreveram ao atual presidente americano pedindo-lhe para não apoiar este tipo de atividade, argumentando que isso prejudica a biodiversidade e aumenta as emissões de dióxido de carbono.

É também referido que os residentes que vivem perto destas centrais são afetados pela poluição do ar e pelo ruído. Efetivamente isso acontece, mas não é uma prerrogativa apenas deste tipo de atividade, pois muitas outras atividades industriais provocam transtornos semelhantes, havendo que os obviar tecnicamente e afastar as novas centrais de locais habitados.

Inclusivamente alguns autores mencionam que em estudos do ciclo de vida os efeitos de usar madeira em vez de carvão para gerar eletricidade pode aumentar o dióxido de carbono gerado, parecendo esquecer que a utilização do carvão só aumenta a quantidade deste gás na atmosfera, não podendo haver qualquer contributo posterior para a sua “remoção” via replantação. Eventualmente poderá haver um aumento inicial de emissões, que será mitigado ao longo do tempo.

Em relação à biodiversidade, se for só usado material residual e se houver replantação de forma adequada, esta não deverá ser muito afetada. Por outro lado, quanto à libertação de dióxido de carbono por combustão da madeira, há que ter em conta que, se esta madeira residual não for queimada para aproveitamento energético, esta será deixada a degradar-se o que produzirá no final do tempo necessário para tal a mesma quantidade de dióxido de carbono mas sem aproveitamento energético! Sendo certo que a combustão provoca essa libertação de forma rápida e a decomposição da matéria orgânica é mais demorada. Por outro lado, o princípio de que o carbono emitido pela queima será sequestrado pelo crescimento das plantas replantadas, tem alguma oposição pelo facto de isso demorar tempo. Porém é também verdade que é nos primeiros anos de vida das árvores que estas têm um maior crescimento biomássico, retendo mais “vorazmente” carbono, relativamente a árvores adultas. Assim, uma eventual medida a tomar, para compensar estes senãos, seria a obrigatoriedade de replantar X vezes o equivalente ao material queimado.

Por exemplo, tendo como base também um artigo de 2021, sobre a decomposição de madeira morta nas florestas, refere-se que esta desempenha vários papéis vitais nos ecossistemas florestais e à medida que se decompõe também contribui para o ciclo de nutrientes do solo e não só. No entanto também nessa decomposição há carbono libertado, indo uma parte para o solo e outra para a atmosfera. Para além do acrescido risco de incêndio. Foi calculado que toda a madeira morta do mundo armazena 73 mil milhões de toneladas de carbono sendo cerca de 15%, cerca de 11 mil milhões de toneladas que são libertadas a cada ano para a atmosfera. O que representava à data um pouco mais do que as emissões derivadas dos combustíveis fósseis! E, mais uma vez, sem aproveitamento energético. Salienta-se ainda que a taxa de decomposição da madeira depende fortemente do clima e da biodiversidade existente, aumentando com o aumento da temperatura. Essa taxa é de mais de 28% nas regiões tropicais e de mais de 6% nas regiões temperadas/frias. Portanto, as alterações climáticas tenderão a aumentar essa taxa de decomposição.

E já que estamos a falar de biodiversidade, vou abordar também aqui o caso das instalações fotovoltaicas. Muita gente se refere a estas como poluidoras visuais, que fazem a ocupação do solo necessário à agricultura etc.. No entanto há soluções adequadas como o caso do agrivoltaico (sobre o qual já aqui me debrucei em maio de 2023 https://executivedigest.sapo.pt/opiniao/a-ag-tech-de-agri-pv/ ).

Estudos divulgados em 2022, demonstram que, ao contrário do que se pensa, estas instalações podem promover abrigo à vida selvagem, promover locais de reprodução e até ajudar a regenerar o solo. Fala-se muito na polinização e no desaparecimento das abelhas polinizadoras. A agricultura intensiva provoca esse efeito. Por isso, as quintas solares poderão promover a sua recuperação. Vários estudos referem que estas instalações aumentaram a diversidade das plantas existentes encorajando o aparecimento de insetos polinizadores. Houve inclusivamente um estudo de 2016 que demonstrou que as quintas solares tinham mais espécies de plantas, insetos e aves do que terras agrícolas equivalentes. Por baixo dos painéis solares são criados microclimas que são adequados a estas melhorias. E ainda há poucos dias, circulou uma notícia cujo título era “Minnesota instalou painéis solares em duas grandes plantações; cinco anos depois, o lugar tornou-se um paraíso para as abelhas”…

Concluindo, há aspetos positivos e negativos em tudo o que tem a ver com a intervenção humana. Muitos desses aspetos interrelacionam-se e estão associados a uma complexidade de parâmetros que os influenciam, pelo que não podemos abordar estas questões apenas por um ângulo.

 

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