Dia do Animal: Tribunais portugueses condenaram mais de 500 pessoas por maus-tratos em oito anos
Desde a criminalização dos maus-tratos a animais de companhia em 2014, os tribunais portugueses já condenaram 562 arguidos, segundo dados da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ). As condenações em primeira instância representam mais de 70% dos casos que chegam a julgamento, refletindo a importância crescente deste crime na sociedade. No entanto, apesar das várias centenas de crimes registados pelas autoridades, apenas uma pequena parte dos processos resulta em condenações efetivas, com muitas queixas a serem arquivadas.
A criminalização dos maus-tratos a animais de companhia em Portugal foi um marco importante na proteção dos direitos dos animais. No entanto, dez anos após a implementação desta lei, o Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) defende que é necessário ir mais além. Inês Sousa Real, líder do PAN, sublinha que a legislação atual, embora significativa, ainda deixa de fora muitos animais que também merecem proteção. “Esta lei trouxe uma mudança de mentalidade muito importante. Agora, é fundamental ir mais longe e incluir os demais animais, como, por exemplo, os cavalos, que também têm a capacidade de sentir e de sofrer”, afirmou a deputada ao Jornal de Notícias.
A proposta do PAN para alargar a proteção legal a todos os animais será debatida hoje, no Parlamento, coincidindo com a celebração do Dia do Animal. O partido pretende também consagrar o bem-estar animal na Constituição da República Portuguesa, o que, segundo Inês Sousa Real, garantiria um maior reconhecimento e aplicação da legislação. “É fundamental acautelarmos que se garanta a aplicação da lei através do reconhecimento constitucional do bem-estar animal”, reiterou.
Em 2023, foram registados 1.729 crimes contra animais de companhia, dos quais 1.084 relacionados com maus-tratos e morte, e 645 com abandono. A maioria das ocorrências foi reportada à Guarda Nacional Republicana (GNR), que continua a ser a principal entidade policial responsável pela investigação desses crimes. O número de casos registados em 2023 revela uma diminuição de quase 300 crimes face ao ano anterior, quando foram registados 2.022 incidentes.
Entre 2015 e 2022, os tribunais de primeira instância encerraram 731 processos-crime relacionados com maus-tratos a animais de companhia, dos quais 562 resultaram em condenações. Em 2022, 70% dos casos resultaram em condenação, a percentagem mais baixa desde a implementação da lei, sendo que, em anos anteriores, a taxa de condenação variou entre 71% e 81%.
Embora os números de condenações sejam elevados, a líder do PAN acredita que ainda há muito a fazer para garantir uma maior eficácia na aplicação da lei. “A percentagem de arquivamentos demonstra que há ainda um caminho a fazer, de formação e sensibilização de magistrados, PSP, GNR e médicos veterinários, para que estejam a par da legislação do nosso país”, afirmou Inês Sousa Real. Além disso, defendeu que é necessário dotar as forças de segurança, como a GNR e a PSP, dos meios necessários para garantir o cumprimento da legislação.
Nos últimos anos, alguns tribunais questionaram a constitucionalidade da lei que criminaliza os maus-tratos a animais de companhia, alegando que apenas a violação de princípios ou bens jurídicos consagrados na Constituição poderia constituir crime. Estas dúvidas, que geraram alguma controvérsia, foram finalmente sanadas em janeiro de 2024, quando o Tribunal Constitucional (TC) decidiu que a proteção dos animais faz parte do princípio da dignidade da pessoa humana, reconhecendo a relação entre os seres humanos e outros seres sencientes.
O Tribunal entendeu que os maus-tratos físicos a animais de companhia são claramente definidos na lei, assim como o conceito de “animal de companhia”, o que elimina qualquer dúvida interpretativa. No entanto, a decisão do TC não teve efeito retroativo, o que significa que as absolvições anteriores não foram revertidas e os juízes mantêm a liberdade de interpretação em casos futuros.
Penas e condenações
De acordo com a legislação atual, a pena por matar um animal de companhia sem justificação legítima varia entre seis meses e dois anos de prisão, podendo ser agravada até um terço em casos de especial perversidade. Para os maus-tratos sem morte, a pena pode chegar a um ano de prisão ou 120 dias de multa.
Apesar das centenas de condenações registadas, até meados de 2023, nenhum dos condenados foi efetivamente preso. A lei permite que penas inferiores a cinco anos sejam suspensas, e até ao momento, as sanções têm sido aplicadas sob a forma de multas ou penas suspensas.
A crescente consciencialização da sociedade sobre os direitos dos animais tem sido um fator decisivo na luta contra os maus-tratos e o abandono. Inês Sousa Real congratulou-se com o aumento das denúncias e a mobilização social, especialmente quando o Tribunal Constitucional esteve prestes a declarar a lei inconstitucional. “Foi a demonstração, ao poder político e ao poder judicial, de que a lei é para manter e para ser respeitada. Há uma sociedade que não vai admitir retrocessos”, afirmou.