Quais são os novos comissários europeus com mais bens, dinheiro e influência? Revelados documentos secretos sob análise do Comité de Assuntos Jurídicos de Bruxelas

A portuguesa Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças, é uma das figuras que se encontra no centro de uma polémica recente devido ao seu percurso fluido entre o setor público e o privado, que levanta questões sobre conflitos de interesse no seu atual cargo como comissária designada da Comissão Europeia. O caso de Albuquerque é um entre vários, revelados numa análise de documentos confidenciais realizada pelo jornal POLITICO, que investigou as declarações de interesses dos 26 comissários indicados para o novo mandato da Comissão liderada por Ursula von der Leyen.

Albuquerque, que tem sido alvo de críticas em Portugal pela sua transição entre cargos governamentais e o setor privado, revelou no seu relatório uma descrição geral das suas atividades anteriores com empresas. No entanto, omitiu detalhes cruciais sobre a estrutura de propriedade ou os rendimentos gerados pela sua consultora, a Roundatmosphere, que gere em conjunto com o marido. Segundo dados financeiros obtidos pela Informa, a empresa faturou 170 mil dólares em 2023 e 132 mil dólares em 2022. Quando questionada sobre a situação, a equipa de Albuquerque afirmou que a sua declaração foi entregue e estava a ser analisada pelo Parlamento Europeu, recusando-se a comentar qualquer “especulação ou fuga de informação”.

Este episódio destaca as preocupações sobre como ex-políticos podem utilizar as suas redes e experiência no setor público para influenciar decisões no setor privado, o que levanta questões de transparência e confiança no processo.

Os documentos confidenciais analisados pelo POLITICO mostram que o Comité de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu (conhecido como JURI) está a escrutinar as declarações de interesses dos comissários para assegurar que estes possam desempenhar as suas funções de forma independente. Contudo, este processo tem sido criticado pela sua falta de transparência e rapidez.

“Este é um processo profundamente falho, sem transparência, onde as regras impedem uma análise significativa destas declarações”, afirmou Nicholas Aiossa, diretor da Transparency International EU.

As declarações de interesses são obrigatórias para os comissários, abrangendo os últimos dez anos, e devem incluir informações sobre empregadores anteriores, ações e ativos, assim como envolvimentos com think tanks, partidos políticos ou ONGs. No entanto, as declarações são, por vezes, vagas ou incompletas, e a análise feita pelos eurodeputados depende muitas vezes de investigações adicionais ou informações públicas.

Entre os candidatos, destacam-se alguns com património substancial. O grego Apostolos Tzitzikostas, por exemplo, apresentou uma das declarações mais impressionantes, listando 16 apartamentos, mais de 650 mil metros quadrados de terreno, seis lojas e várias garagens e armazéns em toda a Grécia. Tzitzikostas, cuja família é uma das maiores proprietárias de terras na Grécia, detém também mais de 200 mil euros em ações de várias empresas, incluindo de produtos lácteos e energia fotovoltaica, além de ter recebido fundos da Política Agrícola Comum Europeia.

O italiano Raffaele Fitto declarou a posse de sete apartamentos, bem como participações em outros três imóveis, todos localizados em Itália, além de terrenos e garagens. Fitto, que ocupa um lugar de destaque no partido de direita de Giorgia Meloni, também possui 15% de uma farmácia avaliada por ele próprio em 150 mil euros.

Declarações incompletas e críticas ao processo
Embora muitos comissários tenham partilhado detalhes substanciais, outros optaram por apresentar declarações mais vagas ou omissas. Valdis Dombrovskis, comissário letão e veterano da Comissão Europeia, apresentou uma declaração quase em branco, justificando que “as minhas declarações de interesses têm sido públicas há 10 anos e estão totalmente em conformidade com as regras aplicáveis”.

Stéphane Séjourné, comissário francês designado para a prosperidade e competitividade, também está sob escrutínio por não ter indicado qualquer informação financeira ou sobre passivos, apesar de ter defendido a criação de um regulador europeu para assegurar a transparência nos cargos políticos.

Por outro lado, o eslovaco Maroš Šefčovič, responsável pela revisão do registo de transparência da União Europeia, também forneceu poucos detalhes na sua declaração. Estes casos alimentam a percepção de que, apesar das exigências de transparência, muitos comissários ainda não estão a fornecer informações suficientes para dissipar quaisquer suspeitas de conflitos de interesse.

Ligações ao setor privado e potenciais conflitos
Outros comissários, como a romena Roxana Mînzatu, levantam questões sobre os seus vínculos com o setor privado. Mînzatu fundou uma consultoria em 2021 para ajudar empresas a aceder a fundos da UE e, apesar de ter anunciado a suspensão das atividades da empresa em 2022, a mesma gerou rendimentos em 2023, os quais não foram declarados. Este facto coloca em dúvida a sua independência ao ocupar o cargo de vice-presidente executivo para as pessoas, competências e preparação.

O caso de Maria Luís Albuquerque, assim como o de outros comissários, reforça a necessidade de um escrutínio mais rigoroso sobre os conflitos de interesse e a transparência nos cargos públicos de alto nível da União Europeia. Enquanto o Comité JURI continua a sua revisão, as lacunas nas declarações de interesses e a falta de uma análise mais profunda deixam dúvidas sobre a real independência de alguns dos novos comissários.

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