Suspeitas de ‘cunhas’ no CCB: Adão e Silva acusado de arranjar emprego a colegas do PS

Pedro Adão e Silva, ex-ministro da Cultura, está no centro de uma polémica que envolve a nomeação de Aida Tavares como diretora de Artes Performativas do Centro Cultural de Belém (CCB). Acusações de favorecimento, ausência de concurso público e alegadas pressões sobre funcionários marcam o episódio que tem o antigo governante do Executivo de Costa no centro do ‘furacão’.

A nomeação de Aida Tavares para o cargo de diretora de Artes Performativas e Pensamento do CCB tem sido alvo de críticas devido à forma como ocorreu. A prática habitual indica que os cargos de direção artística devem ser preenchidos por concurso público, sem intervenção direta de ministros. Contudo, segundo Elísio Summavielle, ex-presidente do CCB, a realidade foi diferente neste caso.

Summavielle revelou, em entrevista à SÁBADO, que foi pessoalmente abordado por Pedro Adão e Silva com a sugestão de contratar Aida Tavares. O então ministro da Cultura teria dito que “era interessante” que Tavares assumisse o cargo. Summavielle, no entanto, recusou a sugestão, e justifica que o CCB já tinha uma pessoa a ocupar o lugar. “Disse que não,” afirmou o ex-presidente, alegando que o ministro usou a expressão “era interessante” para introduzir o assunto, mas recusou-se a revelar mais detalhes por questões de reserva.

Quando confrontado sobre a questão, Adão e Silva optou por não comentar diretamente a atuação de Summavielle, afirmando apenas que, “por respeito à longa carreira como dirigente da função pública de Elísio Summavielle, não vou fazer qualquer comentário à sua atuação como presidente do CCB”.

O cenário mudou em outubro de 2023, quando Elísio Summavielle deixou o cargo e foi substituído por Francisca Carneiro Fernandes, nomeada pelo mesmo Pedro Adão e Silva. Poucos meses depois, a 27 de dezembro de 2023, Aida Tavares foi oficialmente nomeada para o cargo de diretora artística, pela segunda vez consecutiva sem concurso público, sendo a primeira em 2015, quando foi escolhida para dirigir o Teatro Municipal São Luiz em Lisboa.

A nomeação de Tavares para o CCB trouxe à tona o seu histórico de proximidade política com o Partido Socialista (PS) e, particularmente, com António Costa. Em 2013, Aida Tavares declarou publicamente o seu apoio ao então presidente da Câmara de Lisboa e líder do PS, António Costa, num vídeo disponível no YouTube, onde afirmava votar nele por acreditar no seu projeto. Em 2015, quando o PS assumiu a tutela do Teatro São Luiz, Aida Tavares foi nomeada diretora artística, também sem concurso, gerando críticas de concorrentes que alegaram falta de currículo para o cargo.

Esta relação de proximidade tem sido vista por críticos como um possível favorecimento político, levantando suspeitas sobre a forma como Tavares tem sido colocada em cargos de destaque na área cultural, especialmente em instituições públicas.

A entrada de Aida Tavares no CCB não foi pacífica e provocou mudanças drásticas na estrutura interna da instituição. Paula Fonseca, que ocupava o cargo de diretora de Artes Performativas até à chegada de Tavares, foi uma das afetadas. Em declarações à SÁBADO, Paula Fonseca relatou como foi afastada das suas funções de forma gradual, até ser removida do cargo. Segundo a ex-diretora, a presidente do CCB, Francisca Carneiro Fernandes, informou-a de que Aida Tavares ocuparia o seu lugar, para justificar a escolha pela adequação do perfil da nova diretora. Fonseca, que trabalhava no CCB desde 2008, descreveu a sua experiência como “desgastante e humilhante”, referindo que passou meses sem funções concretas e sem receber informações relevantes para o seu trabalho. A sua situação culminou numa baixa médica devido ao que descreve como um esgotamento emocional, seguido de uma carta a informar que a sua comissão de serviço tinha terminado. “O CCB era a minha casa há 15 anos,” afirmou. “Estava em depressão e não quis ser um fardo para a instituição”.

Outro caso semelhante foi o de Margarida Serrão, coordenadora de Produção e Direção de Cena, que também afirmou ter sido gradualmente afastada das suas funções, antes de ser convidada a sair com uma proposta de resolução contratual. Segundo Serrão, que trabalhava no CCB há vários anos, o ambiente tornou-se insuportável, com os seus trabalhos a serem distribuídos por outros colegas e com a exclusão de várias decisões e emails. Margarida Serrão acusou a direção do CCB de desrespeito profissional, e afirma: “Nunca fui tão desrespeitada e abusada. Estive meses a inventar trabalho para não enlouquecer.”

Francisca Carneiro Fernandes, presidente do CCB, negou qualquer situação de “esvaziamento de funções” no caso de Paula Fonseca e Margarida Serrão. Afirmou que as mudanças na estrutura já estavam em curso antes da entrada de Aida Tavares, e que foram feitas propostas de novos cargos de coordenação que as afetadas recusaram. No caso de Margarida Serrão, a presidente justificou que o cargo que ocupava deixou de ser necessário na nova estrutura e, por isso, foi-lhe feita uma proposta de rescisão que acabou por ser aceite.

Francisca Carneiro Fernandes defendeu ainda a nomeação de Aida Tavares sem concurso público, justificando-a com a “urgência” de ter uma direção artística em funções rapidamente e destacando o currículo da nova diretora como “adequado para as exigências do cargo”.

Um dos primeiros grandes projetos de Aida Tavares no CCB foi a organização do Festival FeLiCidade, com um orçamento de €450 mil, destinado a assinalar o Dia Mundial da Língua Portuguesa. O festival foi alvo de críticas devido à distribuição dos fundos, que beneficiaram produtoras e curadores com ligações pessoais a Aida Tavares, nomeadamente Anabela Mota Ribeiro, que recebeu o maior cachet como curadora (€7.000). Anabela Mota Ribeiro, que é amiga de longa data de Aida Tavares e tinha trabalhado com ela em projetos anteriores, justificou o seu cachet, e afirma que foi acordado de acordo com os valores de mercado para trabalhos semelhantes.

A proximidade entre os envolvidos e a ausência de concurso público para as funções artísticas no CCB levantaram suspeitas de favorecimento e nepotismo, que foram negadas por Aida Tavares, a qual defendeu que as suas escolhas se basearam na experiência profissional dos curadores contratados.

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