Menos de um ano após demissão, ex-secretário de estado da Economia trabalha agora em empresa da área que tutelou

Pedro Cilínio, antigo secretário de Estado da Economia no governo de António Costa, está agora a exercer funções numa empresa que opera na área dos fundos europeus, um setor que tutelou enquanto governante. Menos de um ano após ter apresentado a sua demissão do cargo, Cilínio está a trabalhar na Craftgest Consulting, uma empresa de consultoria especializada em candidaturas a fundos comunitários, incluindo o Compete 2020, um programa operacional temático de competitividade e internacionalização que foi da sua responsabilidade enquanto estava no Governo.

Cilínio, que deixou o Governo em 2023, encontra-se agora a atuar numa empresa privada que presta precisamente serviços de consultoria no acesso a fundos comunitários, fusões e aquisições, e financiamento de projetos de investimento, de acordo com as informações disponíveis no site da Craftgest. Esta situação levanta questões sobre o cumprimento da lei de combate às chamadas “portas giratórias” entre o setor público e o privado, especialmente quando envolve áreas tuteladas por antigos governantes.

Confrontado com a sua ligação à Craftgest Consulting, Pedro Cilínio defendeu-se afirmando que não teve qualquer contacto com a empresa enquanto ocupava o cargo de secretário de Estado, nem durante o período em que esteve no IAPMEI, o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, tanto antes como depois de ter deixado o Governo. “Eu não tive nenhum contacto com esta empresa no IAPMEI e também enquanto fui governante”, declarou, citado pelo Correio da Manhã.

Para além disso, o ex-secretário de Estado sublinhou que, antes de aceitar a posição na Craftgest, avaliou cuidadosamente se haveria algum conflito de interesse ou impedimento legal que o impedisse de ingressar na empresa. “Antes de entrar, avaliei se havia algum impedimento ou conflito de interesses e concluí que não há nenhum impedimento”, afirmou. Questionado diretamente sobre se, enquanto governante, realizou algum ato relacionado com a Craftgest, Cilínio foi claro: “Não pratiquei nenhum ato. Esta empresa é bastante recente.”

Cilínio também explicou que as suas funções atuais na empresa estão mais focadas na área de aquisições e fusões de empresas, e não diretamente nos fundos comunitários, uma tentativa de afastar as suspeitas de qualquer tipo de conflito com a sua anterior função de secretário de Estado.

A legislação que regula o exercício de funções em empresas privadas por antigos governantes é clara: a Lei 25/2024, de 20 de fevereiro, impõe um período de três anos, conhecido como “período de nojo”, durante o qual ex-governantes estão impedidos de trabalhar em empresas que tenham sido alvo de privatização ou que tenham beneficiado de incentivos financeiros ou fiscais sob a sua tutela.

Esta legislação visa evitar que ex-responsáveis políticos utilizem os seus conhecimentos e contactos privilegiados em benefício de interesses privados, prevenindo assim possíveis situações de conflitos de interesse. O artigo 10.º da referida lei proíbe, durante esse período, que os ex-governantes assumam cargos em empresas que tenham sido direta ou indiretamente influenciadas por decisões tomadas durante o seu mandato.

Caso se verifique uma violação desta lei, os antigos titulares de cargos políticos podem ser impedidos de exercer funções políticas e cargos públicos entre três e cinco anos. A legislação foi reforçada com o objetivo de aumentar a transparência e a ética no exercício de funções públicas.

Este caso de Pedro Cilínio não é o primeiro a levantar questões sobre a transição de ex-governantes para o setor privado. No final de 2023, a ex-secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, esteve envolvida numa polémica semelhante ao aceitar uma posição na The Fladgate Partnership, a empresa responsável pelo World of Wine (WOW), à qual tinha concedido o estatuto definitivo de utilidade turística enquanto governante. Face às críticas e à controvérsia pública, Rita Marques acabou por renunciar ao convite, citando a intenção de evitar qualquer suspeita de conflito de interesses.

Estes episódios têm reacendido o debate sobre a necessidade de uma regulamentação mais rígida e eficaz no combate às “portas giratórias”, para garantir que os interesses públicos não sejam comprometidos por decisões tomadas em prol de interesses privados.

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