Relação de Lisboa revoga decisão sobre “adoção cruel” e devolve à mãe quatro irmãos que iam ser separados

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu devolver à mãe a guarda de quatro irmãos, com idades entre cinco e oito anos, que anteriormente tinham sido encaminhados para adoção. A decisão foi tomada depois de o tribunal de primeira instância ter ordenado a adoção das crianças, apesar de a mãe ter feito vários apelos para recuperar a guarda. Os juízes da Relação consideraram que o regresso ao lar materno é “a única decisão adequada” e condenaram o que consideraram ser um processo “cruel”.

«As quatro crianças tinham sido institucionalizadas pela primeira vez devido a episódios de violência doméstica do pai sobre a mãe, avança a edição impressa do Jornal de Notícias (JN) de hoje. Posteriormente, foram retiradas novamente da guarda da mãe após serem encontradas sozinhas em várias situações. Segundo os registos do caso, numa das situações, o pai deixou os filhos num restaurante McDonald’s enquanto foi comprar tabaco; noutra ocasião, as crianças foram encontradas à porta da casa da avó na Ajuda, em Lisboa; e, numa terceira situação, a mãe autorizou que os dois filhos mais velhos fossem a uma feira próxima de casa sem supervisão.

A decisão de encaminhar as crianças para adoção foi tomada pelo tribunal de primeira instância, a pedido do Ministério Público. No entanto, os pais recorreram desta decisão, alegando que a mesma não tinha tido em conta todas as circunstâncias.

No recurso apresentado ao Tribunal da Relação, a mãe argumentou que o tribunal de primeira instância recusou repetidamente ouvir as crianças, um pedido que havia sido feito em diversas ocasiões. A mãe, que nunca deixou de visitar os filhos durante o período em que estes estiveram institucionalizados, afirmou ainda que, apesar das dificuldades financeiras, a casa onde viviam era “farta ao nível da alimentação”.

Além disso, a mulher afirmou que o tribunal ignorou os seus “esforços para se mudar para uma habitação mais condigna”. Chegou a conseguir um apartamento de tipologia T4 atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa, mas perdeu o direito ao imóvel quando deixou de ter os filhos a seu cargo. A mãe também criticou o facto de o tribunal não ter considerado outras alternativas no seio da família biológica antes de optar pela adoção.

Por sua vez, o pai das crianças, que tinha sido condenado por violência doméstica e estava preso por violar a ordem de proibição de contacto com a ex-companheira, também recorreu contra a adoção. No seu recurso, sustentou que, durante o período em que estivesse preso, as crianças poderiam ser cuidadas pelo seu irmão. Apesar de reconhecer a má relação que mantinha com a mãe das crianças, o homem reconheceu que os filhos estavam “bem apegados à mãe” e chegou a pedir que lhe fosse dada “mais uma oportunidade”.

No acórdão emitido pelos juízes desembargadores Higina Castelo, Vaz Gomes e José Correia, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que a sentença de primeira instância, “além de não ter sustento na lei, seria da maior crueldade para todos”. Segundo os juízes, a decisão original conduziria “quase necessariamente à permanente institucionalização das quatro crianças ou, provavelmente pior, à separação dos quatro irmãos”.

O TRL destacou que a mãe “nunca abandonou” os filhos, “sempre se bateu pelo regresso” deles e, “apesar de todas as adversidades, sempre trabalhou e foi melhorando as suas condições materiais de vida e a sua preparação técnica em várias áreas”. Além disso, o tribunal enfatizou que a mãe mantém uma “forte relação” com os filhos, que corresponde a essa ligação.

Os juízes da Relação criticaram ainda os relatórios técnicos da Segurança Social que foram usados como base para a decisão do tribunal de primeira instância, acusando-os de “depreciar os mais comezinhos atos e dizeres da progenitora”, como a oferta de guloseimas ou gelados às crianças.

Os juízes enfatizaram a importância de preservar o vínculo entre os irmãos, destacando que “a relação entre irmãos é das mais importantes na vida”. No acórdão, afirmam que “não será preciso percorrer bibliotecas de psicologia para disto saber” e salientam o “efeito psicologicamente devastador” que a separação dos irmãos poderia provocar em cada um deles. Com base nestes argumentos, o TRL ordenou que os menores fossem devolvidos à mãe.

Reconhecendo os efeitos da “longa institucionalização” sobre as crianças e a mãe, que também foi vítima de violência doméstica, o Tribunal da Relação de Lisboa recomendou que todas as crianças e a mãe recebam apoio psicológico. O TRL também instou a Segurança Social a fornecer apoio económico à família.

Os juízes da Relação pediram ainda que a Câmara Municipal de Lisboa avaliasse a possibilidade de devolver à mãe a habitação T4 que lhe havia sido atribuída ou de atribuir outro imóvel na mesma zona de Lisboa, para garantir condições adequadas à reunificação familiar.

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