‘Déjà vu’ de Gaza no Líbano? Netanyahu recusa trégua temporária para evitar que o Hezbollah se reforce e rearme

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, rejeitou uma proposta de cessar-fogo de 21 dias, apresentada pelos Estados Unidos e França, antes de partir para Nova Iorque, onde deverá discursar na Assembleia Geral da ONU. “Pedi às FDI (Forças de Defesa de Israel) que continuem a combater até atingirmos o nosso objetivo”, declarou Netanyahu, sem definir claramente o que significa esse objetivo. Oficialmente, Israel pretende expulsar o Hezbollah da fronteira para cessar os ataques aéreos sobre a região da Galileia e permitir o regresso dos civis desalojados.

Contudo, a intensidade dos ataques e a sua planeada execução sugerem uma meta mais ampla. O chefe das FDI, Herzi Halevi, afirmou na quinta-feira: “O exército há anos que espera uma oportunidade como esta para atacar o Hezbollah.” Este comentário deixa claro que não se trata de uma operação pontual, mas de uma tentativa de neutralizar a milícia islâmica, transformando-a numa ameaça menos significativa. Esse desfecho também teria implicações para o Irão, o principal inimigo de Israel no Médio Oriente, uma vez que o Hezbollah é um dos seus principais aliados na região.

Também esta quinta-feira, os ataques aéreos israelitas continuaram a atingir o sul do Líbano e a capital, Beirute. As FDI reivindicaram a morte de Mohammad Hussein Surur, comandante das forças aéreas do Hezbollah, embora o grupo ainda não tenha confirmado. Este seria o quarto ataque contra líderes do Hezbollah em apenas uma semana. A organização já havia sido severamente afetada por explosões que destruíram equipamentos de comunicação, com dezenas de mortos e centenas de feridos entre os seus quadros.

“Escalar para desescalar”
Diante desta situação, parece improvável que Israel aceite uma trégua. As FDI lançaram a maior operação de inteligência militar dos últimos anos, acompanhada por uma série de bombardeamentos a uma escala não vista desde a primeira guerra do Líbano, nos anos 1980. Líderes foram eliminados, comandos intermédios desativados, e a capacidade de comunicação do Hezbollah foi severamente comprometida. Netanyahu dificilmente deixará escapar esta oportunidade, e ainda se aguarda a decisão sobre uma possível operação terrestre.

Apesar de fontes da diplomacia americana, citadas pelo jornal israelita Haaretz, terem sugerido que Netanyahu inicialmente aceitou a oferta de trégua, a pressão dos seus aliados ultraortodoxos fez com que recuasse. No entanto, essa narrativa já foi usada em várias ocasiões anteriores, incluindo nas operações em Gaza. A operação contra o Hezbollah parece estar planeada há tempo suficiente para não depender de circunstâncias políticas imediatas, contando claramente com o apoio direto do primeiro-ministro.

Com a situação em Gaza sob controlo e a busca por reféns suspensa após um ano de tentativas fracassadas, Israel vê agora a oportunidade de realizar um duplo golpe contra o Hamas e o Hezbollah, garantindo a sua segurança por um período considerável. Esta é, pelo menos, a perceção em Tel Aviv. Por outro lado, os Estados Unidos defendem que saídas não negociadas para conflitos desta magnitude podem resultar em novos confrontos no futuro. O conceito israelita de “escalar para desescalar” raramente, segundo Washington, termina bem.

Tal como aconteceu em Gaza, Israel parece disposto a ouvir os conselhos americanos, mas não a segui-los à risca. Desde o início, Netanyahu deixou claro ao presidente Joe Biden que Israel tomaria as suas próprias decisões, e as divergências entre as administrações têm sido notórias. A prioridade israelita é evitar que o Hezbollah se reestruture e reforce, tal como fez com o Hamas, recusando um cessar-fogo antes da entrada das FDI em Jan Yunis e Rafah.

No entanto, também há dúvidas sobre se o Hezbollah aceitaria a proposta ocidental de trégua. O seu líder, Hassan Nasralá, reiterou várias vezes desde os ataques da semana passada que não pretende interromper os disparos de projéteis contra o norte de Israel e que, mais cedo ou mais tarde, vingará as ações do estado hebraico. O Irão, principal patrocinador do Hezbollah, expressou posições semelhantes, afirmando que a luta continuará até que um cessar-fogo seja imposto em Gaza e as tropas israelitas abandonem a região. Este compromisso foi assumido por Nasralá após o início dos combates a 7 de outubro, e a sua imagem, tanto perante os libaneses quanto no contexto do Eixo da Resistência iraniano, está em jogo.

Se Yahya Sinwar, líder do Hamas, recusou render-se mesmo com a organização profundamente enfraquecida, a população devastada e confinado a esconderijos subterrâneos, seria surpreendente que Nasralá aceitasse uma trégua. Já anteriormente, o líder do Hezbollah teve de recuar quando prometeu uma guerra total contra Israel se este invadisse Gaza. Dois recuos deste tipo, em tão pouco tempo, só seriam possíveis se viessem de ordens diretas de Teerão. No entanto, o governo iraniano parece estar mais focado, neste momento, no envio de mísseis para a Rússia, como parte do apoio à guerra na Ucrânia, na esperança de que essa ajuda seja retribuída no futuro.

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