Pior temporada de gripe no hemisfério sul pode antecipar cenário difícil em Portugal este inverno

O inverno na Austrália e na Nova Zelândia, que recentemente chegou ao fim, registou a pior temporada de gripe de que há memória, com um total de 341.742 casos notificados. Esta é uma marca que, ainda com o ano por terminar, ultrapassa todos os registos anteriores, incluindo o ano de 2009, durante a pandemia de gripe A.

Este comportamento do vírus no hemisfério sul serve como um indicador para o que poderá acontecer no hemisfério norte, incluindo Portugal. De facto, a Organização Mundial da Saúde utiliza as estirpes que circulam num hemisfério como referência para fazer recomendações de vacinas para o outro.

Possível impacto em Portugal
Se a intensidade da gripe que se verificou na Austrália e Nova Zelândia for replicada nos antípodas, o nosso País e Espanha, é provável que se assista novamente a efeitos e constrangimentos nos cuidados primários e nas urgências hospitalares, uma situação que ficou marcada durante a pandemia e deixou uma marca indelével nos profissionais de saúde. Estas preocupações ganham ainda mais relevo numa altura em que os profissionais de saúde continuam em protesto, há falta de médicos e urgências hospitalares a fecharem todos os fins de semana.

Na Austrália, o vírus da gripe manteve-se ativo ao longo de todo o ano, com picos de infeção a partir de janeiro e um máximo de 107.018 notificações em julho, segundo o sistema de vigilância do Departamento de Saúde australiano. Em comparação, em 2022, o pico da incidência ocorreu em junho, com 111.404 casos, mas a temporada foi mais concentrada, com a incidência a cair rapidamente a partir de agosto.

O ano com o maior número de casos anteriormente registado foi 2019, com 313.615. A diferença este ano é que a atividade gripal foi constante e o pico de incidência foi significativamente mais elevado. Importa sublinhar que estes números representam apenas casos confirmados laboratorialmente, o que pode indicar que os números atuais subestimam a verdadeira extensão da atividade gripal.

Diminuição da cobertura vacinal pode ser uma das causas
Especialistas, como Javier Arranz, porta-voz do grupo de doenças infecciosas da Sociedade Espanhola de Medicina Familiar e Comunitária (Semfyc), sugerem que a redução na cobertura vacinal pode ser uma das razões para o aumento de casos. “A vacinação foi maior durante a pandemia de Covid-19, mas, com o tempo, o receio diminui e as pessoas vacinam-se menos”, afirmou ao El Español. “Temos de continuar a insistir na necessidade de manter uma cobertura vacinal adequada.”

Na Austrália, no final de julho, os médicos já alertavam para uma redução de meio milhão de pessoas vacinadas em comparação com o ano anterior, 2023. Esta tendência preocupa os profissionais de saúde no hemisfério norte, que esperam um aumento semelhante da incidência da gripe no inverno que se aproxima.

Início da campanha de vacinação em Portugal
Em Portugal, as campanhas de vacinação contra a gripe e a Covid-19 começaram no final de setembro e decorrerão durante outubro em todas as regiões autónomas. Dados recentes da Direção-Geral da Saúde (DGS) indicam que mais de 23.400 pessoas foram vacinadas contra a Covid-19 e 34.140 contra a gripe entre sexta-feira e domingo passados. A campanha de vacinação sazonal teve início no dia 20, com a administração de quase cinco milhões de vacinas contra a gripe e a Covid-19.

Até ao momento, 2.519 farmácias aderiram ao programa de vacinação, complementando a oferta dos centros de saúde. As farmácias vacinaram 22.711 pessoas com mais de 60 anos contra a Covid-19, e 31.911 utentes com mais de 60 anos receberam a vacina contra a gripe.

Expectativas para a temporada de gripe em Portugal
O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges, alertou recentemente para o aumento esperado de casos de infeções respiratórias com o regresso às aulas e ao trabalho. “Sabemos que todos os anos, quando se iniciam as atividades escolares, há um aumento de casos de infeção respiratória,” afirma Tato Borges em entrevista à Executive Digest. Este aumento não se deve apenas à maior frequência de espaços partilhados por crianças e jovens, mas também ao regresso de milhões de portugueses ao local de trabalho, criando as condições ideais para a propagação de vírus respiratórios, como a gripe, a Covid-19 e o vírus sincicial respiratório (VSR).

Gustavo Tato Borges destaca a necessidade de manter cuidados preventivos, como o uso de máscara em casos de sintomas respiratórios, a higienização regular das mãos e a implementação do teletrabalho quando possível. O médico sublinha que, mais do que o diagnóstico, é o que fazemos após identificar os sintomas que será determinante para evitar a propagação da doença nos próximos meses.

Para reforçar o sistema imunitário e prepará-lo para o período de maior exposição, recomenda-se uma alimentação equilibrada, a prática regular de exercício físico e a manutenção de hábitos de vida saudáveis. Além disso, é importante atualizar o Plano Nacional de Vacinação, não só para crianças, mas também para adultos, especialmente no caso da gripe e da Covid-19.

Espera-se que a incidência de gripe volte a testar a resiliência do sistema de saúde, particularmente nos meses de janeiro e fevereiro, quando habitualmente ocorre o pico de casos. “É verdade que agora há menos casos de Covid-19, mas o espaço pode ser ocupado pela gripe no inverno”, alertou Javier Arranz, reforçando a importância da vacinação para mitigar os impactos.

Além da gripe, 2024 tem trazido preocupações adicionais, como o surgimento de doenças tropicais, incluindo dengue, zika e febre hemorrágica da Crimeia-Congo. Segundo Gustavo Tato Borges, embora o risco para a população em geral seja baixo, o sistema de saúde mantém vigilância sobre estas doenças. É importante, por exemplo, minimizar os locais de água parada que possam servir de viveiro para mosquitos transmissores.

Esta temporada gripal apresenta um desafio que exigirá preparação e atenção redobrada por parte das autoridades de saúde, dos profissionais e da população em geral. A experiência australiana serve como um aviso: vacinar-se e adotar medidas preventivas agora poderá fazer toda a diferença na capacidade de resposta do sistema de saúde português nos próximos meses.

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