Uma teia de empresas, uma “frota fantasma” e um apartamento na Índia: Como a Rússia engana o Ocidente e continua vender gás e petróleo sem sanções
No contexto das sanções internacionais impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia em 2022, Moscovo tem investido numa série de estratégias criativas para contornar os obstáculos e manter o fluxo de gás natural e petróleo para os mercados globais. A rede complexa de empresas intermediárias e uma frota “fantasma” de navios tem sido a chave para garantir a continuidade das exportações de gás natural liquefeito (GNL) do país, especialmente a partir do projeto Arctic LNG 2, um dos maiores empreendimentos do sector energético russo.
A planta Arctic LNG 2 é a maior fábrica de gás da Rússia e tem o potencial para produzir até 20 milhões de toneladas de combustível por ano. Iniciada em 2019, a construção visa consolidar a presença russa no mercado asiático, onde a procura por GNL deverá crescer 40% até 2030. O governo russo tem a ambição de controlar 20% do mercado mundial de GNL até ao final da década, um aumento significativo face aos 8% registados no ano passado.
Para concretizar este objetivo, a Rússia tem recorrido a uma rede intricada de empresas fictícias e intermediários que permitem o transporte do GNL e do petróleo, mesmo sob o escrutínio das sanções internacionais. Um exemplo é a Ocean Speedstar Solutions, uma empresa registada num pequeno apartamento nos arredores de Bombaim, na Índia. Este endereço residencial modesto esconde o papel central que a empresa desempenha na rede de evasão de sanções de Moscovo.
Desde junho de 2024, o apartamento localizado a cerca de 150 quilómetros a sudeste de Bombaim é a sede oficial da Ocean Speedstar Solutions, uma empresa que fornece apoio à frota fantasma de petroleiros russos encarregados de exportar GNL da fábrica Arctic LNG 2. O proprietário do apartamento, Nikhil Ganesh Ghorpade, um fotojornalista indiano, afirma, segundo o El Economista, não ter qualquer ligação à indústria energética. De acordo com o próprio, um amigo pediu-lhe para usar o seu nome e endereço como representante da empresa, sem que Ghorpade tivesse noção do papel que desempenharia numa rede internacional de evasão de sanções.
A construção de uma frota fantasma
Desde o início de 2024, a Rússia tem investido na criação de uma pequena frota de navios metaneiros convencionais, focando-se em unidades mais antigas do mercado de segunda mão. Embora estes navios não possuam especificações para navegar em gelo, conseguem operar em águas não geladas durante os meses de verão, de julho a outubro. Fraser Carson, analista principal de pesquisa global de GNL na Wood Mackenzie, destaca que esta estratégia foi implementada como uma forma de “complicar, confundir e atrasar” o cumprimento das sanções.
Em março de 2024, os esforços russos intensificaram-se com a aquisição de navios por parte da empresa Nur Global Shipping, sediada no Dubai. A empresa comprou vários petroleiros antigos, que de outra forma teriam sido desmantelados, pagando valores que ultrapassaram os 50 milhões de dólares por cada um. Este montante é considerado uma quantia surpreendentemente elevada para navios tão antigos e que não cumprem as mais recentes normas ambientais, de acordo com comerciantes e corretores marítimos que pediram anonimato.
Táticas para contornar a vigilância internacional
A Rússia tem utilizado diversas estratégias para manter a sua infraestrutura energética operacional e evitar os mecanismos de supervisão internacionais. Entre as táticas empregadas, destacam-se a falsificação de localizações, o uso de frotas fantasmas e a criação de empresas que utilizam nomes e moradas de indivíduos dispostos a cooperar. Esta rede de evasão tem sido fundamental para garantir que o GNL russo continue a ser exportado, mesmo com a perda de mercados tradicionais como a Europa.
Kjell Eikland, analista que estuda a indústria de energia, descreve a estratégia russa como uma tentativa de “complicar, confundir e atrasar” as operações de fiscalização. Ele explica que a Rússia tem investido em esquemas que envolvem pessoas dispostas a usar os seus nomes e endereços para registar empresas, normalmente indivíduos que necessitam de dinheiro e são facilmente influenciados.
A participação da Índia nesta rede de evasão tem suscitado críticas, especialmente porque o país não reconhece as sanções unilaterais impostas à Rússia. A falta de uma resposta oficial da embaixada indiana em relação ao papel das empresas indianas nesta rede de evasão apenas levanta mais questões sobre o envolvimento do país. Robin Brooks, diretor-geral do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), é particularmente crítico do papel da Índia, afirmando que o país “se transformou numa enorme refinaria de petróleo russo”. Segundo Brooks, a Índia tem ajudado a financiar a invasão russa da Ucrânia ao aceitar petróleo russo transportado pela frota sombra de Putin, uma prática que, em sua opinião, deve terminar.
Apesar de todos os esforços da Rússia para manter o fluxo de exportações de GNL, a rede de evasão de sanções enfrenta obstáculos significativos. Com a aproximação do inverno, a janela de oportunidade para que os navios atravessem as águas geladas do Ártico é limitada, e não está claro se Moscovo conseguirá encontrar compradores dispostos a arriscar o incumprimento das sanções impostas pelos Estados Unidos. Geoffrey Pyatt, o principal funcionário de energia do Departamento de Estado dos EUA, prometeu continuar a monitorizar de perto estas atividades e a frustrar os esforços russos para contornar as sanções.
O êxito ou fracasso dos planos de Putin será determinado num mercado onde a oferta de GNL está em crescimento. De acordo com um boletim recente do Bank of America (BofA), prevê-se que a oferta de GNL em 2024 aumente apenas 3 a 4 milhões de toneladas, o que seria o crescimento mais baixo em quase uma década. No entanto, o relatório antecipa um aumento de 26 milhões de toneladas em 2025, e 28 milhões de toneladas em 2026, impulsionado por novos projetos nos Estados Unidos e no Qatar.