Metáfora do precipício: por que razão a UE está em maior risco de se desintegrar do que o euro

O euro constituiu, durante a última década, o principal ‘pesadelo’ da União Europeia: agora, no entanto, converteu-se na ‘sua cola’. A viragem, embora progressiva, teve um ponto de viragem – o “custe o que custar” de Mario Draghi, então presidente do Banco Central Europeu e hoje guru das reformas essenciais para que o projeto comunitário possa competir com Estados Unidos e China.

Dentro da União Europeia há Estados-membros que bloqueiam Bruxelas em algumas decisões que não podem ser adiadas para fazer avançar a construção europeia, ao mesmo tempo que incitam o anti-europeísmo dentro das suas fronteiras. Sendo certo que mal falam em sair da UE (à semelhança do reino Unido), mas falam em não continuar a aprofundar o projeto comum, que poderia consolidar uma Europa a duas velocidades, entre aqueles que querem mais integração e aqueles que preferem pisar o travão.

Esta possibilidade, muito presente em relação ao euro nos piores anos da crise da dívida, perdeu força no caso da moeda única: o norte (credores) e o sul (devedores) acalmaram a rivalidade, conscientes de que a estabilidade da moeda é a única forma de sobreviver aos ataques dos mercados e afastar os riscos de um mundo global.

Se já poucos referem abandonar a União Europeia, para recuperar a soberania nos respetivos países, ninguém, nem mesmo os mais nacionalistas, sugere abandonar o euro. De acordo com os especialistas do Observatório Económico do ‘El Confidencial’ e da Mapfre Economics, em 2024, a UE corre mais riscos de se desintegrar do que o euro.

“Um dos riscos é a estabilidade e solvência do euro, e dentro deste mesmo risco, talvez o motivando, um problema de fragmentação da União Europeia e da sua capacidade de se consolidar como entidade regional”, apontou Gonzalo de Cadenas-Santiago, vice-diretor geral da Mapfre Economics. A abordagem sugere como a situação mudou: se antes era a fragmentação do euro que podia ferir mortalmente a UE, agora é a fragmentação da UE que pode representar um problema grave para a moeda única.

O que mudou? José Manuel González-Páramo, presidente do Conselho de Administração do DataWarehouse Europeu, explicou-o com a metáfora do precipício: quando nos vemos no limite, no final acabamos sempre por recuar. Aconteceu com a Grécia em 2015, e desde então o seu caso tem sido exemplar: num dia rejeitou em referendo as condições de resgate impostas por Bruxelas, no dia seguinte o Governo populista de esquerda estava a saltar obstáculos. Desde então, a vontade de pensar num futuro fora da moeda única ‘fugiu’ mesmo para aqueles que enchiam a boca com esse discurso.

A política monetária do BCE também ajudou, sobretudo desde aquelas três palavras mágicas proferidas há 12 anos, no pior momento da crise soberana. Gloria Hernández, conselheira independente do DIA e diretora-geral do Tesouro Público (1999-2003), acredita que a viragem de Draghi significou a consolidação da moeda única: “Depois da crise soberana de 2012 e da decisão do Banco Central Europeu de salvar a Europa tem uma segurança que ultrapassa qualquer risco.” O ponto fraco do projeto comunitário, sublinhou, é outro: “Vejo tendências na União Europeia que podem levar uma parte da população europeia a questionar o significado de pertencer a este clube.”

A questão pode ser resumida a estabilidade: o euro é visto como algo prático, quase essencial no mundo de hoje, no entanto muitos cidadãos não apreciam plenamente os mesmos benefícios na União Europeia, que muitas vezes concebem como um monstro burocrático que perturba a vida das pessoas e é incapaz de tomar as decisões necessárias.

O problema é que muitas dessas transformações, como as propostas por Draghi ou pelo ex-ministro italiano Enrico Letta, para acelerar a tomada de decisões e fazer avançar o mercado único exigem mais mecanismos federais, como a extensão do Governo da maioria a novas áreas, agora sobrecarregadas por unanimidade. E são precisamente aqueles que mais criticam a inutilidade da União Europeia que mais se opõem a este aprofundamento, ou usam o seu direito de veto no Conselho para travar decisões nesse sentido.

José Manuel Amor, partner da Afi, salientou que “há um problema de governação, pode até ser apropriado poder prescindir de algum país”, referiu, o que evitaria que o projeto comunitário fosse ‘torpedeado’ a partir de dentro, como está a acontecer atualmente com nações como a Hungria.

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