Qatargate: Juiz ordena avaliação à legalidade do papel dos serviços secretos belgas na detenção da ex-vice-presidente do Parlamento Europeu

Um juiz de Bruxelas ordenou a revisão da legalidade da atuação dos serviços secretos belgas no caso de corrupção que envolve a ex-vice-presidente do Parlamento Europeu, Eva Kaili. A decisão pode atrasar o processo judicial em curso contra a eurodeputada grega, que enfrenta acusações de corrupção e branqueamento de capitais.

Eva Kaili foi detida em dezembro de 2022, no âmbito de uma investigação que revelou um esquema de subornos supostamente destinados a influenciar a formulação de políticas da União Europeia, em particular em favor de interesses do Qatar e de Marrocos. A ex-eurodeputada nega todas as acusações, alegando que a sua imunidade parlamentar não foi devidamente respeitada no momento da sua detenção.

A decisão do juiz de rever o papel dos serviços secretos belgas centra-se na utilização de “métodos específicos e excecionais” nas investigações que levaram à detenção de Kaili. Esta revisão será conduzida pelo Comité R, órgão independente que supervisiona as atividades dos serviços de inteligência belgas. No entanto, o processo de revisão pode demorar meses, atrasando ainda mais o caso, que já se prolonga desde o final de 2022.

O advogado de Kaili, Sven Mary, saudou a decisão judicial como uma “decisão extraordinária”, e afirma em declarações à Euronews que poderá abrir “uma nova caixa de Pandora” sobre a atuação dos serviços de inteligência belgas durante a investigação. Segundo Mary, a detenção de Kaili violou as normas que regem a imunidade parlamentar, e a sua equipa de defesa tem levantado várias questões sobre a legalidade das provas recolhidas e dos métodos utilizados.

A defesa de Kaili sustenta que o levantamento da sua imunidade parlamentar foi irregular. “A proteção parlamentar de Eva Kaili não foi respeitada e isso tem consequências”, sustentou no ano passado o advogado Christophe Marchand, acrescentando que o facto de não terem seguido os procedimentos corretos deveria impedir o prosseguimento do processo judicial contra a ex-eurodeputada.

Em dezembro de 2022, Kaili foi acusada de envolvimento num esquema de subornos, juntamente com outros deputados e funcionários do Parlamento Europeu. As autoridades belgas encontraram uma mala com milhares de euros em sua casa, o que levou à sua prisão imediata. Na altura, o Ministério Público belga afirmou que Kaili tinha sido “apanhada em flagrante”, permitindo que a sua imunidade parlamentar fosse levantada sem os procedimentos habituais.

Após a sua detenção, Kaili foi afastada do cargo de vice-presidente do Parlamento Europeu e a sua filiação partidária suspensa. Desde então, a ex-eurodeputada tem residido entre a Grécia e Itália, depois de ter sido libertada da prisão em abril de 2023.

O escândalo de corrupção abalou o Parlamento Europeu, levando à implementação de regras mais rigorosas de conduta para deputados e funcionários. Contudo, a defesa de Kaili insiste que a forma como a investigação foi conduzida representa um “ataque ao coração da democracia na UE”.

Marchand acusa os serviços secretos belgas de se infiltrarem no Parlamento Europeu e vigiarem os seus membros, sem o conhecimento ou consentimento da instituição. “Houve agentes da polícia belga a infiltrarem-se no Parlamento, a vigiarem o Parlamento”, afirmou o advogado, criticando a falta de transparência e legalidade nas ações dos serviços secretos.

Os advogados de Kaili consideram que este caso não se trata apenas de uma questão individual, mas de um precedente perigoso que põe em causa a independência do Parlamento Europeu e a imunidade dos seus deputados. “O Parlamento Europeu tem de estar consciente disso e tomar as decisões corretas”, concluiu Marchand.

Agora, com a revisão judicial em curso, o caso de Kaili poderá sofrer novos atrasos, enquanto se aguarda a conclusão da análise sobre a legalidade dos métodos utilizados pelos serviços secretos belgas.

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