Ucrânia: Zelensky apresenta “plano de vitória” a Joe Biden, Kamala Harris e Donald Trump. O que já se sabe sobre a proposta?
Numa entrevista recente, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, revelou os detalhes de um plano que será apresentado ao atual presidente Joe Biden, assim como aos candidatos à Casa Branca Kamala Harris e Donald Trump, durante a sua visita aos Estados Unidos, que arrancou hoje, com o objetivo de garantir apoio contínuo e robusto para a Ucrânia face à invasão russa. O plano, que será discutido com o Presidente norte-americano, Joe Biden, e outros líderes ocidentais, procura estabelecer um roteiro claro para o sucesso ucraniano, independentemente da cooperação da Rússia.
Segundo Zelensky, o plano de vitória para a Ucrânia está concebido para ser eficaz sem a necessidade de envolvimento russo. “O nosso plano depende apenas de nós e dos nossos parceiros”, afirmou ao The New Yorker. Esta abordagem realista reconhece que o envolvimento russo nas negociações não é necessário nem garantido. “Se a diplomacia é o desejo de ambas as partes, então, antes que a diplomacia possa ser eficaz, a implementação do nosso plano só depende de nós e dos nossos parceiros”, reiterou Zelensky.
Zelensky deixou claro que o sucesso do plano depende muito do apoio de Biden. “Este plano foi desenhado, em primeiro lugar, com o apoio do Presidente Biden em mente. Se ele não o quiser apoiar, não posso obrigá-lo. Se ele recusar, bem, então teremos de continuar a viver dentro do Plano B. E isso é lamentável”, explicou o presidente ucraniano.
Ao ser questionado sobre como seria um cenário em que Biden não apoiasse o plano, Zelensky afirmou que seria um desfecho devastador para a Ucrânia e para a segurança europeia em geral. “Significaria que Biden não quer acabar com a guerra de forma a negar uma vitória à Rússia. E acabaríamos com uma guerra muito longa — uma situação impossível e exaustiva que mataria um número tremendo de pessoas”, enfatizou.
No entanto, Zelensky reconheceu o papel significativo que Biden desempenhou ao início da guerra. “No final do dia, ele deu um passo poderoso e histórico ao escolher apoiar-nos no início da guerra, um gesto que incentivou os nossos outros parceiros a fazerem o mesmo”, afirmou, atribuindo mérito ao Presidente norte-americano pela sua intervenção decisiva.
A mensagem para o povo americano
O presidente ucraniano também endereçou uma mensagem clara ao povo americano, muitos dos quais têm expressado preocupações sobre o envolvimento contínuo dos EUA no conflito. Zelensky sublinhou que a Ucrânia tem feito o possível para manter os Estados Unidos fora do conflito direto. “Putin contava com a derrota rápida da Ucrânia e, se a Ucrânia não tivesse resistido, Putin teria avançado. Vamos considerar as consequências disso: cerca de 40 milhões de imigrantes teriam fugido para a Europa, América e Canadá. Além disso, perderiam o maior país da Europa, e isso seria um golpe enorme para a influência americana no continente”, alertou.
Zelensky também destacou que o sucesso da Ucrânia tem impedido uma escalada que poderia envolver diretamente os EUA, afirmando que o envolvimento da América em uma guerra de maior escala seria inevitável se a Rússia atacasse países da NATO, como a Polónia ou os países bálticos. “Dizer que já estão nesta guerra há muito tempo não é verdade. Pelo contrário, acredito que protegemos a América de uma guerra total”, afirmou.
A posição sobre Donald Trump e J. D. Vance
Durante a entrevista, Zelensky foi questionado sobre os comentários do ex-presidente Donald Trump, que durante um debate presidencial afirmou querer “parar a guerra” sem especificar que desejava uma vitória ucraniana. Zelensky considerou que Trump está a fazer declarações políticas no âmbito da sua campanha eleitoral, mas questionou quem pagaria o preço para que a guerra terminasse. “Há quem diga que os Acordos de Minsk pararam ou congelaram o conflito em certo ponto, mas também deram à Rússia uma chance de se armar ainda mais e reforçar a sua falsa reivindicação sobre os nossos territórios ocupados”, explicou.
Em relação à escolha de J. D. Vance como possível candidato a vice-presidente de Trump, Zelensky considerou Vance “demasiado radical”, e manifestou preocupação com a ideia de que a Ucrânia deveria “sacrificar” territórios como parte de um acordo para encerrar a guerra. “Quem sugere que o fim da guerra depende de consolidar o status quo, com a Ucrânia a simplesmente ceder territórios, está a sugerir o início de uma guerra global”, afirmou Zelensky de forma contundente.
O “factor Putin” e o impacto da ofensiva em Kursk
No contexto militar, o presidente ucraniano referiu a operação de Kursk como um ponto de inflexão. “A operação Kursk já forçou os russos a mover cerca de 40 mil tropas, e os nossos combatentes no leste já relatam que estão a ser atacados com menos frequência”, revelou Zelensky. Ele enfatizou que a ofensiva não é apenas uma demonstração de força, mas também um teste da capacidade da Ucrânia de atuar ofensivamente, e uma maneira de comunicar ao mundo, incluindo ao Sul Global, que Putin não tem tudo sob controlo.
Segundo Zelensky, a operação também revelou a verdade aos russos. “O facto de Putin não correr para defender a sua própria terra demonstra que a sua prioridade não é o povo russo, mas sim a sua própria sobrevivência e o desejo de derrotar a Ucrânia”, destacou.
Zelensky reconheceu que a guerra não é apenas uma luta por território, mas também uma batalha pelos valores democráticos. Quando questionado sobre a tensão entre manter valores democráticos e a realidade do tempo de guerra, o presidente reconheceu a necessidade de coesão nacional e esclareceu que a cobertura mediática coordenada, através do “Telemaratona de Notícias Unidas”, foi uma medida de combate à desinformação russa, e não uma tentativa de limitar a liberdade de imprensa. “Os jornalistas uniram-se porque, nos primeiros dias da guerra, ninguém sabia o que fazer. A telemaratona oferece uma fonte de verdade para o povo ucraniano, especialmente em momentos de incerteza”, justificou.
No final da entrevista, Zelensky refletiu sobre o impacto pessoal da guerra. “Talvez me tenha tornado menos emotivo. Não há tempo para isso. Não há tempo para debates longos e elaborados”, confessou. O Presidente da Ucrânia destacou a necessidade de tomar decisões rápidas, muitas vezes sem o luxo de refletir profundamente sobre cada escolha, devido à intensidade e ao ritmo do conflito.