Por que Portugal reivindica Olivença: saiba a história da luta histórica com Espanha pela ‘Gibraltar da Extremadura’

Na ressaca revolucionária de Outubro de 1934, o Governo da República de Espanha recebeu relatórios alarmantes da sua embaixada em Lisboa: várias unidades de cavalaria portuguesas guarnecidas em Elvas e Évora fervilhavam de atividade como uma colmeia e pareciam testar a fronteira espanhola. Esta ação inusitada talvez “tentasse aproveitar as circunstâncias dos acontecimentos em Espanha para desferir um golpe contra Olivença”, indicou Antonio Tapia y López del Rincón, na altura adido militar na capital portuguesa.

Não passou de um susto, mas, nos anos seguintes, os serviços de inteligência militar espanhóis alertaram que em Lisboa foram detetadas “conversas silenciosas” entre oficiais do Exército português. Uma intenção que voltou recentemente à ordem do dia, depois de Nuno Melo, ministro da Defesa, ter dito “Olivença é portuguesa, naturalmente. E não é uma provocação”, salientando que “por tratado, Olivença deve ser entregue ao Estado português”.

O pequeno município da Extremadura, com não mais de 12 mil habitantes, é o principal ponto de atrito entre as duas nações ibéricas e a base das reivindicações territoriais. As suas ruas de paralelepípdos, edifícios e igrejas manuelinas, assim como as placas bilingues, são provas da cultura mista. Este ‘Gibraltar português’, frisou a publicação ‘El Español’, tem as suas raízes há mais de 200 anos, numa guerra que enfureceu Napoleão Bonaparte.

Um dos momentos em que a fronteira sofreu mais tensão, deixando de lado a ‘visita’ de militares portugueses fora de serviço que aproveitavam para deixar panfletos de propaganda, ocorreu em 1965. Um comando da PIDE, a polícia secreta portuguesa, atravessou o Guadiana e assassinou o general Humberto Delgado e o seu secretário em Villanueva del Fresno, muito perto de Olivença.

Enterrados num campo a um quilómetro da fronteira, o aparecimento dos restos mortais dos opositores de Salazar ameaçou provocar um conflito diplomático, com o território disputado envolvido. Caiu um véu grosso sobre o assunto.

Segundo as memórias de Diogo Freitas do Amaral, João Pinto da Costa Leite, pai do corporativismo do Estado Novo, afirmou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa que Franco deu Olivença a Salazar nos primeiros dias da Guerra Civil de 1936. O exército português apoiou a “limpeza” contra os “malditos marxistas” de Franco.

A coluna rebelde ocuparia Badajoz, ignoraria Olivença e seguiria em direção a Madrid, onde, uma vez terminada a tomada do poder, seria reconhecida a soberania portuguesa. Também não aconteceu. “Esta hipotética operação, se existiu, ainda não está comprovada. No entanto, não seria loucura imaginá-la, tendo em conta os movimentos do antigo chefe do Estado-Maior Central espanhol [Franco] em Gibraltar, sendo responsável pelas tropas marroquinas um ano antes”, explica Carlos Píriz, investigador da Universidade de Santiago de Compostela.

Em 1801, o grandioso primeiro-ministro de Carlos IV, Manuel de Godoy, sonhou com o seu próprio reino às custas do vizinho ibérico. Foi nomeado comandante-chefe do exército de 30 mil soldados que atacou Portugal em maio. O ataque foi um sucesso, com fácil conquista de fortalezas na fronteira do Alentejo. O exército espanhol, tendo-se dirigindo-se posteriormente para a linha do Tejo, por Portalegre (que ocupou), mas sem conseguir conquistar Elvas e com dificuldades na conquista da Praça-forte de Campo Maior, não podia continuar a invasão sem a ajuda do ecército francês, estacionado em Ciudad Rodrigo. Tal situação levou Godoy, que não desejava um exército francês estacionado em Espanha muito tempo, a assinar rapidamente a paz, por meio do Tratado de Badajoz. Na ocasião conseguiu ficar com Olivença, mas não realizou o que tinha contratado com a França bonapartista — a ocupação das três províncias do Norte de Portugal.

Os navios britânicos desembarcaram sem qualquer perturbação nas águas portuguesas, para desespero dos navios mercantes franceses e espanhóis. Depois de 18 dias de conflito no centro de Portugal e na fronteira galega, foi a vez de os diplomatas se reunirem em Badajoz.

Portugal foi obrigado a proibir a passagem dos navios dos filhos da Grã-Bretanha, a pagar 15 milhões de libras de indemnização e a assinar um tratado comercial com a República Francesa. Em troca, a dezena e meia de vilas conquistadas pelas bandeiras espanholas regressariam à soberania portuguesa, com exceção de Olivença.

Acordos em Viena

Depois do 2 de maio de 1808 e da feroz Guerra da Independência contra as forças francesas, os aliados reuniram-se em Viena para reorganizar o mapa político da Europa e recuperar o absolutismo. Portugal conseguiu que as grandes potências aceitassem as suas reivindicações sobre Olivença.

No encerramento do Congresso de Viena, o artigo 105º reconheceu o direito português sobre o município da Extremadura. A Espanha resistiu, mas acabou por assinar em 1817, comprometendo-se a acelerar o processo o mais rápido possível, algo que nunca aconteceu até hoje.

“O problema de Olivença está congelado desde o Tratado de Viena de 1815”, afirmou Nuno Melo. Já Manuel José González (PSOE), presidente da Câmara de Olivença, afirmou que o município “tem uma história partilhada da qual muito se orgulha porque nos torna únicos”. Citando Nuno Melo, acrescentou que “este não é o momento para discursos que constroem muros e causam divisão, mas sim de continuar a trabalhar em tudo que nos ajude a procurar juntos um futuro de oportunidades”.

O debate fronteiriço enterrado desde o Congresso de Viena e que de vez em quando ganha destaque, segundo María Guardiola (PP), presidente da Extremadura, “não está em cima da mesa”. O autarca oliventino, disposto a resolver as divergências, convidou o ministro português que reacendeu a polémica a visitar a vila e criar um espaço de encontro e entendimento. Afinal, é como diz uma piada tradicional da Extremadura: “As mulheres de Olivença não são como as outras, porque são filhas de Espanha e netas de Portugal.”

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