Ocidente alarmado com a maior cooperação a nível militar de Rússia e China: quais são os objetivos dos dois países?

Vladimir Putin indicou que a Rússia mobilizou cerca de 90 mil tropas e mais de 500 navios e aviões para os maiores exercícios militares em 30 anos, que decorreram em todo o mundo na semana passada: 15 “nações amigas” iriam observar as movimentações militares, mas apenas a China participaria ao lado da Rússia. “Estamos a prestar atenção especial ao fortalecimento da cooperação com os nossos países amigos. Isso é especialmente importante hoje por entre a crescente tensão geopolítica ao redor do mundo”, salientou o presidente russo.

Apelidados de ‘Ocean-2024’, os sete dias de exercícios militares, que terminaram esta segunda-feira, foram os mais recentes do trabalho conjunto entre Moscovo e Pequim – a China enviou vários navios de guerra e 15 aviões para águas no Extremo Oriente da Rússia, de acordo com os militares russos. Além disso, as forças chinesas e russas apregoaram neste mês uma coordenação estratégica aprofundada durante exercícios navais conjuntos em águas próximas ao Japão e realizaram a sua quinta patrulha marítima conjunta no Pacífico norte.

Esta cooperação tem sido observada com crescente preocupação em Washington, que tem acusado Pequim de reforçar o setor de Defesa da Rússia com exportações de uso duplo, uma acusação negada pela China. No entanto, de acordo com os especialistas, os últimos exercícios militares conjuntos encaixam-se num padrão de mais de uma década entre os dois países. No entanto, num momento de tensões globais intensas – como a guerra na Ucrânia e as reivindicações à ilha autónoma de Taiwan -, os exercícios ressaltam como Moscovo e Pequim se veem cada vez mais essenciais para projetar força. Colocam-se também questões sobre se as duas potências nucleares poderiam agir juntas num potencial conflito futuro.

A relação entre esses dois países vizinhos nunca foi simples: Moscovo e Pequim já foram inimigas em 1969, num conflito de fronteira. Entre 2014 e 2023, os dois exércitos realizaram pelo menos quatro e até 10 exercícios militares conjuntos, jogos de guerra ou patrulhas por ano, incluindo exercícios multilaterais com outros países, de acordo com dados do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS).

Até julho deste ano, já houve sete atividades desse tipo, segundo os dados do CSIS daquele mês, com os exercícios de agosto e setembro elevando o total para 11, refere a ‘CNN’: os exercícios e patrulhas parecem cada vez mais complexos, com forças navais e aéreas ou equipamentos mais avançados, além de ocorrerem em partes mais distantes do mundo.

“Não são tão interoperáveis como os aliados da NATO, mas estão a melhorar e consolidar essa parceria ou alinhamento estratégico”, precisou Alexander Korolev, professor sénior de política e relações internacionais na Universidade de New South Wales, em Sydney.

A demonstração da consolidação da Rússia e da China tem um público claro: os EUA e seus aliados. Para Putin, essas preocupações incluem impedir a expansão da NATO, enquanto Xi visa o controlo de Taiwan e o domínio do Mar da China Meridional. De acordo com o presidente russo, os EUA e a NATO estão a “usar a suposta ameaça russa e a política de contenção da China como pretexto para aumentar a sua presença militar ao longo das fronteiras ocidentais da Rússia, bem como no Ártico e na Ásia-Pacífico”.

Tanto a Rússia como a China querem mostrar aos EUA e aliados que os seus “exércitos estão a tornar-se cada vez mais integrados e qualquer desafio corre o risco de uma resposta combinada”, apontou Carl Schuster, capitão reformado da Marinha dos EUA e ex-diretor de operações do Centro de Inteligência Conjunta do Comando do Pacífico dos EUA. “Eles estão a dizer, na verdade, o que podem fazer connosco, isto, é, operar no seu quintal como têm feito no nosso.”

Em declarações conjuntas, China e Rússia insistem que o seu relacionamento é de não alinhamento e não tem como alvo terceiros. Cada um também tem objetivos geopolíticos diferentes na região. A Rússia, por exemplo, mantém laços estreitos com a rival da China, a Índia – e provavelmente está ansiosa para impedir qualquer ascendência chinesa na Ásia que aprofunde o desequilíbrio de poder entre Pequim e Moscovo.

Por sua vez, a China também teria receio de comprometer os seus próprios objetivos estratégicos ao agir muito diretamente em conjunto com a Rússia – mas também de qualquer ação que pudesse desestabilizar os laços de aquecimento com o seu vizinho do norte, após décadas de relações conflituosas. “Simplificando, a China não fica do lado de ninguém além de si mesma”, sustentou James Char, professor assistente do Instituto de Defesa e Estudos Estratégicos da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura. “Por baixo da superfície, China e Rússia continuam a abrigar uma profunda desconfiança mútua.”

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