Novo passe ferroviário nacional de 20 euros pode estar em risco devido a falta de comboios e infraestruturas

O novo passe ferroviário nacional de 20 euros, anunciado pelo primeiro-ministro Luís Montenegro com grande entusiasmo há poucas semanas, na Festa do Pontal, enfrenta obstáculos significativos que poderão limitar o seu sucesso.

Apesar da promessa de um título de transporte acessível para todos os portugueses, a realidade da infraestrutura ferroviária e a escassez de material circulante levantam preocupações sobre a capacidade da CP em responder a um aumento previsível da procura.

Um dos maiores desafios para a implementação do passe de 20 euros prende-se com a escassez e envelhecimento da frota da CP, segundo relata o Jornal de Notícias (JN). A empresa conta com uma frota média com mais de 26 anos de serviço, sendo que muitas das composições foram adquiridas em segunda mão. Há ainda locomotivas a diesel em circulação desde 1967, segundo dados disponíveis no site da CP. O último lote de comboios novos foi adquirido em 2002, o que evidencia o estado desatualizado da frota.

Embora a CP tenha adjudicado recentemente a compra de 117 novos comboios por 819 milhões de euros, o primeiro lote só deverá começar a chegar ao país no final de 2025. Até lá, a empresa continuará a operar com o material atual, o que poderá ser insuficiente para satisfazer a crescente procura que o passe de 20 euros deve gerar. Este passe abrangerá todas as linhas do país, com exceção dos serviços Alfa Pendular.

A falta de comboios é apenas uma parte do problema. Muitas das linhas ferroviárias em Portugal têm infraestruturas limitadas que dificultam o aumento da oferta de serviços. A Linha do Vouga, por exemplo, que liga Aveiro a Sernada do Vouga e Espinho, opera no limite da sua capacidade com apenas sete automotoras disponíveis. Esta linha, que poderia beneficiar amplamente do novo passe, não dispõe de material circulante adicional para responder a um aumento de passageiros.

Pedro Mêda, engenheiro da Ordem dos Engenheiros e membro da Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de Ferro, sublinha que a situação na Linha do Leste, que liga o Entroncamento a Badajoz, é semelhante. “Só há dois serviços diários, não por falta de passageiros, mas porque não há mais material disponível”, afirma. Este problema estende-se também à linha urbana do Porto, que continua a operar com unidades elétricas adquiridas em 2002.

Para além da falta de comboios, as infraestruturas de algumas linhas ferroviárias não permitem aumentar o número de carruagens ou a frequência de comboios. A Linha do Minho, que liga o Porto a Valença e Vigo, é um exemplo disso. As plataformas de embarque e desembarque nesta linha só comportam três carruagens, limitando a capacidade dos comboios, que circulam em via única, o que impossibilita o reforço de serviços.

O mesmo acontece na Linha do Douro, entre Caíde e Pocinho, onde as limitações técnicas da via única tornam inviável o aumento da oferta. “Não é possível acrescentar mais carruagens porque não há disponibilidade de canal”, explica Pedro Mêda, reforçando a complexidade técnica envolvida na expansão do serviço ferroviário em algumas zonas do país. Atualmente, um passe mensal entre Viana do Castelo e o Porto custa 175,20 euros, e o novo passe de 20 euros poderia ter um impacto significativo na redução dos custos para os passageiros, mas as limitações da linha representam um obstáculo.

Nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, onde a procura já é elevada, as expectativas em torno do novo passe são mais otimistas. Pedro Mêda acredita que, nessas regiões, a intermodalidade entre o comboio, metro e autocarros já é uma realidade para milhares de passageiros. No entanto, ressalva que a entrada em vigor da medida dependerá de um financiamento adequado, uma vez que será necessário alocar verbas através do Orçamento do Estado e ajustar o contrato de serviço público com a CP.

A médio prazo, a CP espera reforçar a sua frota com 139 novas automotoras elétricas e a diesel. Em novembro de 2023, a empresa adjudicou a compra de 117 comboios ao consórcio francês Alstom, num negócio de 819 milhões de euros. Este é o maior investimento de sempre da CP, mas os primeiros comboios só começarão a circular em 2025. Adicionalmente, a CP espera receber 22 automotoras biomodo e elétricas, adquiridas aos suíços da Stadler, até ao final de 2024.

Apesar destes reforços programados, os desafios imediatos permanecem. “Este plano só se concretizará no próximo ano”, afirma Pedro Mêda, sublinhando que o financiamento terá de ser cabimentado no próximo Orçamento do Estado para que a medida possa ser viabilizada.

O novo passe ferroviário nacional, que entrou em vigor em agosto de 2023, não cobre ligações ao metro ou autocarros, limitando-se ao serviço ferroviário convencional. Um exemplo de poupança considerável é a viagem mensal entre Porto e Lisboa, no serviço Intercidades, que verá o custo reduzido de 473,15 euros para apenas 20 euros.

Apesar das vantagens evidentes para os utilizadores, o impacto do passe foi limitado nos primeiros meses. Até julho de 2023, foram vendidos 30.449 passes, mais de metade dos quais a passageiros que já utilizavam outros títulos mensais. No entanto, o número de pessoas que utiliza o comboio como meio de transporte tem vindo a crescer. Nos primeiros três meses de 2023, a CP transportou 51,8 milhões de passageiros, um aumento que poderá ser intensificado com a implementação plena do passe de 20 euros.

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