Como gerir o risco no sector financeiro? Avaliação, mitigação e estratégias

A avaliação precisa e abrangente dos riscos é o ponto de partida para qualquer estratégia de gestão de riscos. Desde riscos de mercado e crédito até riscos operacionais e regulatórios, as instituições financeiras enfrentam vários desafios que exigem uma análise meticulosa e contínua.
A gestão eficaz do risco vai além da identificação e análise, envolve a implementação de medidas proactivas para mitigar e controlar esses riscos. Estratégias de diversificação e políticas de conformidade são apenas algumas das ferramentas à disposição das instituições para enfrentar os desafios do universo financeiro.
A análise de crédito, em particular, desempenha um papel crucial na avaliação do risco de crédito e na tomada de decisões de empréstimo. A competência de avaliar com precisão a capacidade de pagamento e a solidez financeira dos clientes é essencial para mitigar o risco de inadimplência e garantir a saúde financeira das instituições.
Neste artigo, a Risco explorou os múltiplos aspectos relacionados com a avaliação, gestão, mitigação e análise de riscos, bem como o impacto cada vez mais significativo da tecnologia nesse contexto, contando para isso com a visão de especialistas.

Avaliação de risco de crédito
Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, começa por explicar à Risco que há uma variedade de factores utilizados na avaliação do risco de crédito, mas existem três que são dos mais importantes: a probabilidade de incumprimento, a perda em caso de incumprimento e a exposição ao incumprimento.
«A probabilidade de incumprimento mede a probabilidade de o devedor não conseguir efectuar os pagamentos dentro dos prazos estabelecidos. Enquanto a perda por incumprimento avalia a dimensão do empréstimo, qualquer garantia usada para o empréstimo e a capacidade legal de recuperar o dinheiro se o devedor falir. Por último, a exposição ao incumprimento analisa o risco total de incumprimento que um credor enfrenta num determinado momento», explica o especialista.
Já Catarina Peleja, directora de Risco da Cofidis, realça que os factores de avaliação de risco de crédito têm como base as orientações e melhores práticas partilhadas pelas diferentes entidades regulamentares, e «têm como principal objectivo proteger os consumidores do endividamento excessivo e consequente risco de incumprimento, bem como garantir a segurança das operações e a prevenção do risco sistémico do sistema financeiro como um todo».
Para a especialista, a avaliação está assente em dois tipos de informação:
Interna: consideram dados do cliente (financeiros e histórico do cliente) e dados da operação de crédito em avaliação (em especial enquadramento com a capacidade financeira do cliente);
Externa: informação disponibilizada por entidades externas (obtida com o devido consentimento do cliente), da qual se destaca a consulta à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal.
«A responsabilidade na atribuição de crédito é uma prioridade para a Cofidis. Sabemos que poucas coisas geram tanta ansiedade como o dinheiro, e, por isso, estamos comprometidos com a construção de um futuro onde as finanças são uma fonte de possibilidades e não de preocupações», sublinha.

Como mitigar
Catarina Peleja continua a categorizar as principais técnicas de mitigação de risco em duas vertentes: preventiva e curativa.
Na vertente preventiva, o foco está em:
Garantir uma análise rigorosa, de forma a evitar risco de endividamento excessivo, mas também a segurança dos consumidores em termos de protecção de dados. Nesse sentido usam ferramentas estatísticas de previsão e de detecção de irregularidades, assim como informação disponibilizada por fornecedores externos, como a Central de Responsabilidade de Crédito do BdP;
Garantir o bem-estar financeiro dos clientes e dos consumidores em geral, através de um papel activo na educação financeira dos portugueses. Neste âmbito, realça que desde 2014 que disponibilizam conteúdos na plataforma Contas Connosco; estão nas universidades desde 2023, com o Personal Finance MBA (em colaboração com a Magma); e têm colaboradores voluntários a leccionar literacia financeira em escolas básicas e secundárias, em colaboração com a Junior Achievement Portugal. 

Já na vertente curativa, estão em constante monitorização do portefólio, assegurando soluções de apoio para clientes que indiciam ou já indicaram que poderiam vir a ter dificuldades no cumprimento das suas obrigações, assim como clientes já em incumprimento.
«Acima de tudo, quer na vertente preventiva, quer na curativa, o nosso foco está no bem-estar financeiro das pessoas», sublinha.
Por sua vez, Paulo Rosa destaca a implementação de políticas de crédito padrão em toda a empresa, possuindo equipas de crédito dedicadas à avaliação do risco de crédito nas suas carteiras de clientes. «Uma política de crédito deve fornecer directrizes claramente articuladas com os termos e condições de cedência do crédito, critérios de qualificação do cliente, processo de cobrança e o que fazer se um cliente entrar em incumprimento», sublinha.
Para além disso, destaca a importância de um processo simplificado de integração do cliente, sendo nesta fase formadas as primeiras impressões sobre o cliente. Todo o processo deve ser contínuo e descomplicado.
É também fundamental a agregação eficiente de dados de crédito, ou seja, além das informações fornecidas no formulário de solicitação de crédito, os credores devem também pesquisar a situação financeira dos seus clientes.
Por último, evidencia a necessidade de um modelo de pontuação de crédito o mais personalizado possível, um fluxo de trabalho adequado para aprovação de crédito e entrega de correspondência, evitando assim falhas de comunicação, bem como a revisão periódica de crédito, isto é, monitorização constante da saúde financeira dos clientes é crucial para manter o controlo das contas dos clientes, sobretudo daqueles de risco mais elevado.

Análise de crédito
E como é que a análise de crédito difere entre vários tipos de empréstimos, como crédito pessoal, comercial, de habitação?
Paulo Rosa começa por explicar que os empréstimos pessoais e cartões de crédito têm taxas de juro mais altas, mas não exigem garantias. Já os empréstimos imobiliários têm taxas de juro mais baixas, mas a casa do devedor serve como garantia.
«Os empréstimos pessoais são de montante bastante mais baixo, pois não existe nenhuma garantia real em caso de incumprimento, sendo, assim, necessária a verificação dos rendimentos e, por vezes, prova de activos com valor pelo menos igual ao valor emprestado. A solicitação de um crédito pessoal tem a aprovação emitida em alguns dias ou menos tempo», explica.
O especialista destaca ainda que a vantagem do crédito à habitação é que a taxa de juro cobrada é muito menor do que a de um empréstimo pessoal, no entanto, a casa é a garantia do empréstimo. O devedor pode perder a casa em caso de incumprimento no empréstimo.

Por sua vez, revela que a subscrição de crédito comercial requer um maior número de dados quantitativos e qualitativos, que entram num modelo de risco para calcular uma classificação de crédito empresarial. Esta classificação (ou pontuação) de crédito impacta directamente os preços e outros elementos da estrutura do empréstimo.
Já Catarina Peleja explica que a análise de crédito (pessoal, porque a Cofidis não disponibiliza crédito habitação) difere tendo por base o montante pedido e respectivo peso na disponibilidade orçamental das famílias.
«No crédito a particulares a análise assenta essencialmente em informação pessoal; no crédito a empresas, para além da análise da informação dos sócios, é considerada também a sustentabilidade da empresa. Quanto menor a disponibilidade orçamental, maior a responsabilidade na atribuição do crédito e na sustentabilidade das famílias», revela.

O impacto da tecnologia
«Com o aumento do comércio digital e a sofisticação tecnológica em ascensão, os agentes de fraudes estão a adaptar os seus métodos para encontrar novas formas de enganar, tanto consumidores como empresas», começa por assinalar Gonçalo Santos Lopes, country manager da Visa em Portugal.
O executivo considera que, nos próximos anos, vamos continuar a observar que a fraude se adapta à nossa vida quotidiana e às tendências que reflectem os hábitos dos consumidores. Isto pode dever-se a alguns factores, como o aumento dos pagamentos digitais, que transformou significativamente a circulação do dinheiro, tornando-a mais fácil, mais rápida e mais simples.
Devido às actuais ameaças de fraudes e ferramentas de Inteligência Artificial (IA), manter a segurança dos dados e proteger as informações pessoais torna-se agora ainda mais complexo. 

Assim, para resolver este problema, o especialista refere que podem ser utilizadas soluções alimentadas por IA e Machine Learning, para detectar as ameaças em vários ambientes e plataformas, e reforçar os métodos de defesa das organizações. Destaca ainda que, na Visa, estão concentrados em aproveitar ao máximo todas as camadas de protecção que a cibersegurança de ponta proporciona, a IA, a análise avançada, as soluções de autenticação, e muito mais, a fim de reduzir a fraude em todo o ecossistema de pagamentos.
«Não existe uma solução milagrosa no que diz respeito à segurança. No nosso caso estamos a adaptar uma estratégia multidisciplinar e multicanal à próxima geração de ameaças, para proporcionar uma protecção o mais abrangente possível. Por exemplo, temos mais de 1000 especialistas em cibersegurança que trabalham a tempo inteiro e utilizam o processamento de natural language para analisar petabytes de dados. Isto permite-nos proteger a rede da Visa contra malware e ataques inesperados», afirma.

Gonçalo Santos Lopes explica que, só em 2023, os esforços e equipas globais da Visa permitiram bloquear tentativas de fraude em todo o mundo num valor estimado em 40 mil milhões de euros. Também estão a utilizar mais soluções baseadas em IA e modelos de Machine Learning para identificar ameaças aos pontos mais vulneráveis das redes.
Do lado do cliente, as equipas de segurança da Visa monitorizam constantemente, analisam e verificam os sistemas dos clientes à procura de possíveis actividades suspeitas e alguma vulnerabilidade que possa ser identificada. «À medida que nos preparamos para a próxima geração de ameaças, é imprescindível continuarmos a investir em tecnologias de ponta para nos mantermos à frente das ameaças, em constante evolução», destaca.
O economista sénior do Banco Carregosa acrescenta ainda que muitas empresas tecnológicas estão a desenvolver algoritmos e programas baseados em IA e aprendizagem automática, para analisar e subscrever crédito de forma mais rápida e eficiente do que as empresas de serviços financeiros tradicionais, que dependem fortemente de intermediários humanos e de uma burocracia considerável.

«Embora grande parte da perturbação e do desenvolvimento tenha ocorrido no crédito pessoal (onde a subscrição de crédito é mais homogénea e geralmente envolve menos pontos de dados), algumas empresas também procuram inovar no espaço do crédito comercial, especialmente nos segmentos de menor dimensão», revela.
Já a directora de Risco da Cofidis destaca que a tecnologia e, em particular, a IA têm tido um papel de relevância na prevenção da fraude, no entanto, para decisões de atribuição de crédito usam uma visão tradicional da algoritmia estatística, utilizando métodos que permitem compreender e explicar os modelos de decisão.
Assim, a gestão do risco é primordial para a estabilidade e crescimento das instituições financeiras. Desde a avaliação precisa dos riscos até à implementação de medidas proactivas para mitigá-los, os especialistas sublinham a importância da análise de crédito, destacando que a capacidade de avaliar com precisão a solidez financeira dos clientes é essencial para garantir a saúde financeira das instituições. 

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