“Algo falhou”: Investigada demora de até duas horas no alerta à PJ e GNR sobre fuga de reclusos perigosos da cadeia de Vale de Judeus
A evasão de cinco reclusos considerados extremamente perigosos da cadeia de Vale de Judeus, em Azambuja, pode ter demorado entre uma a duas horas a ser comunicada às forças de segurança, nomeadamente à Guarda Nacional Republicana (GNR) e à Polícia Judiciária (PJ). Segundo fontes envolvidas no caso, este intervalo de tempo é crucial numa situação de fuga e terá comprometido as operações para a captura dos fugitivos.
O Diário de Notícias tentou obter a confirmação oficial da hora exata da comunicação, mas nem a GNR nem a PJ forneceram essa informação, sugerindo que, como referiu Rui Abrunhosa Gonçalves, diretor-geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), “algo falhou”.
Investigação interna em curso
Rui Abrunhosa Gonçalves, especialista em Psicologia da Justiça e diretor da DGRSP, confirmou ao DN que a demora na comunicação está sob investigação. “Estamos a conduzir uma investigação interna para apurar o que se passou na cadeia de transmissão da informação, e este dado é fundamental para esclarecer em sede de inquérito interno”, afirmou, sem confirmar explicitamente se houve um atraso significativo na notificação da fuga.
Em situações de evasão, os diretores das prisões são obrigados a informar de imediato o órgão de polícia criminal mais próximo, o Tribunal de Execução de Penas e a Direção-Geral das prisões. No caso de Vale de Judeus, a GNR era a força de segurança mais próxima. No entanto, quando questionada sobre a hora em que foi notificada, a GNR não revelou essa informação, afirmando apenas que “a linha cronológica faz parte da investigação e do inquérito”, conforme explicado pela porta-voz da força de segurança.
Falta de comunicação entre forças de segurança
Um dos aspetos ainda por esclarecer é o tempo que a GNR demorou a alertar a PJ sobre a fuga. Luís Neves, diretor nacional da PJ, revelou durante uma conferência de imprensa que a sua polícia estava no terreno “há mais de 20 horas” na altura do seu comunicado, por volta das 11h de domingo. Calculando o tempo, isso significa que a investigação da PJ terá começado por volta das 15h de sábado, cerca de cinco horas após a fuga.
Consequências e repercussões
Especialistas em segurança consultados pelo DN criticaram o atraso na resposta à fuga. Hugo Costeira, especialista na área, afirmou que o intervalo entre a fuga e o alerta terá sido “superior a 40 minutos”, um tempo crítico para operações de captura. Jorge Bacelar Gouveia, presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), comentou que a introdução de controlos fronteiriços terrestres não seria eficaz: “Com pessoas desse calibre, isso seria completamente inútil”, referiu.
Ambos os especialistas concordam que este incidente prejudica a imagem do Estado. Hugo Costeira sublinhou que “os parceiros internacionais vão tomar conhecimento do que aconteceu, o que cria uma mancha na credibilidade internacional”. Bacelar Gouveia reforçou essa visão, afirmando que “os países ficarão cientes de que reclusos perigosos conseguem fugir de uma prisão de alta segurança”, o que pode ter implicações reputacionais para Portugal, mesmo que estas situações ocorram em outros países.
Pedido de calma por parte do Presidente da República
No domingo, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apelou à calma e pediu tempo para que as investigações esclareçam o sucedido. “É preferível apurar serena e cabalmente o que se passou e só depois informar”, declarou, pedindo ainda para evitar alarmismos em torno do caso.
Como se processou a fuga?
A fuga dos cinco reclusos da cadeia de Vale de Judeus envolveu um plano altamente detalhado e bem preparado, segundo as autoridades. A operação terá contado com a ajuda de cúmplices externos e o uso de telemóveis e redes sociais, que os reclusos acediam indevidamente. Um dos fugitivos, Fábio Loureiro, conhecido como ‘Cigano’, comunicava frequentemente com os seus familiares através do Facebook.
O plano de fuga foi executado com o auxílio de dois veículos e escadas adaptadas, uma colocada no exterior e outra no interior da prisão, para ultrapassar os muros, incluindo um com 10 metros de altura. Os reclusos utilizaram ainda uma corda com um gancho para escalar o primeiro muro, de três metros de altura, e a vedação do exterior foi cortada.
Pouco depois da fuga ser detetada, guardas prisionais e inspetores da PJ realizaram buscas nas celas dos fugitivos e recolheram bens pessoais e documentos. Uma segunda ronda de buscas foi efetuada em outras celas, suspeitando-se de ligações entre outros reclusos e os fugitivos.
A investigação também está a analisar a possibilidade de uma tentativa de fuga anterior, em agosto, ter servido de preparação para esta operação. Nesse caso, um recluso tentou fugir pelo telhado, sem sucesso. A PJ confirmou que os foragidos estão associados ao crime organizado, com recursos financeiros e fácil acesso a armas.