Preços das casas e procura disparam com medidas do Governo para apoiar jovens na compra de habitação
As novas medidas de apoio à compra de habitação dirigidas aos jovens têm provocado um aumento significativo na procura por imóveis, mas sem um correspondente crescimento da oferta, o que está a exercer uma pressão adicional sobre os preços do mercado imobiliário.
Desde que o Governo anunciou, há quatro meses, as novas políticas de habitação, ainda é cedo para avaliar plenamente os seus efeitos. As medidas que poderão ter um impacto mais profundo são de longo prazo e, em muitos casos, ainda não foram implementadas. Contudo, duas iniciativas já estão a influenciar o mercado: as isenções fiscais e a garantia pública para financiamento a 100% na compra da primeira casa, ambas destinadas a jovens. Estas medidas resultaram num aumento visível na procura por imóveis dentro dos limites estabelecidos, mas a falta de uma oferta correspondente está a contribuir para a escalada dos preços.
Em maio, o Governo apresentou o pacote “Construir Portugal”, cumprindo as promessas feitas no Programa de Governo revelado no mês anterior. Ao contrário do pacote “Mais Habitação” do governo anterior, que teve várias das suas medidas revogadas, o executivo de Luís Montenegro adoptou uma nova abordagem para enfrentar a crise habitacional, centrada na construção e na criação de incentivos fiscais e de financiamento para aumentar a oferta de habitação no mercado.
Fomentar a Oferta: Medidas do Governo
O Governo introduziu várias medidas com o objetivo de aumentar a oferta de habitação a preços acessíveis para as famílias. Entre estas, destaca-se a criação de um regime legal que permite utilizar imóveis públicos devolutos ou subutilizados para habitação de forma quase automática. Além disso, serão lançadas linhas de crédito destinadas à promoção da construção de habitação para arrendamento, e o IVA nas obras de reabilitação e construção será reduzido para a taxa mínima de 6%. Estão também a ser assinados termos de responsabilidade entre o Governo e as autarquias para acelerar a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Além de tentar aumentar a oferta, o Governo também introduziu apoios à procura, principalmente direcionados aos jovens. Entre estes, incluem-se a isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), imposto de selo e emolumentos devidos pelo registo de aquisição de uma casa, para jovens até aos 35 anos que comprem a sua primeira habitação para residência permanente, desde que o valor não ultrapasse o quarto escalão de IMT (316.772 euros em 2024). Adicionalmente, foi criada uma garantia pública para viabilizar o financiamento a 100% na compra da primeira casa, até um valor máximo de 450 mil euros.
Desfasamento entre Procura e Oferta
No entanto, enquanto estas isenções fiscais já estão em vigor, a garantia pública aguarda regulamentação e deverá entrar em funcionamento em breve. Em contraste, a expansão da oferta de habitação acessível, prevista no âmbito do PRR, está a avançar lentamente. Até julho, o Governo tinha celebrado acordos com 18 municípios para a construção ou reabilitação de quase 4.500 habitações, mas a construção de novos fogos está atrasada. Muitos dos municípios que já receberam fundos ainda não lançaram os concursos públicos necessários para adjudicar as obras.
Preços da habitação em alta
Este desfasamento entre o aumento da procura e a estagnação da oferta já está a ter efeitos visíveis no mercado. As principais agências imobiliárias em Portugal relatam uma continuidade na subida dos preços, um fenómeno que já se vinha observando há vários anos. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), os preços das habitações aumentaram 7% no primeiro trimestre de 2024 em comparação com o ano anterior, enquanto as rendas subiram 10,5%.
Beatriz Rubio, presidente da Remax, afirma ao Público que “desde o início do ano, observou-se uma ligeira subida nos preços de venda e arrendamento, enquanto a oferta se manteve relativamente estável, com uma tendência para ligeira redução em algumas regiões, especialmente nas grandes cidades”. A Remax registou um aumento de 4,5% no preço médio do arrendamento e de 2% no preço médio de venda de casas até ao final de julho, comparando com o início do ano. Em contrapartida, o número de imóveis disponíveis para venda ou arrendamento caiu 1% em relação a janeiro.
Rui Torgal, presidente da Era Portugal, revelou ao mesmo jornal que o segundo trimestre de 2024 foi “o melhor de sempre a nível de facturação”, com aumentos de cerca de 8% no preço médio e no número total de operações em comparação com o ano anterior. Em julho, a Era registou uma subida anual de 5% no preço médio e um crescimento de 21% no número de transacções, apesar de uma diminuição de 4% no número de imóveis disponíveis em relação a 2023.
Ricardo Sousa, presidente da Century 21, nota que “os preços registam um comportamento muito estável, com subidas moderadas ou até algum ajuste em baixa nos mercados mais consolidados”, como Lisboa, Algarve e Porto. No entanto, em regiões como o Norte, Centro e periferias de Lisboa e Porto, “registam-se subidas mais acentuadas de preços”.
O impacto das medidas
As medidas específicas para os jovens estão a ter um impacto direto e imediato. As isenções fiscais já em vigor aceleraram a procura por habitações dentro dos limites estabelecidos. “A procura por imóveis até 316.772 euros, beneficiados pelas isenções de IMT e imposto de selo, tem registado um crescimento significativo”, disse Beatriz Rubio, acrescentando que a oferta de imóveis abaixo deste valor é “limitada em algumas zonas urbanas”. Telmo Azevedo, da JLL, confirmou esta tendência, apontando para uma procura crescente por imóveis até 316 mil euros.
Por outro lado, a garantia pública, ainda em fase de regulamentação, está a causar adiamentos em algumas transacções, com potenciais compradores a aguardar a sua entrada em vigor para beneficiar do financiamento a 100% com garantia do Estado.
Desafios à vista no mercado imobiliário
Os operadores do sector consideram que a tendência de subida dos preços será difícil de inverter. “Portugal esteve cerca de duas décadas sem, praticamente, construção nova”, explicou Rui Torgal, sublinhando que “um conjunto de políticas que deixaram o sector para segundo plano, como aumentos na carga fiscal, burocracia sem fim ou o abandono de imóveis públicos que poderiam ter sido aproveitados para habitação acessível, criou um ecossistema que continuará a pressionar os preços.”
Em resumo, as novas medidas de apoio à compra de habitação por jovens estão a impulsionar a procura, mas a falta de uma resposta equivalente na oferta está a intensificar a pressão sobre os preços, criando desafios contínuos para o mercado imobiliário em Portugal.