Gaivotas, pombos, patos…: Investigação revela que aves urbanas podem estar a espalhar ‘super-bactérias’ resistentes a medicamentos

As aves selvagens que vivem perto de áreas urbanas têm maior probabilidade de serem portadoras de bactérias resistentes a antibióticos, segundo um novo estudo científico da Universidade de Oxford, que faz soar mais um alerta sobre a propagação global das chamadas “super-bactérias”.

Espécies que habitam em áreas urbanas, como patos, corvos, gaivotas e gansos, apresentaram até três vezes mais marcadores genéticos associados à resistência a medicamentos em comparação com as suas contrapartes que vivem em locais mais remotos, de acordo com os investigadores.

Estas descobertas sublinham a crescente ameaça que a resistência antimicrobiana (AMR, na sigla em inglês) representa para a eficácia de medicamentos essenciais. Além disso, realçam as preocupações sobre a possível transmissão de doenças zoonóticas entre animais e humanos, como no caso do recente surto de gripe das aves nos Estados Unidos.

“Há uma necessidade urgente de compreender como a atividade humana está a influenciar a propagação de doenças zoonóticas e da AMR”, afirmou o professor Samuel Sheppard, autor principal da investigação, publicada na terça-feira na revista Current Biology (da Cell Press), em entrevista ao Financial Times.

O estudo destacou a necessidade de ações globais abrangentes para limitar o avanço da AMR, incluindo nas áreas de conservação da vida selvagem, saúde pública e agricultura, acrescentou Sheppard, do Instituto Ineos de Oxford e do departamento de biologia da Universidade de Oxford.

Um grupo internacional de investigadores examinou 700 amostras de bactérias recolhidas dos intestinos de 30 espécies de aves selvagens em oito países — cinco na Europa, além do Japão, dos Estados Unidos e do Canadá. Analisaram a diversidade de estirpes de Campylobacter jejuni, uma bactéria zoonótica causadora de diarreia que vive nos intestinos das aves.

As espécies concentradas em áreas urbanas apresentavam mais marcadores genéticos associados à AMR e uma maior diversidade de estirpes bacterianas do que as que vivem em ambientes rurais. Os genes marcadores de AMR incluíam alguns associados à resistência a antibióticos de uso comum, como as fluoroquinolonas, que tratam uma variedade de doenças, desde pneumonias até infeções urinárias.

O estudo sugere que as autoridades devem considerar medidas mais rigorosas para reduzir a exposição humana, como assegurar que as aves não se concentrem em aterros de resíduos, estações de tratamento de águas residuais e pilhas de resíduos animais, locais onde “tanto os patogénicos como a AMR são abundantes”, disse o Dr. Andrew Singer, cientista principal do Centro de Ecologia & Hidrologia do Reino Unido.

“Além disso, devemos também eliminar a descarga de esgotos não tratados nos nossos rios, o que expõe toda a vida selvagem e os humanos que utilizam os rios a patogénicos associados aos humanos e à AMR”, acrescentou Singer.

A AMR tem sido apelidada de “pandemia oculta” devido à sua escala global. O fenómeno desenvolveu-se devido ao uso e eliminação descuidados de medicamentos cruciais, permitindo que bactérias e outros patogénicos no ambiente ganhassem resistência.

Os países irão realizar discussões à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas no próximo mês sobre como lidar com a AMR.

O estudo mais recente demonstrou como os governos precisam de focar-se no papel das aves como vetores de doenças e na propagação de genes, afirmou Brendan Wren, professor de patogénese microbiana na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

“A maioria de nós vive em ambientes urbanos e devemos considerar muito atentamente as nossas interações com a natureza”, disse Wren. “As aves têm encontros frequentes com humanos e podem espalhar rapidamente o seu microbioma e o conjunto de genes associados, uma vez que têm poucas barreiras geográficas.”

Katherine Lagerstrom, investigadora no departamento de ecologia e biologia evolutiva da Universidade de Princeton, afirmou que a AMR é principalmente um problema gerado pelos humanos.

“Embora seja verdade que as aves migratórias selvagens — e outros animais selvagens — possam desempenhar um papel na distribuição de bactérias AMR, somos nós os principais responsáveis pela criação e disseminação de AMR clinicamente relevante”, disse Lagerstrom, que acrescentou que o estudo teria beneficiado de uma maior dimensão amostral.

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