Ideias que mudam o mundo – ADLaM
Por: Fast company
Actualmente, existem cerca de sete mil línguas faladas no mundo e pelo menos 40% delas não têm um alfabeto escrito. O francês pode ser língua oficial em grande parte da África Central e Ocidental, mas há muitas outras línguas faladas habitualmente, incluindo o Pulaar, também conhecido como Fulfulde, a língua franca de 40 milhões de Fulani. Agora, graças a décadas de trabalho de dois irmãos nascidos na região, que culminaram em parcerias com a Microsoft e a gigante da publicidade McCann, o Pulaar tem o seu próprio alfabeto, com um novo e elegante design para a internet.
«Não conseguíamos escrever corretamente a nossa língua usando o alfabeto árabe», explica Abdoulaye Barry, que cresceu na Guiné na década de 80. Abdoulaye tinha apenas 10 anos e o seu irmão Ibrahima apenas 14, quando começaram a conceber uma forma manuscrita inicial, com 28 letras originais e 10 algarismos.
Mais tarde, deram-lhe o nome de ADLaM – um acrónimo para Alkule Dandayɗe Leñol Mulugol, que significa «o alfabeto que evitará que a cultura, o povo, desapareça», diz Abdoulaye Barry.
O ADLaM, incluído no Unicode em 2016, está agora disponível em todos os sistemas operativos.
Após mudarem-se para Portland, Oregon, no início dos anos 2000, os irmãos continuaram a promover o ADLaM e começaram a fazer incursões na Microsoft, bem como no Consórcio Unicode, a organização sem fins lucrativos que define o padrão para representar texto em dispositivos digitais. Em 2016, o ADLaM foi incluído na versão Unicode 9.0 e, em 2019, a Microsoft incluiu-o no Windows, permitindo aos utilizadores escrever e ver o ADLaM em todo o sistema operativo. Outras plataformas importantes, incluindo Android e iOS, seguiram o exemplo.
Ainda assim, o tipo de letra nem sempre era apresentado correctamente nos espaços digitais. Em 2022, os Barry e um grupo de designers de tipos de letra colaboraram com a Microsoft e a McCann para criarem um tipo de letra revisto, o ADLaM Display. Lançado em Abril de 2023 como um download gratuito em várias plataformas de todo o mundo, que inclui um conjunto de materiais de sala de aula, o tipo de letra mais fácil de ler ajuda a acelerar a adopção do alfabeto em redes sociais como o WhatsApp e o Telegram, espalhando o alfabeto Pulaar na África Ocidental, Europa, Médio Oriente e EUA. É a vencedora do prémio Ideias Que Mudam o Mundo da Fast Company na categoria de publicidade.
Trabalhando em estreita colaboração com os Barry, os designers de tipos Mark Jamra, Neil Patel e Andrew Footit inspiraram-se nos pontos, triângulos, chevrons e losangos presentes nos cobertores, chapéus e têxteis tradicionais da cultura Fulani.
A longa viagem do alfabeto é também um lembrete de que a inclusão no Unicode é apenas uma peça num puzzle maior de justiça linguística global. As plataformas mais pequenas ainda não adoptaram o alfabeto e, mesmo com o apoio da Microsoft, da Apple e da Google, os sistemas de escrita da direita para a esquerda, como o ADLaM, têm problemas
persistentes de visualização. «E nem sequer pensamos em todos os dicionários, todas as ferramentas, todas as coisas que conseguimos usar em torno do inglês ou de línguas maiores», diz Ross Perlin, linguista e autor de “Language City”. «Cada uma destas coisas precisa de ser desenvolvida e escolhida voluntariamente. E, claro, não há recursos para nada disto, comercialmente.»
Enquanto continuam a trabalhar num dicionário de Pulaar, os Barry estão agora a tentar incitar outras plataformas tecnológicas – e os ministérios da educação da África Ocidental – a apoiar o ADLaM. Para além da web, o seu alfabeto tornou-se parte integrante da cultura Fulani. Está a ser ensinado em centros de aprendizagem em todo o mundo, aparecendo em arte, vestuário e sinalética, ajudando as pessoas a gerir a contabilidade e a manterem-se informadas.
Os irmãos estão particularmente orgulhosos pelo facto de o alfabeto estar a ajudar as mulheres da comunidade Fulani a adquirirem as competências de literacia de que necessitam para gerirem os seus pequenos negócios. Abdoulaye Barry nota que o ADLaM inspira os falantes de algumas outras línguas africanas a trabalharem também nos seus próprios alfabetos. «Porque agora eles sabem o que nós já sabemos há muito tempo: se querem salvar a vossa língua, têm de conseguir escrevê-la.»