Número de infeções dispara 30% e mortes quadruplicam: especialista explica o aumento de casos da Covid-19

O número de casos da Covid-19 em Portugal estão em crescendo desde maio: de acordo com dados da Direção-Geral de Saúde (DGS), foram reportados 616 casos no passado dia 14 (o valor mais elevado desde 8 de setembro do ano passado, com 629) sendo que no dia 26 morreram 18 pessoas, o número mais alto desde 15 de julho de 2022, quando foram registados 24 óbitos.

Os números merecem atenção, alerta o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, em exclusivo à ‘Executive Digest’, que explicou os motivos deste aumento do número de novos casos. “Há duas razões principais”, começa por frisar.

“A primeira, o surgimento de novas variantes do vírus (KP.2 e KP.3) e descendentes destas. Estas novas linhagens do vírus são descendentes de uma outra (JN.1), que dominou a Europa e o mundo no final de 2023 e nos primeiros dois meses deste ano. Em Portugal, a KP.3 passou a ser dominante ao longo do mês de maio, de acordo com os relatórios do Instituto Dr. Ricardo Jorge”, aponta.

“Temos um conjunto de novas linhagens que se caracterizam por serem capazes de evadir aos anticorpos que todos temos a circular no sangue: ou porque fomos vacinados ou porque fomos infetados, ou ambos. Tem uma grande capacidade evasiva. O vírus tem continuado a evoluir, aliás de uma maneira impressionante, para fugir às nossas proteções contra infeção – que são essencialmente devidas à circulação de anticorpos no sangue, o que chamados a imunidade humoral”, refere o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL).

“Depois, em segundo lugar, aqueles que foram vacinados, na melhor das hipóteses, fizeram-no há sete ou oito meses, no outono de 2023. Os anticorpos que adquiriram com a vacina já caíram para número baixíssimos. Ainda por cima, a percentagem de pessoas com mais de 60 anos que se vacinou foi abaixo do desejável, sensivelmente 66%. O que quer dizer que 34% das pessoas não se vacinaram, que estão agora numa situação pior”, explica o especialista.

“Temos níveis de anticorpos baixíssimos e não são eficazes a neutralizar estas novas variantes”, aponta. E o que é que resulta?

“Resulta que cada um de nós, se inalar o vírus, é infetado. Tenho ouvido que a variedade de sintomas tem sido grande, em alguns casos um bocadinho fora do que era habitual. Em princípio, não desenvolvemos doença grave. Isto porque temos uma segunda linha de defesa, a chamada imunidade celular, que são células de memória que preservamos e que nos defendem de doença grave. A ativação destas células de memória confere uma proteção após aproximadamente cinco dias. Ora, o vírus leva três a incubar. O que faz com que a nossa imunidade celular acabe por nos proteger de doenças mais graves”, sublinha o epidemiologista.

Nos hospitais, frisa, “têm registado um aumento do número de pessoas com teste positivo, que foi de aproximadamente 30% nos últimos três meses. Passámos de 100-110 pessoas para aproximadamente 130 pessoas. É um aumento lento e suave, mas não deixa de ser um aumento. O maior risco estão nas pessoas mais frágeis – pessoas com 70, 80 ou mais anos, com muitas comorbilidades, que são as que estão morrer. Tivemos quatro vezes mais óbitos desde o início de junho: passámos de, em média, 3 para 12 mortes por dia”.

Os números, de acordo com Manuel Carmo Gomes, “não são alarmantes”. “Porque se olharmos para os hospitais e virmos este aumento de 30% ao longo de três meses, não é nada que se compare ao que assistimos em 2021 e em 2022. Não é alarmante, não existe uma pressão enorme nas unidades de saúde”, refere.

“Mas é alarmante para as pessoas que são muito frágeis, com ou sem vacina, e que correm riscos sérios se forem infetadas. Estas, em particular os mais idosos, devem proteger-se. As pessoas já se esqueceram do vírus, mas ele não se esquece de nós. Não podem pensar que este vírus é sazonal como a gripe. Este vírus não tem essas características, continua entre nós na primavera ou verão. Estamos a assistir a esta subida muito significativa no verão, como já aconteceu no passado. Para essas pessoas, é preocupante, têm de tomar precauções. E em último caso, se tiverem mesmo de contactar com pessoas, devem proteger-se com uma boa máscara”, avisa.

“Lamento dizer, mas a perspetiva é que vá continuar a ser sempre preocupante para essas pessoas e que não vai embora”, conclui Manuel Carmo Gomes.

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