Do outro lado do espelho: Nuno Espanã, Administrador Executivo do Cluster Lusíadas Clinicas Lisboa

Foi com espanto que no final de 2014, e enquanto estava a consultar a sua conta bancária, que Nuno España reparou num débito de 300 euros. Descobrindo que o pagamento havia sido feito a uma empresa norueguesa, rapidamente se apercebeu de que o montante correspondia ao valor da inscrição que tinha feito meses antes no Isklar Norseman Xtreme Triathlon, uma das provas de triatlo mais duras do planeta: quatro quilómetros de natação, 180 quilómetros de bicicleta e uma maratona para finalizar. Todo o percurso ao longo de uma exigente paisagem norueguesa, entre fiordes e montanhas. «Candidatei-me meses antes, mas nunca mais pensei nisso. Ainda para mais, entretanto, tinha nascido o meu segundo filho e só pensei em como é que ia contar à minha mulher», revela. «Convidei-a para almoçar junto ao rio, deixei a refeição rolar até que ganhei coragem para lhe contar», lembra. Revelado o tema, Nuno só pensava em seguir em frente. Treinou durante vários meses, muitos deles em condições adversas, até que chegou o grande dia. 

A prova inicia-se na cidade de Eidfjord, às cinco da manhã, num ferry-boat que habitualmente faz a travessia de automóveis. Um salto para a água gelada, é a primeira dificuldade a ultrapassar. «O ambiente no ferry era gelado, não só porque estava um frio de morte, mas também porque causa do silêncio sepulcral que tornava a viagem mais pesada». Segue-se um percurso de bicicleta, com muitas subidas a acumularem três mil metros, e condições atmosféricas bastante adversas. Já na corrida, esta prova revela ser diferente de qualquer outra, pois acrescenta um factor adicional: tem duas possibilidade de fim: ou na montanha mais alta, com t-shirt preta, mas para isso teria de passar nos primeiros 160 classificados ou com menos de 14h30 de prova ou na montanha mais pequena, onde receberia a t-shirt branca. Nuno passou com 12h10 horas, mas era o 165.º atleta. «Apesar de estar cansado e de não ter ido tocar no céu, não conseguia deixar de estar feliz com tudo aquilo. Estava rodeado das melhores pessoas para me ajudar.»

Outra característica da prova, é que a mesma se desenrola em total autonomia, quer isto dizer, que não existem abastecimentos fornecidos pela organização. Ao invés, o atleta deve ter consigo uma equipa de apoio que o acompanhará em todo o percurso, e que subirá juntamente com ele até ao topo da montanha, se disso for caso. Nuno contou com apoio da mulher e do amigo Ismael, que lhe transmitiram a alegria, ânimo e fôlego para terminar a prova. Acabou  em terceiro lugar das brancas, mas mais importante era o facto de querer acabar como tinha começado: junto da sua equipa.

O PONTO DE PARTIDA
Anteriormente, em 2011, a morte do pai imprevisível e inesperada remeteu-o para uma dor que o paralisou. «Com a morte do meu pai a vida ganhou outros contornos e eu tive dificuldade em aceitá-los.» Pouco tempo depois, o cunhado desafiou-o a fazer uma meia-maratona. Mesmo sem saber muito bem ao que ia, a ideia era tirá-lo da letargia. A família andava preocupada e Nuno sempre soube da importância de sermos todos por um e um por todos. Na altura pesava cerca de 92 quilos, fez uns treinos suaves e arriscou. Os primeiros quilómetros correram bastante bem, mas a partir do 16.º quilómetro, o cansaço acabou por vencer. Estava em esforço mas acabou por completar a prova. A partir daí, nunca mais deixou de correr, seja em meias ou maratonas. Mas queria mais e deu o salto. Entre 2014 e 2017, Nuno España completou mais de 35 maratonas e ultramaratonas, além dos três Ironman mais difíceis do mundo: Norseman, Swissman e Celtman.
«Não há dia em que não pense no meu pai, mas já não me sinto mal com esse pensamento. É uma recordação doce». Senti que essa morte tinha de significar alguma coisa na minha vida. Tinha de provocar algum tipo de mudança, senão o que retiramos de todo o sofrimento? Se não, a morte não serve para nada. A dada altura pensei: «Isto aconteceu e não volta atrás. E este pensamento foi fundamental para não andar sempre no que poderia ter sido. O que eu gostava que entendessem é que todos somos capazes de nos superar». 

IRONMAN E GESTÃO
Sobre a relação entre o desporto e a gestão, Nuno España dá um exemplo que o marcou. «Quando estivemos em período covid fiquei práticamente 60 dias sem ir a casa. Com o envolvimento directo do nosso CEO,   uma das coisas que fizemos foi montar ginásios porque sabíamos que íamos passar um mau bocado. O desporto dá-nos resiliência e um espírito de sacrifício muito grande. Por exemplo, em provas de 40 horas nasces e renasces muitas vezes. E ganhas a experiência de que a vida é cíclica», explica.
A capacidade de abraçar os maus momentos e seguir em frente é outro dos ensinamentos que o gestor sublinha. «Além disto, aprendes que nunca deves tomar decisões de forma emotiva. É preciso conseguir fazer as coisas e fazê-las bem. Não é quando estás na montanha que decides. É cá em baixo». A programação é igualmente outro dos factores a ter em conta. «Sou altamente planeado. Se precisarmos de alguma coisa, o melhor é pedir a alguém que não tem tempo.  As pessoas mais ocupadas são as mais disponíveis. Quando queres ser diferente dos outros tens de dar mais», afirma.
Nuno España tem uma “Bucket List” de provas em que gostava de partiipar, apesar de nem todas serem numa lógica de competição. A Maratona das Areias e a subida ao cume do Kilimanjaro são duas delas. «As coisas têm de ser para mim de tal forma assustadoras que eu treine ao longo de uma série de meses para as fazer». 

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