Ucrânia: Apoio de Portugal a Kiev abaixo da maioria dos aliados
O apoio de Portugal à Ucrânia desde o início da invasão russa estava no final de fevereiro abaixo da maioria dos aliados de Kiev, segundo uma análise do Instituto Kiel, da Alemanha, que verifica as transferências públicas de cada país.
Na mais recente avaliação do instituto, divulgada em abril, a cada um dos 41 parceiros da Ucrânia que usaram as suas dotações para prestar auxílio militar, financeiro e humanitário desde o início da invasão das tropas de Moscovo, em 24 de fevereiro de 2022, Portugal ocupava o 32.º lugar, com um total de cerca de 75 milhões de euros.
Quando avaliados os dados em função do Produto Interno Bruto (PIB), Portugal ficava no 33.º lugar, com 0,032% do valor da sua economia.
Estes dados poderão sofrer uma alteração substancial na terça-feira, quando Portugal e a Ucrânia assinarem, por ocasião da visita a Lisboa do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, um acordo de cooperação válido por uma década e que vai também sistematizar todo o apoio prometido por Lisboa nos últimos dois anos.
O acordo inclui a assistência humanitária, financeira, militar e política no que diz respeito ao processo de integração na União Europeia (UE), anunciou hoje o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, que não especificou os montantes envolvidos.
Do total das despesas incluídas no levantamento do Instituto Kiel sobre o apoio português à Ucrânia, as alocações militares representavam a grande maioria até 29 de fevereiro, com 73 milhões de euros (25.º posto do ‘ranking’, e 26.º em função do PIB), mas não abrangiam ainda o montante de cem milhões de euros que o anterior Governo anunciou em março para a iniciativa checa de aquisição conjunta de munições para as forças de Kiev.
O valor restante diz respeito a ajuda humanitária (39.º lugar, e 37.º face ao PIB), não havendo registados quaisquer apoios financeiros.
Com a última atualização de abril de 2024, o Instituto Kiel anunciou uma mudança no método de contabilização de ajuda à Ucrânia, que era até então realizado com base nos compromissos públicos declarados por cada estado, e passou a ser calculado a partir do apoio efetivamente entregue, o que ajuda a explicar alterações significativas em relação a tabelas anteriores.
O instituto divulga igualmente uma tabela de transparência dos dados disponíveis sobre a ajuda à Ucrânia, em que, numa escala de zero a cinco pontos, Portugal surgia mais uma vez na cauda do grupo de países com 2,2 pontos.
Até 29 de fevereiro, a lista dos principais parceiros de Kiev era liderada pela União Europeia (UE) e doadores europeus com 89,9 mil milhões de euros, acima dos 67 mil milhões fornecidos pelos Estados Unidos.
Mas estes dados ainda não incluíam o pacote de 61 mil milhões de dólares (57 mil milhões de euros) que o Congresso norte-americano aprovou no mês passado de ajuda militar e financeira à Ucrânia, após um longo bloqueio da alta radical dos representantes republicanos.
“No geral, os dois blocos económicos representam mais de 95% de todas as dotações de ajuda militar à Ucrânia”, destaca o instituto alemão, mas a nível bilateral face às respetivas riquezas, a lista era liderada por países próximos da Ucrânia e da Rússia, sobressaindo os três estados bálticos, com a Estónia à frente do ‘ranking’, e também a Dinamarca, a Finlândia e a Polónia.
Antes do anúncio hoje de Paulo Rangel, a promessa de apoio mais expressiva de Portugal à Ucrânia remonta a 15 de março, quando a então ministra da Defesa, Helena Carreiras, divulgou uma contribuição de 100 milhões de euros para a compra de munições de artilharia de grande calibre para a Ucrânia, no programa de aquisição conjunta liderado pela República Checa.
Segundo dados do Ministério da Defesa fornecidos à Lusa no final de dezembro, Portugal entregou à Ucrânia, desde o primeiro trimestre de 2022, viaturas blindadas de transporte de pessoal M113 (no total de 28) e respetivo armamento, além de três carros de combate alemães Leopard 2A6.
Foi ainda disponibilizado armamento (espingardas automáticas, acessórios diversos, metralhadoras pesadas), equipamentos de proteção (capacetes, coletes balísticos, óculos de visão noturna), equipamento de comunicações, material médico e sanitário, munições de artilharia, sistemas aéreos não tripulados e geradores para produção de eletricidade.
Antes do anúncio da contribuição para a iniciativa checa, o mais recente apoio previsto envolvia três viaturas blindadas de transporte de pessoal M113 e duas M577 em versão de socorro e apoio médico.
Portugal assumiu também a reconstrução do Liceu 25, em Jitomir, na Ucrânia central, que foi destruído por um ataque aéreo russo logo nos primeiros dias da invasão, e prometeu também responder ao pedido de apoio curricular nos níveis pré-escolar e secundário e ainda ao reforço da integração escolar dos alunos ucranianos em Portugal, dirigido pelas autoridades de Kiev ao então ministro da Educação.
João Costa visitou a Ucrânia em 05 e 06 de fevereiro, quando o país se preparava para assinalar o segundo aniversário da invasão russa, juntamente com o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, que não deixou nenhum novo anúncio de apoio português a Kiev, mas reiterou o compromisso de Portugal na participação na coligação internacional, liderada pela Dinamarca e Países Baixos, de fornecimento de caças F-16, na componente de formação de pilotos, mecânicos e pessoal de terra.
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, avistou-se nessa altura com o então chefe da diplomacia portuguesa, condecorando-o pelo seu apoio e do Governo à Ucrânia, e pediu-lhe que Portugal também considerasse o envio daqueles jatos de combate.
Logo após a partida de Gomes Cravinho de Kiev, o chefe de gabinete adjunto da Presidência ucraniana, Ihor Zhovkva, disse, em entrevista à Lusa, esperar que Portugal, após as eleições legislativas disputadas em 10 de março – que ditaram a vitória da Aliança Democrática em substituição da governação socialista -, aumentasse o seu apoio militar, que classificou como “bastante modesto”.
No rescaldo da visita, a ex-ministra da Defesa indicou que Portugal vai dar este ano formação, em território nacional, a militares da Força Aérea da Ucrânia, com uma duração de quatro a seis meses, nas áreas do controlo de tráfego aéreo e manutenção de caças F-16, mas não se comprometeu com o envio de aeronaves.
Além do apoio direto, Portugal tem declarado apoio incondicional pelo tempo que for necessário à Ucrânia para restabelecer a sua integridade territorial, juntando-se aos esforços das autoridades de Kiev nos processos de adesão à UE e à NATO.
Portugal tem ainda nos ucranianos uma das suas comunidades estrangeiras mais expressivas, estimadas num numero acima dos 110 mil cidadãos, que foi reforçada após a guerra com 59.532 títulos de Proteção Temporária a refugiados, de acordo com dados da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), dos quais 1.566 solicitaram o seu cancelamento.