O dilema da UE sobre como financiar o rearmamento militar, em fase de ‘aperto’ na disciplina fiscal

A União Europeia (UE) prepara-se para aprovar esta terça-feira a primeira Estratégia Industrial Europeia de Defesa e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia já deixou o repto: “A ameaça de guerra pode não ser iminente, mas não é impossível. Os riscos da guerra não devem ser exagerados, mas devemos preparar-nos para eles”. No entanto, em altura de ‘aperto do cinto’ na UE, como financiar o rearmamento militar?

Von der Leyen pede um “turbo-reforço” na defesa comunitário num prazo máximo de cinco anos, perante as ameaças nucleares de Putin e a posição de Trump de ignorar a segurança da Europa, caso vença as eleições de novembro e volte a tornar-se presidente dos EUA.

O plano comunitário prevê estímulos à produção de armas na UE, utilizando um modelo de compra conjunta pelos Estados-membros, como foi feito (com sucesso), com as vacinas da Covid-19 ou com o gás, para resolver a crise energética desencadeada pela guerra na Ucrânia.

O orçamento comunitário será assim mobilizado como uma garantia para a indústria militar e de defesa dos 27.

O projeto enfrenta dois grandes obstáculos à sua implementação, pelo menos a curto prazo. Primeiro, coloca-se a atual situação da indústria militar europeia, sobrecarregada por anos sem investimento suficiente, seja para necessidades dos Estados-membros, seja para fornecimento de armas à Ucrânia. A baixa capacidade de produção está a levar os líderes europeus a procurar alternativas, especialmente no que respeita a projéteis e munições, de outros países que não pertencem à UE, e que poderiam ser enviados para Kiev se fosse encontrado financiamento, de cerca de 1,5 mil milhões de euros.

Mas quem pagaria? e de onde viria o dinheiro?: Este é o segundo grande obstáculo que coloca um dilema à UE.

No ano passado, só 10 dos 25 países europeus da Nato atingiram a meta de 2% do PIB investido em defesa, e a necessidade de aumentar rapidamente as despesas nesta área coincide com reativação das regras de disciplina fiscal da UE, que foram suspensas durante a pandemia da Covid-19.

Isto significa que vários Governos, especialmente os com maiores níveis de dívida púbica (como Itália, Espanha ou França) ficam com menos margem de manobra para este investimento, pressionados e obrigados a consolidar as contas públicas.

Mette Frederiksen, primeira-ministra dinamarquesa e que é um dos rostos apontados `presidência do Conselho Europeu, considera ao Financial Tomes que a solução é cortar nas despesas sociais e evitar queda dos impostos. “Temos de admitir que não dedicamos dinheiro suficiente à nossa defesa e segurança”, afirma.

Os países da UE também mostram resistência a chegar a consensos para resolver o desafio que se coloca. A criação de um fundo de 5 mil milhões de dólares para ajuda militar à Ucrânia, proposta de Josep Borrell, está bloqueada há meses, e o acordo poderá ainda não surgir este mês. Já a Alemanha quer que sejam ‘descontadas’ as ajudas diretas que providenciou ao Governo de Volodymyr Zelensky (por ter dado mais do que países como Itália ou França), enquanto outros países, como Grécia ou Chipre exigem que o dinheiro europeu seja apenas usado para comprar armas na UE (o que poderia limitar a eficácia do fundo).

O bloqueio húngaro à última parcela de 500 milhões de euros do Fundo Europeu de Apoio à Paz, promete não facilitar o dilema.

Perante a falta de recursos para investir na defesa, a primeira-ministra da Estónia Kaja Kallas, propõem um plano para emissão de 100 mil milhões de euros em euro-obrigações, dívida conjunta que seria inteiramente destinada à dinamização da indústria militar comunitária. A ideia é apoiada por Emmanuel Macron, presidente francês, mas é duramente criticada pelo chanceler alemão Olaf Scholz.

Outra hipótese que deverá ser discutida esta terça-feira passa por reforçar o papel na defesa do Banco Europeu de Investimento (BEI), que permite investir em tecnologias militares e civis de dupla utilização (como os drones), mas exclui armas, munições ou infraestruturas militares.

França ou Finlândia querem mudar as regras, de forma a que as armas estejam incluídas, mas Alemanha, Áustria ou Irlanda opõem-se.

Von der Leyen, já propôs também utilizar os lucros gerados pelos activos do Banco Central da Rússia congelados na Bélgica desde o início da guerra (no valor de cerca de 3 mil milhões de euros por ano) para financiar o envio de armas para a Ucrânia.

“Não pode haver melhor utilização desse dinheiro do que tornar a Ucrânia e toda a Europa um lugar mais seguro para se viver”, considerou na semana passada, ainda que Kiev tema que este plano possa resultar no atraso na chegada da tão necessária ajuda.

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